terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

IMERECIMENTO

Adormeço



na



luz



dos



teus



olhos



vejo



Veneza



que



não



conheço





Ondulo



num



círculo



de



ondas



de



levitação







Confesso:



não



mereço



a



ternura



da



gôndola



acariciando



as



águas



onda



a



onda

Tony Tcheka

NOSTALGIA

Cinzento nicotina



serpenteia o meu quarto



argola o tempo que não passa





Tu não apareces



nada acontece….





O som sobe em 33 rotações



a voz sofrida de Ottis Reding



sustenta o calor de um canto soul





Emerges de uma nota de piano



por momentos bailas



na circunferência de uma bola de fumo



que se esquiva pela persiana





Fica o som dilatado do sax



a dar passagem a Ottis



a sentenciar “time is over”





Nada acontece…



Nicotino o espaço que se fecha



sobre mim sem ti



Tony Tcheka

E NÃO TE CHAMAS CRISTO

Tens o crucifixo de muitas chuvas



cravado na palma da mão



com que matizas a terra



em tempos de kebur





Tempo finado



tempo fincado no peito da dor



disputando a sobra do cuntango



Tempo enlutado



tempo anoitecido



no entardecer da esperança





Na curvatura



do tambor onde expias o desespero



fizeram do teu corpo sepultura do medo





Negam-te o pedaço da tua tabanca



dão-te uma vida assalariada



taxam-te uns tantos por cento



para a sobrevivência autorizada





E não te chamas Cristo



e só pregas com o arado



Tony Tcheka

BATUCADA NA NOITE

Bissau cresce



quando o sol desce



vem com o fio da noite



e só adormece



quando amanhece





O álcool



e o week-end



inflamam corpos



cheios de adornos





Na noite



há insónias



e sónias de muitos nomes



não é só o mote



aqui há funky



há merengada



e antilhesas na madrugada



Lufadas de amor



moldam corpos



suarentos de ardor



há um saracoteio



permanente



na passarelle da noite



sedas flutuantes



coxas remexendo



num sincopado



que dá síncope





O odor



mastiga o ar



sem pudor mistura-se



confunde-se



catinga



chanel



paco rabane



água cheiro



suor



e dior



ça va comme ça…



O old scotch



dá o toque final



É fatal



afinal porque não…





A batucada cresce



abre o espaço



a cidade não dorme



Tony Tcheka

SILABAR A PAZ

RISCO



na folha



do teu corpo



azul



pergaminho



desta vida



cerzida



com fios



de tulipa



negra



espelho



que o mago



tingiu





GRITO



com a voz



de pedra



e sinto



os ventos



irromperem



das vértebras



da noite





ASSIM



tacteando



com as minhas



mãos



presas



ao umbigo



da vida



trespasso



a acidez



da loucura



em ponto final







SOLTO



todas



as vozes



silabando



a paz



com acentos



de liberdade



Tony Tcheka

TECTO DE SILÊNCIO

Ergo a minha voz



e firo o tecto de silêncio



nego a morte de crianças



porque há míngua de medicamentos





Na angústia



liberto o verbo



mordo o pólen da desgraça



que grassa



nesta África desventurada



em obra



e graça



Subdesenvolvendo-se





Coloco andaimes



nos alicerces do tempo



Perscruto os ventos



Circunciso as ondas



Nego a convivência da paciência



que amordaça a fala



e cala o sentimento





Exorcizo o paludismo



Apeio a poliomielite



Amputo a desgraça



e eis a graça da criança



florescendo a vida



Tony Tcheka

TERRA TÍSICA

terra sahel



vento



cinzento



esboçando



voos amargos



movediços



esperança a esvaiar



das alturas do futa djalon





-o bombolom



lamina ventos



anuncia eventos



repica forte



e geme



no corpo



do vento saheliano





dores saheis



em contravento





a seca



é um gemido ululante



sublimado



nas cordas adelgaçadas



do nhanhero griot





a chuva



que o vento



levou



mora no imaginário



sumido



de um choro



sem tambores



sem cana sem



lágrimas





o vento



deixou-nos



a ânsia gotejando



no pulmão da terra tísica



Tony Tcheka



(in “Os rumos de vento”- Fundão Portugal)

Globalizado excluído

A

Carta

de

alforria

que

floriu

no templo

das proclamações

decretos

e

convênios

libertadores

murchou

desandou

como

a

flor

sahel



amnésica

ficou

sem

os

pergaminhos



globalizada



nos

grilhões

dos

novos

navios

negreiros

ressurge

sob formas

manhetas

manietada pelas

fronteiras farpadas

impostas por patriarcas ilusionistas

batutadores da escrita família

do comércio proteccionista de exclu$ão &

companhia Lda

Tony Tcheka.Guiné Bissau

Canção de amor de uma negra[Black Woman's Love Song]

Eu te cantei canções de amor

enquanto eles nos jogaram

juntos

entre as baratas e os ratos

no porão do navio negreiro.



Eu te cantei canções de amor

quando naquele buraco fétido

eu te ajudei a ficar vivo

para enfrentar a luta no novo mundo.



Eu te cantei canções de amor

quando eles nos colocaram

à venda no leilão

e te levaram para o leste

me arrastando para o norte.



Eu te cantei canções de amor

entre os meus gritos

de dor

te implorando

Por favor nunca te esqueças de mim.



Eu te cantei canções de amor

quando eles me levaram

para ser sua concubina

e te levaram

para ser seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

até quando eu deixei

de ser a concubina deles

mas não pudeste deixar de ser

seu garanhão.



Eu te cantei canções de amor

quando a backra-massa ¹

nos jogou pra fora de nossas terras

pagas com nosso suor e sangue.



Eu te cantei canções de amor

quando tu disseste

“Se não podemos vencê-los

vamos nos unir a eles”

e ficaste com a backra-missus ².



Eu te cantei canções de amor

quando tivemos nossas cabeças

quebradas

juntos

nas demonstrações pelo direito

de falar, de fazer greve

de politizar

de organizar.



Eu te cantei canções de amor

quando tu choraste no meu peito

e eu esfreguei ervas medicinais

nos teus ferimentos

ambos

esquecendo

que os meus próprios intestinos estavam rasgados

e rasgados de feridas.



Eu te cantei canções de amor

quando pegamos em armas

contra o inimigo

para resgatar nossa dignidade.



Eu te cantei canções de amor

mesmo quando tu renegaste

o nosso filho

concebido com a tua semente apressada

disparada no meu útero

num dia de folga.



Eu te cantei canções de amor

depois da guerra

quando trabalhamos juntos

para reconstruir um povo inteiro

e um país livre.



Eu te cantei canções de amor

quando tu me disseste

que eu já não era esperta o suficiente

para freqüentar os jantares de Estado

para os quais tu já eras convidado.



Eu continuo te cantando

canções de amor

mesmo quando canções de ódio

ameaçam sufocar até a minha alma.



Eu te canto canções de amor

homem-negro

para que tu possas entender

que eu te quero

forte

do meu lado

me cantando canções de amor também.


Elean Thomas (1947-2007); Jamaica.





In: BARON, Dan. Alfabetização cultural. São Paulo: Alfarrábio, 2004. (Tradução do autor)



Notas:

¹ O latifundiário na Jamaica.

² A esposa do latifundiário

Carta de um Contratado

Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio de te perder

deste mais que bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue…



Eu queria escrever-te uma cara

amor

uma carta de confidências íntimas

uma carta de lembranças de ti

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como macongue

dos teus seios duros como maboque

do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que recordasse nossos dias na capôpa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fim

que recordasse a loucura

da nossa paixão

e a amargura nossa separação…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

que a não lesses sem suspirar

que a escondesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kieza

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento…



Eu queria escrever-te uma carta

amor

uma carta que te levasse o vento que passa

uma carta que os cajus e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que se o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar

te levasse puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor…



Eu queria escrever-te uma carta…

Mas ah meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu – Oh! Desespero – não sei escrever também!

António Jacinto (1924-1991); Angola.
AMOR, SUEGRAS Y VOZKA




El amor es como un virus metafísico que ansiamos que se nos meta en el cuerpo de una u otra manera. El amor es una hermosa diablura condimentada con miel y labios ansiosos. Resulta tan primoroso que cuesta encontrarlo y, a veces, en busca del mismo, nos conformamos con cuentos de hadas relatados por personas que aseguran que sienten amor por nosotros, y al final, sólo era un sentimiento mal entendido que acabó en la cama de un motel de todo a cien, incluidos los preservativos. Será por esto que Giovanni Casanova sentenciaba que el amor no es más que una curiosidad, la misma que mató al gato. Yo me quedo con la cita de don Jacinto Benavente: “El amor es como Don Quijote: cuando recobra el juicio es que está para morir”. Serena y cabal cita la de don Jacinto, de hecho, algunos se han quedado con las neuronas cercenadas a causa del amor veraz. Y es que la verdad, pese a que suene poco paradisíaco, el amor en inicio es como un trago deleitable de vodka, mas, con el tiempo y la realidad, puedes llegar a desear quedarte con la botella del susodicho licor, y envenenarte las venas al verificar que no sólo estás amando a ese hombre o a esa mujer, sino también a su entorno. Es aquí, cuando el entorno ya está presente y te califica, cuando asoma un ser singular, clarividente y molesto para algunos: la suegra. Este ser portentoso, tan antiguo como un catarro primaveral, es quien puede dar colmada legitimidad a la relación de pareja. La suegra, estremecimiento de toda una tarde en familia, suele gozar de una sonrisa inicua matizada con rayos y centellas. Ella es una mujer prudente, de experiencia supina; también es, aunque su marido diga lo contrario, la que lleva los pantalones, la que te observa y evalúa como buena o mala pareja para su hijo o hija. En Galicia, aparece como matriarca incuestionable y a su vez es, aunque haya columnistas que no lo digan por miedo a represalias, el punto exacto de ir o no ir hacia adelante con la relación de noviazgo, y se les ha llegado a temer más que a una aparición de la Santa Compaña a medianoche, con luna llena y sicofonía de fondo. Esta mujer frenética te ofrece un lacón con grelos cocinado con pericia, mientras te acecha osadamente, estudiando el masticado de tus dientes ambarinos, el hilado de tu camisa made in la feria y las contestaciones que le das a una serie de preguntas que debes responder con educación imperiosa, pero nunca con sinceridad plena. La suegra puede llegar a ser algo así como la otra locura que Jacinto Benavente no se atreve a citar. Es una daga de doble filo que no entiende de frases como: “Yo amo a su hija y estoy dispuesto a estar con ella hasta el final de mis días”. No, no se engañen, existen suegras que ya huelen el bienestar de sus hijos inclusive antes de que entren por la puerta de su casa. Ellas ven tu billetera antes de que tú mismo sepas la cantidad exacta de amor que llevas dentro de ella. Cosas del querer que en ocasiones se transmuta en un titánico lingotazo de turbación y vodka.



Alexander Vórtice

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