sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Poema XXV



Uma Filosofia Toda
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.

- Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos "
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

SABEDORIA



Mikhail Kusmin



Eu perguntava ao sábios do mundo:
“Para que o sol brilha,
para que sopra o vento,
para que as pessoas nascem?”

E os sábios do mundo me respondiam:
-O sol brilha
para que haja comida à mesa
e para as pessoas morrerem de peste.
O vento sopra
Para levar os navios ao porto longinquo
E enterrar as caravanas n’ areia.
E as pessoas nascem
Para se despedirem da vida amada
E para que outros mortais delas nasçam.

“Por que os deuses assim o fizeram?”
-Pelo mesmo motivo
é que puseram em ti a vontade
de fazer essas perguntas ocas”.

In Canções Alexandrinas”,  trad. Oleg Almeida,Arte Braisil 2012.

Os Homens Ocos



 T. S. Eliot

Nós somos os homens ocos,
nós somos os homens empalhados
apoiados uns aos outros,
a cabeça cheia de palha. Ai de nós!
Nossas vozes rouquenhas, quando sussurramos juntos,
são suaves e não têm sentido, como o vento na relva seca
ou os pés dos ratos que passam sobre vidro quebrado na nossa adega vazia.
Feio sem forma, sombra sem cor, força paralisada, gesto sem movimento;
os que já cruzaram com o olhar para frente,
o outro reino da morte recordam-se de nós - se é que assim seja –
não como almas perdidas, exaltadas,
mas simplesmente como homens ocos, homens empalhados.
Olhos, não ouso fitá-los nos sonhos.
No reino do sonho da morte
estes não aparecem;
os olhos são a luz solar
numa coluna partida.
Ali está uma árvore que balouça
e há vozes na canção do vento,
mais distantes e mais solenes
que uma estrela que se apaga.
Que eu não mais me aproxime
do reino do sonho da morte.
Que use disfarces,
pêlo de rato, pele de rato, sarrafos cruzados
num campo,
fazendo o que o vento faz
e não mais.
Não aquele encontro final
na região crepuscular.

Esta é a terra morta,
esta é a terra do cacto.
Aqui as imagens de pedra
são erguidas, aqui elas recebem a súplica da mão de um morto
sob a cintilação de uma estrela que se apaga.

É assim
no outro reino da morte.
Despertar a sós
no instante em que estamos
tremendo de ternura,
lábios que beijariam
até a laje partida.
Os olhos não estão aqui,
não há olhos aqui
neste vale de estrelas moribundas, neste vale oco,
esta garganta partida dos nossos reinos perdidos.
Neste último reduto de encontros nós nos agrupamos e evitamos falar.
Reunidos nessa praia de rio cheio
sem vista, a não ser
que os olhos desapareçam
como a estrela perpétua,
rosa multifoliada,
a única esperança
do reino do crepúsculo da morte dos homens ocos.

Aqui vamos andando à roda da pêra silvestre,
pêra silvestre, pêra silvestre,
aqui vamos andando à roda da pêra silvestre,
Às cinco horas da manhã
entre a idéia
e a realidade,
entre o gesto
e o ato
desce a sombra,
pois o reino é teu.
Entre a concepção e a criação,
entre a emoção
e a resposta,
desce a sombra.
A vida é muito longa.
Entre o desejo
e o espasmo,
entre a força
e a existência,
desce a sombra.
Pois o reino é teu,
pois tua é a vida,
pois tua é...
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
É assim que acaba o mundo.
Não com um estrondo,
mas com um gemido.