quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Poemas do venezuelano Rafael Cadenas traduzidos por Paulo Sandrini


Já não sei
Se posso falar em nome de alguém
Quem é este sangue, estes tendões, estes olhos,
esta estranheza, esta antiguidade?
Uma força
Me tem em sua mão
Então é ela
A que pode dizer sou,
A que pode possuir um nome,
A que pode usar a palavra eu.
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A busca
Nunca encontramos o Graal.
Os relatos não eram verídicos.
Só a fadiga dos caminhos acompanhou
os que se aventuraram,
Mas esperavam histórias.
Que seria nossa vida
Sem elas?
Nada se resolveu,
poderíamos ter ficado em casa.
Mas somos tão inquietos.
No entanto, concluída a viagem
sentimos que em nós
- não mais reféns
da esperança -
havia nascido
outro templo.
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O argumento
Pela manhã
lemos anestesiados
as notícias
da guerra (qualquer guerra),
um oficial
bem merece alguns combates;
cada facção
deseja mostrar que Deus
está do seu lado
com o argumento definitivo;
nossos olhos correm
as páginas
- buscamos mais confirmações
de nossa derrota-
e o jornal traz o que esperamos encontrar
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É tão curta a distância entre nós e o abismo, quase inexistente, uma fina luxúria. Basta se deter e aí está. Somos isso.
Nem necessitamos olhá-lo de perto. Que não haja engano. A separação nos pertence.
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Sou esta vigilância.
Sou esta vacilante disponibilidade,
esta ausência de rosto,
este sem cor.
Sou este em quem se extingue
até mesmo a idéia de homem.
traduções: Paulo Sandrini


Lamentación de la muerte


Vine a este mundo con ojos
y me voy sin ellos
¡Señor del mayor dolor!
Y luego
un velón y una manta
en el suelo.
Quise llegar adonde
llegaron los buenos
Y he llegado, Dios mío!...

Federico García Lorca


Inemuri

"Inemuri (居眠り) is the practice of ‘sleeping while present’ and has long been part of Japanese work culture"

Canções

Feliz Só Será
Feliz só será
A alma que amar.
'Star alegre
E triste,
Perder-se a pensar,
Desejar
E recear
Suspensa em penar,
Saltar de prazer,
De aflição morrer —
Feliz só será
A alma que amar.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Canções"


Tradução de Paulo Quintela

O DEUS ABANDONA ANTONIO

 para quando vc sente que perdeu o que mais queria, para não se culpar nem se lastimar, mas agradecer ter tido o que teve, e preparar-se para o infortúnio que ora lhe traz a Roda da Fortuna - comentário meu, Renato Janine Ribeiro)

O DEUS ABANDONA ANTONIO

Quando, à meia-noite, de súbito escutares
um tiaso invisível a passar
com músicas esplêndidas, com vozes -
a tua Fortuna que se rende, as tuas obras
que malograram, os planos de tua vida
que se mostraram mentirosos, não os chores em vão.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
diz adeus à Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te iludas, alegando
que tudo foi um sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza da janela
e ouve com emoção, mas ouve sem
as lamentações ou as súplicas dos fracos,
num derradeiro prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos do místico tiaso,
e diz adeus à Alexandria que ora perdes.

Kaváfis

(Baseado no que diz Plutarco: que, na véspera de partir para a última batalha, em que Otávio Augusto o venceria, Marco Antônio viu em Alexandria estranho cortejo conduzido pelo deus Baco - o deus de sua devoção -, que o abandonava).


EL AVARO


Atesoro los bienes de este mundo
como prendas del otro que me espera.
Sé que mi dividendo es infecundo:
reboza desamparo mi cartera.
Sudo frío y me toman por astuto,
por desprecio persigo la riqueza.
Palpo en cada moneda el absoluto,
leo en la muerte como en un poema.
Y mido las palabras, cuento sílabas
como centavos o como minutos.
Almaceno los restos de la vida
(guardo una perla en mis dedos enjutos).
Es avidez, es ambición, codicia.
Y no es nada, es el miedo diminuto
de un Dios que en mí esconde su avaricia
y yo, inconcluso, ayuno y acumulo.
Por su culpa y su abuso yo calculo
los días que me faltan en la cuenta,
la incertidumbre de metal la cubro,
y sólo acopio huesos y promesas.
Alfredo Fressia