segunda-feira, 25 de abril de 2011

A arte de demolir clichês

Libanesa luta contra estereótipos ocidentais sobre a mulher árabe

Luiz Zanin Oricchio




Uma jornalista estrangeira julgou que fazia um cumprimento a Joumana Haddad ao dizer que não sabia como ela conseguiu publicar uma revista erótica em sua língua materna. Joumana, editora da revista Jasad, ofendeu-se. E a coisa piorou quando a sueca completou: “No Ocidente não estamos familiarizados com a possibilidade de existirem mulheres árabes liberadas como você”, disse. Joumana deu uma resposta malcriada, alguma coisa sobre como não se sentir tão excepcional assim e que a jornalista, na verdade, exibia uma visão preconceituosa sobre o Oriente em geral, e sobre a mulher árabe, de maneira particular.



Mas tarde, e um pouco mais calma, a libanesa Joumana Haddad, nascida em 1970, arrependeu-se da irritação e começou a escrever tentando entender sua reação um tanto destemperada. O resultado, depois de vários rascunhos e textos parciais, é o livro Eu Matei Sherazade, que contém o conveniente subtítulo Confissões de Uma Árabe Enfurecida.



Seu primeiro trabalho é desfazer preconceitos: “Não moro numa tenda, não ando de camelo e não pratico a dança do ventre”, avisa. Ao contar parte de sua própria vida, Joumana fornece retrato bem diferente à nossa consideração. Ela mesma filha de uma família culta e conservadora, diz que se formou a partir da leitura de livros tirados da ótima biblioteca paterna.



O volume que mais a influenciou na adolescência? Nada menos que Justine, ou os Malefícios da Virtude, do Marquês de Sade, que leu na flor dos 12 anos. Antes, a garota havia atravessado As Ilusões Perdidas e ela mesma se pergunta como não naufragou no imenso abismo existente entre Balzac e o Divino Marquês. Na prateleira libertina do pai colheu ainda Henry Miller e autores árabes, que alternava com Hugo, Nabokov, Flaubert, Stendhal e Proust. Não admira que tanta variedade, dentro da qualidade, tenha forjado um espírito livre.



Ou melhor, um espírito por se libertar, porque Joumana sabe que a liberdade é um trabalho e muitas vezes se sente como ave a se debater entre grades. Seu espírito voa, mas é consciente de pertencer a uma cultura opressiva à qual não se rende.



O relato dessa luta tem muita beleza e encantamento. Poderia mostrar, talvez, um pouco mais de profundidade, qualidade que costuma vir acompanhada de serenidade. Talvez isso fique para depois. Há um tempo para a raiva e outro para a reflexão. Joumana estará na Fliporto, em Olinda, entre 11 e 15 de novembro. Promete incendiar os debates.







EU MATEI SHERAZADE

Autora: Joumana Haddad

Tradução: Dinah Azevedo

Editora: Record

(144 págs., R$ 29,90)



Fonte : O Estado de São Paulo 23/04/2011