domingo, 9 de dezembro de 2012
Prosas, poesias e purê de batata
Julio Maria – O Estado de S.Paulo
A menina tinha 20 anos. O poeta, 49. E isso no Rio de Janeiro do início dos anos 60, onde uma garota de 20 poderia muito bem dizer que tinha 15. Aqui a história começa a pregar peças em quem acredita saber os próximos capítulos desse caso de amor entre Vinicius de Moraes e Nelita, sua eterna “Minha Namorada”. Aos fatos: 1) Não foi Vinicius quem conquistou a menina Nelita, mas a menina Nelita quem foi à luta por aquele senhor charmoso que já estava presente há anos em um pôster colado em seu quarto. 2) Não foi nenhuma poesia que fez Nelita ver o amor, o sorriso e a flor nos olhos de Vinicius. Nelita simplesmente não gostava de poesia, mas de prosa. 3) Nelita não se apaixonou pelo poeta Vinicius, mas pelo homem. Em vez de versos, ela adorava quando ele fazia galinha assada e purê de batatas igualzinho ao da mamãe.
Vinicius e Nelita estavam em uma festa, já se conheciam. Nelita tinha um namorado de sua idade, mas tremeu quando Vinicius resolveu perguntar: “Você não gosta de mim, né Nelitinha?” Apaixonada, ela deixou o rapaz a ver barquinhos. O assunto casamento surgiu, os pais foram contra. Vinicius podia ser gênio, não genro. Ao menos era o que sua fama dizia. Foi quando se queixou a Carlos Lyra. “Parceirinho, os pais da Nelita não querem a gente juntos.” Lyra deu a ideia: por que não faz o “rapto” da sua amada?
Era brincadeira, claro, mas Vinicius, claro, levou a sério. As roupas de Nelita foram parar na casa de Carlos Lyra, até que um dia Tom Jobim levou a garota e o poeta ao aeroporto. Vinicius pediu um posto ao Itamaraty e foi nomeado para a Unesco em Paris, onde moraram um ano, antes de passarem por Roma e Túnis. Ao voltarem ao Rio, Vinicius cantou a Nelita seu maior presente, confeccionado com o parceiro Lyra: “Se você quer ser minha namorada, ai que linda namorada, você poderia ser…”
Nelita, 67 anos, dois filhos, duas enteadas e quatro “lindas netas”, casada com o francês Gerard Lecléry, atende ao telefone em um táxi de Nova York. “Moro no Rio de Janeiro, mas passo metade do ano fora.” Sobre o dia do “rapto”, conta: “Nós tramamos a fuga juntos. Disse aos meus pais que ia ao cinema e Tom, Otto Lara Rezende e Fernando Sabino nos levaram ao aeroporto. Quando voltamos para o Brasil, meus pais aceitaram Vinicius, o que foi indispensável para minha felicidade ser completa.”
O fato de não gostar de poesias deixava Vinicius admirado. “Ele dizia que eu era a única mulher que havia ficado com ele que não gostava de poesia. Mas eu estava apaixonada pelo homem, não pelo artista.” Ficaram juntos por cinco ricos anos, repletos de prosas, poesias e purês de batata.
A CIÊNCIA EM SI
(Gilberto Gil / Arnaldo Antunes)
Se toda coincidência
Tende a que se entenda
E toda lenda
Quer chegar aqui
A ciência não se aprende
A ciência apreende
A ciência em si
Se toda estrela cadente
Cai pra fazer sentido
E todo mito
Quer ter carne aqui
A ciência não se ensina
A ciência insemina
A ciência em si
Se o que se pode ver, ouvir, pegar, medir, pesar
Do avião a jato ao jaboti
Desperta o que ainda não, não se pôde pensar
Do sono do eterno ao eterno devir
Como a órbita da terra abraça o vácuo devagar
Para alcançar o que já estava aqui
Se a crença quer se materializar
Tanto quanto a experiência quer se abstrair
A ciência não avança
A ciência alcança
A ciência em si
PODEROSO CABALLERO ES DON DINERO
Madre, yo al oro me humillo,
Él es mi amante y mi amado,
Pues de puro enamorado
Anda continuo amarillo.
Que pues doblón o sencillo
Hace todo cuanto quiero,
Poderoso caballero
Es don Dinero.
Nace en las Indias honrado,
Donde el mundo le acompaña;
Viene a morir en España,
Y es en Génova enterrado.
Y pues quien le trae al lado
Es hermoso, aunque sea fiero,
Poderoso caballero
Es don Dinero.
Son sus padres principales,
Y es de nobles descendiente,
Porque en las venas de Oriente
Todas las sangres son Reales.
Y pues es quien hace iguales
Al rico y al pordiosero,
Poderoso caballero
Es don Dinero.
¿A quién no le maravilla
Ver en su gloria, sin tasa,
Que es lo más ruin de su casa
Doña Blanca de Castilla?
Mas pues que su fuerza humilla
Al cobarde y al guerrero,
Poderoso caballero
Es don Dinero.
Es tanta su majestad,
Aunque son sus duelos hartos,
Que aun con estar hecho cuartos
No pierde su calidad.
Pero pues da autoridad
Al gañán y al jornalero,
Poderoso caballero
Es don Dinero.
Más valen en cualquier tierra
(Mirad si es harto sagaz)
Sus escudos en la paz
Que rodelas en la guerra.
Pues al natural destierra
Y hace propio al forastero,
Poderoso caballero
Es don Dinero."
(Francisco de Quevedo y Villegas)
Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo.
Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.
Fosforece a lua sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.
Descinge-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.
As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Só.
As vezes amanheço, e minha alma está úmida.
Soa, ressoa o mar distante.
Isto é um porto.
Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
que correm pelo mar rumo a onde não chegam.
Já me creio esquecido como estas velha âncoras.
São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta..
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.
Mas a noite enche e começa a cantar-me.
A lua faz girar sua arruela de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.
Pablo Neruda - Cem Sonetos de Amor.
"As
verdadeiras vítimas sem esperança de doença mental encontram-se entre aqueles
que parecem ser mais normais."
"Muitos
deles são normais, porque eles são tão bem ajustados ao nosso modo de
existência, pois sua voz humana tem sido silenciada tão cedo em suas vidas, que
eles nem sequer lutam ou sofrem ou desenvolvem sintomas, como o neurótico
faz."
Eles são
normais, não no que pode ser chamado o sentido absoluto da palavra, pois eles
são normais apenas em relação a uma sociedade profundamente anormal.
Seu
ajustamento perfeito para que a sociedade anormal é uma medida da sua doença
mental. Estes milhões de pessoas anormalmente normais, que vivem sem
espalhafato em uma sociedade que, se fossem totalmente seres humanos, não
deveriam ser ajustados. "
― Aldous
Huxley, Admirável Mundo Novo
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