Paulo Ferraz
Em 27 de dezembro de 1938, provavelmente, morria Óssip
Mandelstam, a caminho de um campo de trabalhos forçados. Segue aqui o famoso
poema que está na raiz de sua desgraça, numa tradução que fiz há algum tempo
(as imagens abaixo imagino que ilustrem bem o que ele passou nas mãos do
Stalin):
&
Sem sentir o país sob os pés, vivemos,
Nossa fala é contida e sem extremos.
Mas onde quer que se cochiche apenas
O montês do Kremlin entrará em cena.
Seus dedos são grossas e gordas larvas
Mas certas, feito o aço, são suas palavras.
O bigode é uma risonha barata
Enquanto o brilho da bota arrebata.
Em meio a uma horda de pescoços finos,
Negaceia com favores aos cretinos.
Quem assobia, quem mia, quem choraminga,
Ele escolhe, balbucia e deixa à míngua.
Como ferraduras faz seus decretos,
Vai na virilha, no olho, no esqueleto,
Lembra execução, mas é uma festa
Que alegra seu largo busto de osseta.
Novembro, 1933
Isaura Accioli__________ O mesmo para a ditadura militar.
Claudio Daniel__________Convém situar o episódio no momento
histórico: guerra civil no campo, entre as milícias de fazendeiros ricos e os
comunistas, apoiados pelo Exército Vermelho; sabotagens nas fábricas,
fomentadas pela oposição, cerco externo do imperialismo, e em seguida agressão
nazista. Stalin teve de enfrentar a oposição interna, trotsquista e czarista, e
preparar-se para a guerra externa. Óbvio que nesse contexto os opositores,
poetas ou não, arcaram com a consequência de seus atos. O pulso firme de Stalin
manteve o socialismo na URSS.
Раз Руха ______________a guerra civil terminou muito antes disto. o
período é de coletivização forçada, camponeses exterminados em milhares;
industrialização da urss por meio de uso de força de trabalho escrava = pres@s
dos gulags. veja que hoje em dia, ao contrário do período soviético, é possível
ter acesso às fontes históricas, à própria documentação da kgb que foi
traduzida para as línguas como inglês ou francês etc. existem publicações que
tratam do assunto. hoje em dia, defender o stalinismo ou é extrema ignorância,
desconhecimento de fatos históricos, ou apologia aos genocídios. uma pena
Cândido Rolim__________ Stalin foi um traidor. A morte de Trotsky diz
tudo
Claudio Daniel__________ Confira a outra versão, não-trotsquista, dos
acontecimentos na URSS nas obras de Domenico Losurdo e Ludo Martens.
Paulo Ferraz ____________Há episódios no governo do Stalin que a própria
URSS reconheceu que os limites do razoável foram ultrapassados. Não há como
negar que o socialismo foi preservado, mas a que preço? Não se trata apenas do
Trotsky mas praticamente todos os bolcheviques e outras tantas autoridades que
pudessem de algum modo comprometer não o país mas o governo do Stalin (e aí se
inclui os milhares de mortos na Ucrânia pela grande fome dos anos 30,
deportações de comunidades/minorias étnicas inteiras). Minha impressão é a de
que no final dos anos 30 a URSS estava fragilizada, tendo que pactar com a
Alemanha e assim evitar uma derrocada. Óbvio que depois de 42 isso muda, e de
algum modo devemos a paz depois de 45 ao exército vermelho. Sei lá, minha
impressão é a de que um estado persecutório (e de persecutório a inquisitorial)
nunca é uma boa solução.
Iuri Pereira____________ E nunca é.
Iuri Pereira _____________Você leu, claro, né Paulo?, mas vale lembrar
aquele ótimo A geração que esbanjou seus poetas, do Jakobson.
Paulo Ferraz____________ Sim, Iuri, sim, é uma reflexão essencial sobre
o tema, a burocracia estatal, o absurdo das perseguições, a visão tacanha do
jdanovismo fez pouco caso de uma das mais importantes literaturas (e arte como
um todo, né, pintores, músicos acusados de "formalistas", inimigos do
povo) do século XX, nada que veio depois, com exceção de um Bulgakov, se
aproxima dessa geração dos anos 10 e 20.
Paulo Ferraz ____________Conhece essa música do Shostakovitch, Iuri? É
uma sátira à arte oficial da URSS
Claudio Daniel___________Sim, morreram milhares de fazendeiros ricos e
suas milícias fascistas na Ucrânia. Hoje, eles estão no poder e fizeram na
Ucrânia um regime neonazista.
Revolução sem guerra civil e sem mortes não
existe.
Paulo Ferraz ____________Talvez aí tenhamos que categorizar até quando
vai a guerra civil e o que são fazendeiros ricos. No caso da guerra civil, em
meados dos anos 20 os brancos já haviam sido vencidos, na década de 30 o
processo de expurgo é dentro do próprio partido; em relação aos ucranianos,
bem, fala-se em milhões de mortos, e não creio que fosse todos kulaks. No caso
do Mandelstam, que sobre quem o post se referia, ele foi perseguido em razão de
um poema, humilhado, torturado física e psicologicamente, foi obrigado a fazer
uma ode ao Stalin para se retratar, enfim, até não suportar e morrer. Um poema,
apenas um poema. E sabemos que há outros como Babel que tiveram o mesmo fim, ou
o Maiakovski ou a Tzvetáieva que não suportaram ver no que seu sonho de
comunismo estava se transformando. Mas enfim, debater é bom, já que podemos
expor no que acreditamos.
Rubervam Du Nascimento ________Excelente tradução caro Paulo Ferraz.
Importante a sua lembrança.Um poema de nossos dias. Um poema necessário para
"não esquecer" que tempos piores virão. Veja a parafernália bélica q
estão preparando para a posse do cara. Demonstração de força para meter medo na
população tupiniquim. De quem não é idiota igual a Elles. Trata-se de uma claro
aviso a qualquer tipo de resistência às atrapalhadas do "coiso", que
serão muitas, não tenhamos dúvidas. Uma verdadeira merda seô, essa em q nos
metemos. É triste! Como disse o Tarso, em 2019 não podemos nos dispersar.
Hilda Freitas Caramba__________ como a censura e a tortura a mordaça
se emaranham