20/07/2011
Artigo comenta os desrespeitos do Conar em relação às
propagandas destinadas ao público infantil e a falta de eficiência da
autorregulamentação da publicidade
Por Gabriela Vuolo
As propostas de regulação da publicidade dirigida ao público
infantil têm sido amplamente debatidas por representantes dos poderes Executivo
e Legislativo junto com mercado, movimentos sociais e instituições que defendem
os direitos das crianças frente às relações de consumo. De alguns anos para cá, essa discussão
avançou bastante no Brasil com proposições como o Projeto de Lei 5.921/2001,
que tramita na Câmara Federal, seguindo uma tendência mundial em busca de regras
claras para proteger crianças menores de 12 anos dos apelos comerciais.
Em muitas democracias consolidadas a regulação da
publicidade já se deu de diversas formas. Na Suécia, por exemplo, é proibido
direcionar esse tipo de mensagem para crianças menores de 12 anos. Na
Inglaterra, a publicidade de alimentos com alto teor de açúcar, sódio e
gorduras é vetada durante programação focada em um público menor de 16 anos.
Até os EUA, berço da sociedade de consumo, impõe restrições para esse assunto.
Porém, no Brasil, o mercado publicitário, apoiado pelos
conglomerados de comunicação e pelas empresas anunciantes, resiste a qualquer
tipo de política pública que tenha como objetivo criar regras para a atividade
da comunicação mercadológica. O primeiro argumento contrário às tentativas de
regulação é o medo da censura. O segundo é que a autorregulamentação seria
suficiente para zelar pela ética na publicidade.
Falar em censura quando na realidade se quer garantir a
proteção da criança é no mínimo uma distorção. Impor restrições aos abusos não
é censurar. Anunciar brinquedos, alimentos, celulares e até carros para
crianças fere o próprio Código de Defesa do Consumidor, que trata como abusiva
(e portanto ilegal) a publicidade que se aproveita da vulnerabilidade infantil.
Toda criança está em processo de desenvolvimento e não tem o senso crítico
formado para compreender o caráter persuasivo da publicidade.
Assim, a atuação do mercado deve ter limites no momento em
que ameaça ferir direitos que estão acima das relações comerciais — como é o
caso dos direitos das crianças, consideradas prioridade por nossa Constituição
Federal.
Já as iniciativas de autorregulamentação são muito
importantes, especialmente para a solução de conflitos de concorrência e para
estabelecer modelos corporativos de responsabilidade socioambiental. Mas
claramente não são suficientes para defender temas de interesse público, como
coibir os abusos do mercado. Temos dois exemplos recentes que comprovam essa
tese.
No fim de junho, um parecer do Conar (Conselho de
Autorregulamentação Publicitária) sobre uma denúncia feita pelo Instituto Alana
contra uma campanha do McDonald’s causou perplexidade. O teor do parecer,
assinado por um conselheiro do Conar e acolhido por unanimidade por duas
câmaras da entidade, debochou do Alana com frases como “bruxa Alana, que odeia criancinhas” e “bruxa
Alana — antroposófica, esverdeada e termogênica”. O documento ainda
desconsiderou iniciativas relevantes no cenário da autorregulamentação ao se
eximir de avaliar o descumprimento da empresa denunciada ao seu próprio Código
de Ética e ao acordo assinado junto com outras 23 empresas do setor de
alimentos para restringir publicidade para crianças menores de 12 anos.
O parecer do Conar também satirizou a preocupação do Alana
com os altos índices de obesidade infantil no país, que já atinge 15% das
crianças. O relator limitou-se a dizer: “Da mesma forma que Suécia e Dinamarca
tem por base evitar que suas crianças de olhos azuis fiquem gordinhas, o Brasil
tem por base acabar com a desnutrição dos nossos meninos moreninhos”. Além de
ser preconceitusa e lamentável, a declaração ignora por completo o impacto da
publicidade de alimentos no problema da obesidade.
O episódio levou o Instituto Alana a cortar relações
institucionais com o Conar, não reconhecendo mais a entidade como um
representante legítimo na fiscalização da ética na publicidade. A gravidade do
caso fez com que o Conar reabrisse a denúncia do Alana, prometendo dessa vez
uma avaliação mais séria. Já é tarde. A falta de compromisso e o deboche não
atingiram só o Alana e sim todos os cidadãos que também defendem o não
direcionamento da publicidade para o público infantil.
Outro exemplo da ineficiência da autorregulamentação é o não
cumprimento desse acordo de autorregulamentação firmado por 24 empresas do setor
de alimentos com a ABIA (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) e a
ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes). Assinado em 2009, o acordo prevê
que essas empresas restrinjam a publicidade de produtos com alto teor de
açúcar, gorduras e sódio para crianças menores de 12 anos. As empresas deveriam
se adequar às regras até janeiro de 2010. No entanto, até março daquele ano apenas 7 das 24
empresas haviam cumprido os prazos.
Os argumentos de censura e liberdade de atuação simbolizam a
mentalidade empresarial que ainda impera no país. Embora tenham se empenhado em
assimilar o discurso da responsabilidade socioambiental nas ações de marketing,
as empresas colocam o ganho financeiro como prioridade absoluta, mesmo que para
isso tenham que abrir mão da ética e muitas vezes passar por cima de direitos.
Está na hora de mudar e de uma vez por todas entender que a
democracia se faz com discussões de igual para igual. E não com manipulação de
informação.
Gabriela Vuolo é coordenadora de Mobilização do Projeto
Criança e Consumo, do Instituto Alana
Fonte : Caros Amigos