sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Vaidade

 (de Florbela Espanca)

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reune num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá deste mundo...bela
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...



Pórtico



Aqui começa a nova caminhada.
Se a levar ao fim, darei louvores a Deus,
Como meu Pai, ao despegar
...Do dia ganho.
Não por haver chegado,
Mas ter acrescentado
Um palmo de ilusão ao meu tamanho.

de Miguel Torga


IV - HOMENAGEM A OLAVO BILAC




IV

Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria

Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...

Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.

Olavo Bilac

1

“Entra dourando a areia dos caminhos”
O sol se transformando em guia e fonte,
Reinando sobre a linha do horizonte
Guiando os tantos pássaros aos ninhos.
Forrando a terra em áurea maravilha
Azulejado céu se torna imenso,
E quando neste brilho paro e penso,
Minha alma em luzes fartas também trilha
Seguindo cada raio na manhã
Deveras tão fantástica que vejo,
Iridescentes lumes num lampejo,
E a vida recomeça o seu afã.
E tendo sob os olhos tal beleza,
Verseja dentro em mim a natureza.

2

“E o sol do amor, que não entrava outrora,”
Ao perceber distante dos meus olhos
Jardim que agora entranha-se em abrolhos
Enquanto esta aridez tudo devora.
Encontro sob os raios deste sol
Sobeja maravilha que, infinita
Deveras transformando uma desdita
Traçando em minha vida, este farol.
Percebo que se emana dentro da alma
Prismático e sem par, raro espetáculo,
Não tendo mais sequer qualquer obstáculo,
Imensa claridade já me acalma,
Excelso dia, eu sinto me tocando,
Num ar suave e manso, claro e brando...

3

“Palpitam flores, estremecem ninhos,”
Envoltos pela intensa claridade
Tornando bem mais bela a realidade,
Não tendo mais meus dias tão sozinhos,
Permito-me sonhar e em cada sonho
Deveras se pressente um Paraíso,
O passo destemido e mais preciso,
Num raro amanhecer que ora componho,
E vendo-te tão bela em luzes fartas,
Rondando a minha mente, fantasias,
E enquanto com prazeres tu me guias
As dores e os temores; já descartas.
Seguindo cada passo rumo à paz
Que amor, sem ter limite; quer e traz.

4

“Tinge o cimo das árvores a aurora’
Derrama sobre a Terra em áureos tons,
E os pássaros entoam vários “C
Enquanto a Natureza se decora.
Pudesse ter deveras a certeza
Do quanto se faz raro este momento,
Teria pelo menos um alento,
Gerando dentro em mim tal fortaleza
Que nada impediria o meu caminho
Aonde se pensara em dor e tédio,
O amor se demonstrando este remédio
Trazendo a paz aonde ora me aninho.
Seguindo cada passo desta luz,
O brilho em teu olhar se reproduz...

5

“Soltam festivamente os passarinhos”
Vagando por diversas direções,
Nos cantos mais fantásticos me expões
Belezas que se espalham nos caminhos,
E quando me percebo mais feliz
Vivendo desta forma, sem temores,
Sabendo em meu canteiro tantas flores
E nelas farto amor que me bendiz.
Tomado por carinhos, sigo em frente
Deixando no passado a dor imensa,
E quando tenho em ti a recompensa,
O mundo se transforma, num repente.
E sinto neste céu tal festival
De um canto mavioso, sem igual...

6

“Hoje, entre os ramos, a canção sonora”
Dos pássaros trazendo na alvorada
A imagem tão sobeja quão dourada
Nesta manhã divina que se aflora.
Mergulho em cada raio fulgurante
Que emana-se tomando todo o espaço
E quando neste sol divino eu traço
Porquanto em tal beleza se agigante
O sonho mais audaz e a divindade
Trazendo para tantos, luz e vida
A história noutras eras já perdida
Agora de esperança enfim se invade.
Tornando bem mais belo o meu jardim,
Derrama maravilhas sobre mim...

7

“Como a floresta secular, sombria”
A vida se mostrara em árdua cor,
E tendo tão somente o desamor,
A sorte a cada corte desafia,
E eu tento vislumbrar alguma sorte
Diversa da que tanto me maltrata,
A vida se por vezes é ingrata
Sem ter sequer quem mesmo nos conforte,
Percebo ainda ao longe num relance
O brilho deste sol que se aproxima
E nele com certeza nova estima
Tocando minha pele em belo alcance.
Lançando o meu olhar neste horizonte
Permito que este amor, novo, desponte...

8

“Tinhas o coração ermo e fechado”
Depois dos vendavais e tempestades,
A vida traz correntes, frias grades,
Porquanto ainda vivo o teu passado,
Mas quando nos meus braços te entregaste
Mudando a direção dos ventos, vi
Que toda esta pujança havia em ti
Gerando com a dor raro contraste,
Bebendo cada gota deste encanto,
Já não se vê mais dores no caminho,
E quando nos teus braços eu me aninho,
Um pássaro liberto, enfim, eu canto.
E sei que tu também segues tranqüila
Na glória que este amor, raro, destila...

9

“Assim também, da luz, o amor privado”
Jamais encontraria amanhecer
E tendo mais distante algum prazer
A dor já dominando rumo e Fado.
Pudesse ter nas mãos a minha sorte
Não haveria tanto sofrimento,
E quando nos teus braços eu me alento
Encontro quem deveras me conforte,
Trazendo lenitivo às tantas dores
Mudando a direção, em paz prossigo,
E tendo neste amor um raro abrigo,
Seguindo cada passo aonde fores,
As flores renascendo no canteiro,
Num sol sobejo e claro, verdadeiro...

10

“Não atravessa nunca a luz do dia,”
A sombra do que fora desamor
Ao mesmo tempo em ti percebo a cor
Que o coração deveras já recria
Matizes tão diversos da emoção
Alheias fantasias do passado,
Agora ao ver meu rumo ensolarado,
Jamais conhecerei a solidão.
Vestindo de ilusão meu peito eu sigo
Enfrentando as tempestas mais vorazes
E quanto mais amor, querida trazes
Maior a sensação de imenso abrigo.
Não deixe que este encanto finde, pois,
É dele ora o futuro de nós dois...

11

“Do tigre, e cuja agreste ramaria”
As garras com os ramos misturados
Caminhos que pensara abençoados
Transformam a beleza em agonia.
A fera se mostrando atocaiada
Floresta impenetrável, desamores,
Aonde se pensara colher flores,
A morte sendo assim anunciada.
Vencido pelo medo, nada tenho
Somente este vazio dentro da alma,
Nem mesmo uma alegria inda me acalma,
Pois sinto quão é frágil tal empenho.
Do tigre, da floresta, do terror,
O fim do que pensara eterno amor...

12

“Onde apenas, horrendo, ecoa o brado”
Da fera que prepara-se em espreita
A sorte malfadada não aceita
Destino pelos deuses já traçado.
O peso do viver se acumulando
Vergastas me cortando dia a dia,
Aonde se pensara em fantasia,
Em tempo mais suave, ameno e brando
Imenso temporal ora aproxima
E deixa em polvorosa a Natureza,
Lutando contra a intensa correnteza,
Sem ter sequer o sonho que redima,
Prepara-se o final da minha história
Deveras dolorida e merencória...

13

“Virgem do passo humano e do machado”
Florestas dentro da alma mais ferozes,
Jamais ouvindo enfim dos sonhos vozes,
Amor há tanto tempo abandonado.
Vivendo sem saber sequer ternura,
O corte se prepara a cada instante,
E o que pudera ser mais deslumbrante
Transforma qualquer brilho na loucura
Que doma e não permite a caminhada
Daquele que se fez um eremita,
A sorte se transforma na desdita,
Jamais reconhecendo uma alvorada,
A negritude imensa do arrebol,
Impede o brilho farto de algum sol.

14

“Como a floresta secular, sombria,”
Minha alma se perdendo em turvas águas
Trazendo tão somente frias mágoas
Do que vivera outrora em fantasia.
Não tendo com certeza a boa sorte
Que tanto desejara quem sonhava,
Apenas nos meus olhos, fogo e lava,
Seguindo cada passo sem suporte.
Pressinto assim o fim do sonho e então
Depois da tempestade sem bonança
Restando algum resquício de esperança,
Quem sabe novos dias me trarão
Após o sofrimento e o desprazer,
O sol num belo e claro amanhecer!


BRASIL




Pátria de emigração
É num poema que te posso ter...
A terra – possessiva inspiração
E os rios – como versos a correr.

Achada na longínqua meninice,
Perdida na perdida juventude,
Guardei-a como pude
Onde podia:
Na doce quietude
Da força represada da poesia.

E assim consigo ver-te
Como te sinto:
Na doirada moldura da lembrança,
O retrato da pura imensidade
A que dei a possível semelhança
Com palavras e rimas e saudade.


( Miguel Torga)

O Sul é meu país

A maioria dos sulistas não pensa assim ,só a minoria barulhenta, não é justo e honesto intelectualmente acusar paranaenses , catarinenses e gaúchos . Vocês que respondem acusando todos nos acabam fazendo o que a minoria quer espalhar a discórdia entre nós .Além de ser uma baita e reciproca ignorância , do preconceito. Nós paranaenses temos orgulho de sermos entre os estados do sul aquele com a maior população negra, também existem municípios do estado onde a maioria da população é mineira, paulista e nordestina. Temos entre nós racistas e até fascistas , mas somos brasileiros o céu sobre nossas cabeças é vasto , assim como o sol e a lua, não existem fronteiras para os paranaenses ou gaúchos , nós estamos em todo o Brasil, o Brasil é nosso assim como é de nordestinos, mineiros, paraenses e de tantos outros, inclusive daqueles que escolheram nossa família para também ser a deles, como os imigrantes de antes como de hoje.

O sul é parte do meu País, o Brasil .

Wilson Roberto Nogueira
Os gregos tinham esse ditado:
- Aquele que os deuses querem destruir, eles começam por fazê-lo enlouquecer.
Parece que assim funcionam as instituições, hoje, no Brasil.
Um a um, os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário foram perdendo credibilidade.
A lista de seus erros e loucuras é enorme.
A própria referência do general Mourão II a um golpe se explica (não se justifica!) porque, na crise dos três poderes constitucionais, o Exército é uma instituição que tem certa credibilidade.
Mas, do jeito que as coisas vão, se ele se meter na política, será mais um a enlouquecer.
Que instituição sobrará? A Igreja??
Alguém pode imaginar a Igreja assumindo o poder? e se assim fosse, qual Igreja?
O que pode se fazer de concreto para parar essa autodestruição do país?



Renato Janine da Fonseca

Grande Amor


Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça...
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.
Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.
Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido...
Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.



 Cruz e Sousa

ERRO DE PORTUGUÊS


Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

Oswald de Andrade
"Contra a realidade social, VESTIDA e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama."

Oswald Andrade, final do Manifesto Antropófago


Estou triste, muito triste, confesso. Me sentindo fraco, impotente. Nós falhamos. 43% dos brasileiros querem intervenção militar. Querem, como escreveu Hobbes, abrir mão da sua liberdade em prol da segurança. A direita conservadora está fazendo seu papel. A culpa é nossa, da esquerda. Bolsonaro, num país sério, seria apenas motivo se chacota. Aqui, tem chances reais de ser chefe do executivo (se ainda pudermos falar em três poderes). É com lágrimas que olho para a minha filha e projeto o Brasil daqui a vinte anos. Não, não vislumbro possibilidades para sairmos desse lodo reacionário repleto de boçalidade. Um lodo onde a “moral e os bons costumes” são trajes para disseminar o mais rasteiro preconceito. Um lodo onde a noção de meritocracia é usada para justificar os abismos sociais. Um lodo onde a justiça é seletiva. Tivemos a chance de construir uma nação de verdade, mas infelizmente não fizemos. E hoje estamos perdidos. A maioria da esquerda, presa num looping, tenta provar a todo custo a inocência de Lula e replica como argumento as melhorias sociais promovidas por seu governo. Elas foram importantes, sem dúvida. Mas não secaram o pus da ferida. A forma de fazer política continuou a mesma, viciada, modorrenta; os lucros dos bancos atingiram os patamares mais altos da história; a educação de base, crítica e emancipadora, não foi prioridade. Eis o resultado: o Brasil mergulhado no niilismo. E ainda gastamos energia em embates facebookianos com eleitores de Dória e Bolsonaro (trogloditas por excelência) e tempo postando, para a nossa bolha vermelha, frases do tipo “onde estão as panelas?” e “coxinha é tudo burro”. Não, não é assim que mudaremos alguma coisa. Então qual é a saída, Matheus? Sinceramente não sei. Talvez, devamos “retirar o time de campo” e refazer a estratégia para tentar algo com substância daqui a alguns anos. Talvez...

Matheus Arcaro