terça-feira, 16 de abril de 2013

um notável em retiro



trinta anos de vida rústica saciaram tua sede.
 
montanha acima, contemplas o mundo sem saudade.
abaixo o impetuoso, o sempre jovem Yang-tsé.
recordas uma espada: com ela deste morte
 
a seis soldados tártaros. Virtudes juvenis; servias
ao Imperador e a sua família: te nomeio mandarim.
com roupa de cetim hospedava-te na corte. sereno,
recordas, hoje que nada te ofende. sorris
à lua e ao dragão e aos pássaros.

Victor Sosa

Tradução: Claudio Daniel

À LUZ DO POEMA


Gilberto Wallace Battilana



Voam as borboletas das idéias pelo quarto.
E ainda que me pareça impossível
cada palavra, antes de a escrever,
na teia do poema se deixa prender.
É um fogo, a minha cruz,
inunda o quarto de luz,
ainda se eu fosse um Jesus...
Diante do espelho, perplexo,
vejo o poema e eu, num só reflexo.
Cresce, é um circo, um zepelim,
um universo, é um sol, o poema,
se ilumina em mim.
E, como se estivesse no cinema,
vejo na tela do papel, projetada,
a minha mão, iluminada,
escrever até que, cansada,
tomba, e, ao tombar, tudo se apaga.
No silêncio que se faz,
o mundo se refaz.

Rubens Jardim

 "Como todo país de cultura rala, o Brasil parece ter pressa em enterrar os seus poetas. A uns sepulta, ainda vivos, na indiferença pela sua obra; a outros, depois de mortos, no pronto esquecimento do pouco que se leu deles. Quando falo de poetas, não estou evidentemente me referindo à chusma de rabiscadores de papel que usurpam o título por sua conta e risco. Refiro-me aos happy few --se cabe o adjetivo otimista-- cuja marca de fábrica ficou reconhecivelmente gravada no registrode patentes de poesia brasileira. Jorge de Lima pertence a essa seleta minoria. No ano passado, por ocasião do primeiro centenário do seu nascimento, o que ainda resta da nossa destroçada imprensa literária voltou a se ocupar dele, após tê-lo esquecido durante tantos anos.Tanto quanto sei, faz tempo que a poesia e a prosa de ficção de Jorge de Lima estão ausentes das livrarias. Pelo menos em edições acessíveis,visto a edição Aguilar de sua obra completa --por sinal há anos fora de catálogo--estar longe de fazer jus ao qualificativo. Felizmente, tal descaso editorial acaba de ser remediado em parte. Isso graças à publicação, pela Global, da coletânea Os Melhores Poemas de Jorge de Lima, na série dirigida por Edla Van Steen." (José Paulo Paes. O Estado de São Paulo, 6/08/1994)

LAMPADA MARINHA
As noites ficarão imensas.
A tristeza das coisas será cada vez mais profundas.
Agora passeias nos jardins intemporais.
E aqui, as noites serão imensas
e a solidão do mundo terá uma estatura infinita.
Vejo-te desaparecendo, como arrastada por linhas divergentes,
desfazendo-te misteriosamente como uma sombra na tarde.
Bruxuleias muito longe, lâmpada marinha,
sob a última ventania que te varreu da terra.
As noites ficarão imensas, oh, ficarão imensas!
Imóvel, jazes entretanto, recostada e serena
e tudo ainda está em ti, a mesma boca amarga,
os mesmos olhos imprecisos, os mesmos cabelos
de teus inúmeros retratos.
E através dessa inimaginável quietude serena
desdobra-se a tua meninice e ainda guardas as mãos translúcidas
da primeira comunhão, os lábios tímidos de noiva quase impúbere
e a sequência fotográfica de quando ampliaste os teus seios
e teu ventre e tua alma para conter um filho.
Ah, as noites serão imensas,
e a tristeza das coisas encherá o mundo!
Agora frequentas os tempos infinitos e ilimitados de Deus.
Mas ainda repousas teu corpo na última noite que te arrastou da vida.
São os mesmos seios, a mesma fronte, a mesma boca desmaiada,
a mesma sequência de retratos que se interrompeu enfim.
Não há um só pedaço de carne nem um membro sequer que te pertença mais:
Deus te raptou em tua totalidade.
E enquanto tudo em ti parou para nós,
tu és a dançarina que ele arrebatou dos homens e absorveu em Si.
E as noites ficarão imensas e mais tristes.

Aos que perguntam


certo texto de gottfried benn
(nem parece dele mas
de um outro
de tripas
+ sensíveis)
indaga
de onde vem a modéstia
de certas almas
logo ele
afundado em corpos mortos
e que ouviu
um cadáver cantar
não vem de lugar algum
é igual indagar
aos suicidas em grupo
aos camicases
aos adeptos
do haraquiri
composita anima:
requiescat in pace!

(Sebastião Uchoa Leite)

ALTA NOITE QUANDO ESCREVEIS



Alta noite, quando escrevei um poema qualquer
sem sentirdes o que escreveis,
olhai vossa mão --que vossa mão não vos pertence mais;
olhai como parece uma asa que viesse de longe.
Olhai a luz que de momento a momento
sai entre os seus dedos recurvos.
Olhai a Grande Mão que sobre ela se abate
e a faz deslizar sobre o papel estreito,
com o clamor silencioso da sabedoria,
com a suavidade do Céu
ou com a dureza do Inferno!
Se não credes, tocai com a outra mão inativa
as chagas da mão que escreve.

AS PALAVRAS RESSUSCITARÃO
As palavras envelheceram dentro dos homens
separadas em ilhas,
as palavras se mumificaram na boca dos legisladores;
as palavras apodreceram nas promessas dos tiranos;
as palavras nada significam nos discursos dos homens públicos.
E o Verbo de Deus é uno mesmo com a profanação dos homens de Babel,
mesmo com a profanação dos homens de hoje.
E, por acaso, a palavra imortal há de adoecer?
E, por acaso, as grandes palavras semitas podem desaparecer?
E, por acaso, o poeta não foi designado para vivificar a palavra de novo?
Para colhê-la de cima das águas e oferecê-la outra vez aos homens do
continente?
E, não foi ele apontado para restituir-lhe a sua essência
e reconstituir o seu conteúdo mágico?
Acaso o poeta não prevê a comunhão das línguas
quando o homem reconquistar os atributos perdidos com a Queda,
e quando se desfizerem as nações instaladas depois de Babel?
Quando toda a confusão for desfeita,
o poeta não falará, do ponto em que se encontrar,
a todos os homens da terra, numa só língua -- a linguagem do
Espírito.
Se por acaso viveis mergulhados no momento e no limite,
não me compreendereis, irmão!
(poemas do livro A Túnica Inconsútil, de Jorge de Lima-1893-1953)



COMENTÁRIOS SOBRE JORGE DE LIMA
"Com exceção de Manuel Bandeira é Jorge de Lima o único poeta contemporâneo
do Brasil cuja obra acompanha e evidencia todas as fases de evolução da poesia brasileira moderna". (Otto Maria Carpeaux, Introdução da Obra Poética de Jorge de Lima,1958)
" Não sei se Invenção de Orfeu ficará como um soberbo monumento isolado, ou se engendrará uma posteridade de poetas. O trabalho de exegese do livro terá que ser
lentamente feito, através dos anos, por equipes de críticos que o abordem com amor, ciência e intuição e não apenas com um frio aparelhamento analítico. Nada terão a
dizer de positivo certos críticos que abordam um texto de poesia como se tivessem de produzir uma ficha de estatística."

 (Murilo Mendes, Os trabalhos do poeta, A Manhã, Rio de Janeiro,24/07/1952)


(modus vivendi)




empinado no galho; retráteis
as garras.
pulsão de sangue
ante sua presa o tigre

salto e sobressalto: uma
única chispa; imóvel
anoitece.

Victor Sosa
Tradução: Claudio Daniel

Já se recolheu o galo incerto, homem.
César Vallejo

Nem lua nem onda neste silêncio: só
teu cadáver — tua crista de ópio —, tua luz
de dia artificial em cada artéria.
Não nasces, bardo, tudo te ausenta
tigre na cal de sua úngula, mas
por si passa algo o peixe se crispa: sua linha
de pesca puxa a raia a reluzir o arpão de escamas,
a lira da dor; nem lua nem onda agora
uma eclosão de eclipse total; união
de eczema em ecce homo coroado,
coroado de quê? de espinhos, de espinhos
ulcerando (lesão dos tecidos vegetais)
lacerando o capitel nessa fricção
do que restringe e se dessangra: César
por exemplo; poliglota o peruano em seu alcatraz.
Ave! Não saias — disse — porque hoje
nem lua nem onda nem adeus; odeio
tanto deserto.

(Victor Sosa)


Tradução: Claudio Daniel e Luiz Roberto Guedes

Um assassino inglês




Certo gentil Haigh convidava
Damas old people
Para ver a sua fábrica
Perto de Londres
E serem suas sócias
O galpão
Era uma fábrica da morte
Esquartejava-as
Bebia o sangue delas
Ritualmente
Depois dissolvia as partes
Em tonéis de ácido
Com máscara e luvas
Interrogado confessou enfim
Com orgulho
Seu labor artístico
Após o patíbulo o busto
No museu de cera:
Bigode sorriso olhos azuis

(Sebastião Uchoa Leite)

A história presente: chelsea




indo para a 7ª Avenida
de volta
com o jornal
vou para um miniparque
vem uma cega (negra)
quase cai
de bengala e tudo
no subway
felizmente
não há só o álcool na vida
seguro-lhe o braço
impropérios
chamo alguém
(PLEASE
HELP ME!)
alguém (branco)
vai de braços com ela
volto (direção: parque)
ansioso
por notícias da
"trench coat gang"
eles riam
enquanto atiravam

(Sebastião Uchoa Leite)

 POETA E FILÓSOFA VIVIANE MOSÉ -- "Nunca fomos tão incapazes de conviver, tão incapazes de seguir um acordo, tão incapazes de viver. Odiamos as regras, buscamos um prazer cada vez mais descartável e imediatista, matamos o que não temos coragem de transformar. Altíssimo uso de drogas lícitas e ilícitas, de medicação psiquiátrica; acessamos a tecnologia contra o tempo, contra a morte, contra o sofrimento, mas desaprendemos a acessar a vida, e estamos desaprendendo a elaborar nossa dor em arte.

Ao mesmo tempo, e de modo quase irônico, esta mesma tecnologia que foi incentivada como um modo de nos alienar de nós mesmos, que nos prometeu um futuro sem sofrimentos e contradições, e que se viu no século XXI diante do desgaste ambiental, do aumento da violência, esta mesma tecnologia se viu, também, diante de uma nova revolução: ao fazer nascer a sociedade em rede, a revolução tecnológica permitiu a democratização do acesso a informação e ao conhecimento." 

 POETA E FILÓSOFA VIVIANE MOSÉ -- 




“Vivemos em plena cultura da aparência: o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus.”
 (do jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano)

Antimétodo




Desoriento-me
Sem qualquer
Método
Ou sem
Qualquer fim
Vou e não vou
Mas vou
Caio sem qualquer
Alarde
O que é
E não é: mas é
Desorientar-me
É meu antimétodo

(Sebastião Uchoa Leite)

Neste dia 15 de abril de 2013 atesto com o sangue que não acredito na democracia que hoje está estabelecida, na tirania, no fascismo, no nazismo e no pseudo-socialismo com ares de planificação da espécie humana. Não acredito que todo o planeta deva possuir a mesma cultura e que a liberdade seja um conceito absoluto. A globalização e a tecnologia não são sentidos de evolução para mim e não acredito que a ciência e a razão sejam parâmetros para qualquer convicção ou certeza, nem que possam guiar a humanidade. Aliás, "humanidade" é um conceito abstrato e depende unicamente de uma perspectiva com tendências totalizantes.
A fé, enquanto modo de vida ou lei moral, também não me representa, sendo o fanatismo uma outra forma de barbárie, assim como o liberalismo e a cultura capitalista.
Dessa maneira, meus ombros estão leves como nunca estiveram, obstante as pedras e a ansiedade da pergunta: "E agora?".

Augusto Meneghin

“a ideia de que as crenças religiosas, mas não as outras, devem receber proteção especial é bizarra: todos os tipos de crença devem estar abertos ao escrutínio, crítica, paródia e ao potencialmente ridículo, numa sociedade livre” - Warburton em Free Speech

"Um canto não sei donde circulava na sala
Uma corda no pescoço
Oferecia a voz às palavras
Ela tinha os dentes brancos do algodão no veraneio"

O poeta haitiano Jean Métellus, em tradução de Guilherme Gontijo Flores

O Bom Escritor




Todos os bons livros se assemelham no facto de serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente, e que, terminada a leitura de um deles, sentimos que tudo aquilo nos aconteceu mesmo, que agora nos pertencem o bem e o mal, o êxtase, o remorso e a mágoa, as pessoas e os lugares e o tempo que fez. Se conseguires dar essa sensação às pessoas, então és um bom escritor.

Ernest Hemingway, in "Escrito de um Velho Jornalista (Esquire, 1934)"