quarta-feira, 11 de setembro de 2019

BRÁS CUBAS E ROBERTO BARROSO




No livro 'Um mestre na periferia do capitalismo', Roberto Schwarz aventa que Brás Cubas, longe de um alter-ego de Machado Assis, é na verdade um emblema da elite brasileira da época. Os latifundiários escravagistas mandavam seus filhos estudarem na Europa. De lá, voltavam cheios de ideias liberais e progressistas. No entanto, ao pensar em mudar as práticas arcaicas de seus pais, logo se davam conta de que seus privilégios -- entre eles o de estudar na Europa -- eram frutos justamente dessas práticas arcaicas: o latifúndio, a monocultura e a exploração da mão-de-obra escrava. Assim, nossos fazendeiros bacharéis viviam uma esquizofrenia política: cabeça liberal, pés escravocratas; discurso moderno, práxis arcaica.

Assim é o ministro da Suprema Corte Roberto Barroso. Adora falar em pacto civilizatório e em criticar os atrasos de nossos costumes políticos. No entanto, ele mesmo é o melhor exemplo dos herdeiros de Brás Cubas: na boca, liberalismo de almanaque, porém suas decisões não só reforçam como ampliam o fosso entre os filhos da Casa Grande e o filhos da Senzala.

Só que Roberto Barroso é ainda pior que Brás Cubas. Como o defunto autor da obra mestra de Machado Assis, é cheio de um discurso escorregadio, empolado, pedante, vazio.
Falta-lhe, todavia, o humor e a ironia fina de Brás Cubas. Nossa elite, infelizmente, não só não evoluiu como ainda piorou.

Saudades do Brás -- ao menos ele era honesto no seu cinismo.

Otto Leopoldo Winck


(Texto de um ano atrás.)



Las cuitas del joven Werther



Slawomir Mrozek

El director de la filarmónica nos recibió con amabilidad.

—¿En qué puedo servirles? —preguntó.

—Nos debe cincuenta mil.

—Es posible, pero no acierto a saber por qué razón. ¿Podrían ustedes aclarármelo?

—En calidad de anticipo —le aclaré.

—Tal vez, es una práctica habitual. Pero anticipo, ¿a cuenta de qué?

—De nuestra actuación en la filarmónica.

—Sí, eso ya tiene cierto fundamento. Sin embargo, si no me falla la memoria, es la primera vez que nos vemos. ¿Acaso hemos firmado un contrato por correo?

—Aún no, pero podemos firmarlo ahora mismo.

—Indudablemente. Pero quisiera conocer a grandes rasgos su propuesta. ¿Ustedes forman un conjunto musical?

—De momento no, pero lo formaremos.

—¿Y más o menos con qué repertorio?

—Eso ya lo veremos cuando aprendamos a tocar.

—¿A tocar?

—Sí, a tocar instrumentos musicales, por supuesto.

La torpeza de ese individuo comenzaba a enervarme.

—¿Quiere decir que aún no saben?

—Aún o ya, ¿qué más da? El futuro de todas formas nos pertenece. ¿No ve que somos jóvenes?

—¡Oh!, desde luego. Sin embargo, ¿puedo sugerirles algo? Primero aprendan a tocar, después toquen un poco y después nos vemos. El futuro sin duda les pertenece.

Y no nos dio el anticipo, el muy fascista. Salimos de allí perjudicados socialmente.

En el muro había un cartel que anunciaba la actuación de un tal Mozart.

—¿Quién es? —preguntó… pero no me acuerdo cuál de nosotros, porque me falla la memoria, sobre todo antes del mediodía.

—Seguramente un viejo.

Dejamos de pensar en el arte y nos dedicamos a construir una bomba. Un día de estos la pondremos en la filarmónica. La lucha por la justicia es lo primero.

FIN

Biblioteca Digital Ciudad Seva



Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba…



Sor Juana Inés de la Cruz

Esta tarde, mi bien, cuando te hablaba,
como en tu rostro y tus acciones veía
que con palabras no te persuadía,
que el corazón me vieses deseaba.

Y Amor, que mis intentos ayudaba,
venció lo que imposible parecía,
pues entre el llanto que el dolor vertía,
el corazón deshecho destilaba.

Baste ya de rigores, mi bien, baste,
no te atormenten más celos tiranos,
ni el vil recelo tu quietud contraste

con sombras necias, con indicios vanos:
pues ya en líquido humor viste y tocaste
mi corazón deshecho entre tus manos.

Biblioteca Digital Ciudad Seva

Domingo




Hoje é domingo.

Pela primeira vez, hoje,

eles me deixaram sair ao sol,

e eu,

pela primeira vez em minha vida,

olhei para o céu sem me mexer,

estranhando que esteja tão longe de mim,

que seja tão azul,

que se seja tão grande.

Me sentei na terra cheio de respeito

e encostei minhas costas contra o muro branco.

Não se trata, neste instante,

de descansar em sonho,

nem de combater, neste instante,

nem de liberdade, nem de mulher.

Terra, sol e eu.

Sou um homem feliz.

-

Antonio Gamoneda

trad. Andre Camuru Aubert

A Memória… (do poema Vem o Esquecimento)




A Memória é mortal. Algumas tardes, Billie Holiday põe sua rosa enferma em meus ouvidos.

Algumas tardes me surpreendo

longe de mim, chorando.

-

Antonio Gamoneda

trad. Andre Camuru Aubert


A QUE ESTÁ SEMPRE ALEGRE


 - Charles Baudelaire

Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.

A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua flama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.

As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um balé de flores.

Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!

Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;

E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.

Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,

Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,

E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!

Tradução: Ivan Junqueira

(Um dos seis poemas que os juízes mandaram excluir de Flores do mal por conta de uma suposta alusão a sífilis. "Que sua interpretação sifilítica lhes fique na consciência", escreveu Baudelaire.)