Eram separados recentes. Mariana e Renato já tinham
atravessado o apocalipse do primeiro mês, momento crítico em que se torce
deslavadamente para a tragédia do ex. (Torcer é um eufemismo, rezava-se para
que o divórcio logo se transformasse em viuvez. Quem passou pela fossa sabe do
que estou falando: o desejo 24 horas por dia para que o outro morra, desapareça
da face da Terra, evapore da humanidade.
E que seja uma morte retumbante, com ampla repercussão nas
redes sociais, esmagado pelo Arco da Redenção, ou atropelado por uma bicicleta
na ciclovia do Gasômetro).
Os dois curtiam a segunda fase da separação: a curiosidade
do ódio, aquele período fundamental em que se paga por informações para
descobrir como o nosso antigo par está reagindo ao luto. Mariana e Renato
queriam porque queriam notícias, adoeciam de ansiedade para desvendar se o ex
engatou um novo relacionamento e esqueceu o passado, mas não poderiam se
telefonar.
Soaria suspeito ligar para os amigos perguntando, ficaria
muito na cara o interesse, representaria uma recaída. (Ansiedade não é o nome
certo, talvez seja medo de que o ex seja feliz primeiro. Existe uma competição
oculta entre os separados: quem sai mais nas baladas, quem emagrece mais, quem
tem mais amigos no Facebook, mais seguidores no Twitter).
Ambos psicanalistas, lacanianos assumidos, Mariana e Renato
não se sentiam à vontade usando a filha Marisa, de três anos, como garota de
recados. Viviam criticando essa atitude, quando a criança é intermediária da
crise, uma espécie de mula do tráfico amoroso, levando ofensas e indiretas
entre os lares.
Mas Mariana e Renato encontraram um modo inteligente de se
comunicar: as sacolas das lojas. A filhota chegou para dormir na casa do pai
com os pertences numa sacolinha de caríssima loja feminina de sapatos, onde
cada par não custava menos de R$ 500.
Aquilo irritou o homem: “Eu sofrendo para pagar a pensão e
ela gastando os olhos da cara”. Para quê? Não deu outra: a filha voltou para a
mãe com sacolinha de grife masculina. Mariana reparou na marca Armani e se
enfureceu: “Comigo, ele vivia de abrigo molambento, velho, agora torra tudo o
que não tem com terno, deve estar apaixonado por alguma piranha”.
A reação veio no final de semana seguinte. Providenciou que
a filha visitasse o pai com uma sacola de free shop. Renato bufou: “Agora a
cretina viaja ao Exterior! Ao meu lado, só íamos almoçar na sogra em
Cachoeirinha”. Preparou a vingança mais do que perfeita, apareceu numa rede de
lingerie para pedir uma sacola emprestada na maior cara de pau, comportou as
coisinhas da filha lá dentro e teve sucesso.
Sua desafeta predileta babou, esperneou e ralhou que não
aguentava a provocação: “Ele nunca comprou um sutiã para mim, sequer conhece o
número do meu peito, agora o pilantra distribui peças íntimas para suas
namoradas”. Após sete dias, apelou de vez e pôs as roupinhas da menina numa
bolsa plástica prateada e fosca, própria de sex shop.
Foi um golpe baixo. Renato perdeu a educação dos símbolos,
pegou o telefone e rompeu o silêncio:
– Da próxima vez, pode mandar os objetos da nossa filha numa
sacola que não seja de sacanagem?
– Por quê? Está com ciúme? – pergunta Mariana.
– Não, imagina, deixa pra lá...
E começava a terceira e última fase da separação: a
hipocrisia, fingir que nada mais é importante.
FABRÍCIO CARPINEJAR -25 Oct 2011
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