domingo, 13 de janeiro de 2013
A maldição haitiana
O terremoto do Haiti havia sido o ponto culminante da
longa tragédia de um país sem sombra e sem água, que havia sido atrasado pela
voracidade colonial e pela guerra contra a escravidão.
Os amos destronados explicam isso de outra maneira: o
vodu tinha e tem culpa de todas as desgraças. O vodu não merece ser chamado de
religião, Não é nada além de uma superstição vinda da África, magia negra,
coisa de negros, coisa do Diabo.
A Igreja católica, onde não faltam fiéis capazes de
vender unhas de santos e plumas do arcanjo Gabriel, conseguiu que essa
superstição fosse legalmente proibida no Haiti em 1845, 1860, 1915 e 1942.
Nos últimos tempos, o combate contra a superstição
corre por conta das seitas evangélicas. As seitas vêm do país de Pat Robertson:
um país que não tem 13. andar em seus edifícios nem fileira 13 em seus aviões,
e onde são maioria os civilizados cristãos que acreditam que Deus fabricou o
mundo em uma semana.
Galeano - 14 de janeiro -
Sou
Sou
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
- Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
- Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes
Sentes, pensas e sabes que pensas e sentes
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter
teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a
planta.
Não sei mais nada.
Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta
nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma
pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
- Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
(Heterônimo de Fernando Pessoa)
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