quinta-feira, 6 de dezembro de 2018


Escreve-se por excesso ou por lacuna. No primeiro caso, a vida extrapola a vida e é necessário pôr este plus no papel. A vida transborda e este transbordamento vira literatura. É o caso de Rimbaud, de Pagu e Oswald, dos beats... No segundo, escreve-se porque "a vida só não basta", como disse Pessoa. Nesse caso, escreve-se para se criar outros mundos ou para suprir este mundo das coisas que faltam. O melhor exemplo é o próprio Pessoa. Mas todos os românticos e os simbolistas, e boa parte dos modernos, podem ser colocados aí. A vida é pouca, é insuficiente, e se escreve para preencher esta falta, este vazio. Mas tanto num caso como no outro não há coincidência entre vida e literatura. Sempre há uma assimetria, uma não-identidade. Superávit ou déficit. A literatura nasce dessa incontornável dissonância.

Otto Leopoldo Winck

Há de chegar este dia


Na perspectiva da história de longa duração já fomos dominados por tropas de ocupação internas com forças externas algumas vezes. Somos o que somos em termos de Estado, sociedade e território com estes acontecimentos dramáticos, que sempre provocaram nossas reações e grandes saltos de qualidade e quantidade na nossa organização política. Citaria a conquista e ocupação islâmica, árabe e berbere, muito importante, provocando a Reconquista (800-1200) e a formação do primeiro Estado Medieval, o território do Ocidente Ibérico foi o primeiro espaço pós-islâmico e o protótipo de um novo Estado Etnonacional Europeu, Ibérico e Português. Outra ocupação foi a derrota em Alcácer-Quibir e a entrega de 1580, com as posteriores Guerras Holandesas e Espanholas, muito decisivas, nos séculos 17, a conquista do imenso território do Estado do Brasil reconhecido pelo Tratado de Madri, somente em 1750. Outro episódio foram as Guerras Napoleônicas, uma grande onda, a transferência da capital e da monarquia para o Rio de Janeiro, a subsequente Independência depois do lamentável fracasso do Reino Unido. Em todas as ocorrências tivemos chefes políticos e militares com apoio popular para lutas e confrontos longos, desgastantes, incorporando muito dos que nos derrotaram antes e finalmente sendo vitoriosos na derrota dos ocupantes externos e internos, mas vitórias provisórias e com ciclos de novas dependências, que somente serão quebrados com uma verdadeira libertação e emancipação, o que ainda não ocorreu. Darcy Ribeiro nos interpretava como uma "Nova Roma", saqueamos e pilhamos ameríndios, fomos o maior importador e sequestrador de seres humanos da África e somente quando os ex-escravos e seus descendentes assumirem a luta pela liberdade, igualdade e fraternidade nos tornaremos a Grande Nação, com plenos direitos humanos, sociais, políticos, educacionais, culturais e ambientais a que estamos destinados pela nossa grande e longa história no mundo. Há de chegar este dia.
Ricardo Costa de Oliveira