domingo, 2 de março de 2014

Um Sopro de Vida: pulsações

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar."


Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida: pulsações'
Um aceno de paz em cada flor;
Um convite de guerra em cada espinho;
E os louros do perfeito vencedor
À espera de quem passa no caminho.


Miguel Torga
Mas eu, em cuja alma se refletem
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagônicas e absurdas se sucedem —
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstrato, eu o projetado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto
Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.


- Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002.

Discurso proferido e apartes

"Nenhum país do mundo conseguiu integrar-se na civilização industrial, sem alcançar, previamente, todo o seu povo ao domínio instrumental da leitura. E já estamos diante de uma nova civilização, muitíssimo mais exigente quanto aos níveis de escolaridade necessários para que uma sociedade dela participe autonomamente dominando o saber e a tecnologia em que ela se funda. Como ignorar, nessas circunstâncias, que estamos desafiados a realizar um imenso esforço, para sair da condição de atraso educacional em que nos afundamos? Como negar que isso põe em risco a própria soberania nacional."


- Darcy Ribeiro, em “BRASIL - Discurso proferido e apartes”. Diário do Congresso. Seção II, pp. 3702-3714, 21 maio 1992. p. 3704.
Não, não chore; nova esperança, novos sonhos, novos rostos,
e a alegria não vivida dos anos que estão por vir
vai mostrar que o coração pode enganar o sofrimento,
e que os olhos podem as próprias lágrimas iludir.

Não, não sofra, embora viva a escuridão de seus problemas,
o tempo não vai parar, e nem andar atrasado;
o dia de hoje que parece tão longo, tão estranho e amargo,
breve estará esquecido no passado."


- Sarojini Naidu [tradução livre - poema citado no livro: "Cruzando o Caminho do Sol", de Corban Addison]
"Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heráclito o Obscuro.
Somos a água, não o diamante duro,
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos aquele grego
que se olha no rio. Seu semblante
muda na água do espelho mutante,
no cristal que muda como o fogo.
Somos o vão rio prefixado,
rumo a seu mar. Pela sombra cercado.
Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha sua moeda.
E no entanto há algo que se queda
e no entanto há algo que se queixa."


Jorge Luis Borges