sábado, 30 de outubro de 2010

Magie Noire

despedida do povo argentino ao seu líder Nestor Kirchener.Buenos Aires .novembro de 2010

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade

O HOMEM E A MORTE

O homem já estava deitado

Dentro da noite sem cor.

Ia adormecendo, e nisto

À porta um golpe soou.

Não era pancada forte.

Contudo, ele se assustou,

Pois nela uma qualquer coisa

De pressago adivinhou.

Levantou-se e junto à porta

- Quem bate? Ele perguntou.

- Sou eu, alguém lhe responde.

- Eu quem? Torna. – A Morte sou.

Um vulto que bem sabia

Pela mente lhe passou:

Esqueleto armado de foice

Que a mãe lhe um dia levou.

Guardou-se de abrir a porta,

Antes ao leito voltou,

E nele os membros gelados

Cobriu, hirto de pavor.

Mas a porta, manso, manso,

Se foi abrindo e deixou

Ver – uma mulher ou anjo?

Figura toda banhada

De suave luz interior.

A luz de quem nesta vida

Tudo viu, tudo perdoou.

Olhar inefável como

De quem ao peito o criou.

Sorriso igual ao da amada

Que amara com mais amor.

- Tu és a Morte? Pergunta.

E o Anjo torna: – A Morte sou!

Venho trazer-te descanso

Do viver que te humilhou.

-Imaginava-te feia,

Pensava em ti com terror…

És mesmo a Morte? Ele insiste.

- Sim, torna o Anjo, a Morte sou,

Mestra que jamais engana,

A tua amiga melhor.

E o Anjo foi-se aproximando,

A fronte do homem tocou,

Com infinita doçura

As magras mãos lhe cerrou…

Era o carinho inefável

De quem ao peito o criou.

Era a doçura da amada

Que amara com mais amor.

Manuel Bandeira

Repouso

Adalgisa Nery

Dá-me tua mão

E eu te levarei aos campos musicados pela

canção das colheitas

Cheguemos antes que os pássaros nos disputem

os frutos,

Antes que os insetos se alimentem das folhas

entreabertas.

Dá-me tua mão

E eu te levarei a gozar a alegria do solo

agradecido,

Te darei por leito a terra amiga

E repousarei tua cabeça envelhecida

Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,

Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes

E as palavras do meu olhar sobre tua face muito

amada.

Adalgisa Nery



De As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)

Passamento de Néstor Kirchener -Plaza de Mayo.Novembro de 2010