"O Mundo é um livro imenso, que Deus desdobra aos olhos
do Poeta! Pela criação visível, fala o Divino invisível sua Linguagem
simbólica. A Poesia, além de ser vocação, é a segunda das sete Artes e é tão
sublime quanto suas irmãs gêmeas, a Música e a Pintura! Vem da Divindade a sua
essência musical. Mas, meus Senhores, ninguém queira tomar como Poesia qualquer
estrofe, pois há muitas Poesias sem estrofes e muitíssimas estrofes sem
Poesia... Ser Poeta, não é somente escrever estrofes! Ser Poeta, é ser um
“geníaco”, um “filho assinalado das Musas”, um homem capaz de se alçar à umbela
de ouro do Sol, de onde Deus fala ao Poeta! Deus fala através das pedras, sim,
das pedras que revestem de concreto o trajo particular da Idéia! Mas a
Divindade só fala ao Poeta que sabe alçar seus pensamentos, primando pela
grandeza, pela bondade, pela glória do Eterno, pelo respeito, pela moral e
pelos bons costumes, na sociedade e na família! Existe o Poeta de loas e
folhetos, e existe o Cantador de repente. Existe o Poeta de estro, cavalgação e
reinaço, que é capaz de escrever os romances de amor e putaria. Existe o Poeta
de sangue, que escreve romances cangaceiros e cavalarianos. Existe o Poeta de
ciência, que escreve os romances de exemplo. Existe o Poeta de pacto e estrada,
que escreve os romances de espertezas e quengadas. Existe o Poeta de memória,
que escreve os romances jornaleiros e passadistas. E finalmente, existe o Poeta
de planeta, que escreve os romances de visagens, profecias, e
assombrações."
- João Melchíades (personagem), de Ariano Suassuna, em
"Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta".
8ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 239.