domingo, 7 de abril de 2013

O engenheiro de almas



''Existe beleza em todos os lugares na terra, mas existe uma beleza maior naqueles lugares onde se tem aquela sensação de bem-estar que surge quando não se precisa mais adiar os sonhos até o improvável futuro, um futuro que se esquiva inexoravelmente, onde o modo que se permeia uma vida subitamente se esvai, porque não há nada o que temer.''

Jozef Skvorecky 

Quero-te poesia


Quero-te poesia
O rumor audível
de um fio de água
deslizando breve.
A leve carícia
aflorando o rosto
com pudor de ternura.
A melancolia do adeus
inevitável e definitivo.
O bramido da cólera
dos ofendidos e humilhados
com vigor do vento
nos altos montes
ou tão só o choro silencioso.

- Fernando Couto (moçambicano pai de Mia Couto)


Amemos burramente


"É um pouco aflitivo pensar nisso, e imaginar que, acima dos gestos e das palavras, o sentimento talvez valha alguma coisa; e que a ternura e o bem-querer devem ter um instinto certo e tocar naquelas zonas indefiníveis da alma em que nem os analistas conseguem explicar nada. Ora, pois; mesmo às cegas, burramente, amemos!"

- Rubem Braga, "Amemos burramente" - Um cartão de Paris.

Solitário




Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
-- Velho caixão a carregar destroços --

Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

- Augusto dos Anjos

RENÉ CHAR - DOIS POEMAS





FIZESTE BEM EM PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!

Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refratários à amizade, à malevolência, à bobeira dos poetas de Paris, assim como ao zunzum de abelha estéril de tua família ardenesa um pouco doída, fizeste bem espalhá-los aos quatro ventos, em jogá-los sob a lâmina de sua guilhotina precoce. Tiveste razão em abandonar o bulevar dos preguiçosos, os botequins, os mija-liras, pelo inferno das feras, pelo comércio dos espertos e o bom-dia dos simples.

Este impulso absurdo do corpo e da alma, esta bala de canhão que explode seu alvo, sim, é isso mesmo a vida de um homem! Não se pode, indefinidamente, saindo da infância, estrangular seu próximo. Se os vulcões mudam pouco de lugar, sua lava percorre o grande vazio do mundo levando virtudes que cantam em suas feridas.

Fizeste bem em partir, Arthur Rimbaud! Ainda há quem creia, sem provas, que contigo a felicidade é possível.

TU AS BIEN FAIT DE PARTIR, ARTHUR RIMBAUD!
Tu as bien fait de partir, Arthur Rimbaud! Tes dix-huit ans réfractaires à l'amitié, à la malveillance, à la sottise des poètes de Paris ainsi qu'au ronronnement d'abeille stérile de ta famille ardennaise un peu folle, tu as bien fait de
les éparpiller aux vents du large, de les jeter sous le couteau de leur précoce guillotine. Tu as eu raison d'abandonner le boulevard des paresseux, les estaminets des pisse-lyres, pour
l'enfer des bêtes, pour le commerce des rusés et le bonjour des simples.

Cet élan absurde du corps et de l'âme, ce boulet de canon qui atteint sa cible en la faisant éclater, oui, c'est bien là la vie d'un homme! On ne peut pas, au sortir de l'enfance, indéfiniment étrangler son prochain. Si les volcans changent peu de place, leur lave parcourt le grand vide du monde et lui apporte des vertus qui chantent dans ses plaies.

Tu as bien fait de partir, Arthur Rimbaud! Nous sommes quelques-uns à croire sans preuve le bonheur possible avec toi.

De Fureur et Mystère (1962)



FREQÜÊNCIA

O dia todo servindo ao homem, o ferro aplicou o torso sobre a lama inflamada da forja. Com o tempo, as curvas gêmeas de suas pernas rebentaram a fina noite do metal espremido sob a terra.

Sem pressa, o homem deixa o trabalho. Mergulha uma última vez os braços no flanco sombrio do rio. Agarrará enfim o bordão gelado das algas?

FRÉQUENCE

Tout le jour, assistant l'homme, le fer a appliqué son torse sur la boue enflammée de la forge. A la longue, leus jarrets jumeaux ont fait éclater la mince nuit du métal à la étroit sous la terre.

L'homme sans se hâter quitte le travail. Il plonge une dernière fois ses bras dans le flanc assombri de la rivière. Saura-t-il enfin saisir le bourdon glacé des algues?

De Fureur et Mystère (1962)

Bétulas (Lyube)





Por que as bétulas farfalham assim na Rússia?
Por que todos conhecem essas brancuras?
Ficam na estrada, escoradas no vento,
E a folhagem acena tristemente.

Eu caminho pela estrada, fico feliz na vastidão,
Isso pode ser tudo o que conheço na vida.
Por que as folhas voam assim tristemente,
Resvalando na camisa da pessoa?

E no coração, de novo, quente, ardente,
E de novo, e de novo, sem resposta.
E a folhagem das bétulas, caindo no ombro,
Como eu, despreende-se dos ramos.

Vamos nos sentar um momento antes que eu vá, querida,
Entenda, eu voltarei, não fique triste, não vale a pena.
Minha velha mãe vai me dar tchau,
E fechar a portinhola atrás de mim.

Por que as bétulas farfalham assim na Rússia?
Por que a gaita soa tão bem?
E os dedos voam como vento pelos botões,
Mas o último, ah, emperra...

E no coração, de novo, quente, ardente,
E de novo, e de novo, sem resposta.
E a folhagem das bétulas, caindo no ombro,
Como eu, despreende-se dos ramos.

E no coração, de novo, quente, ardente,
E de novo, e de novo, sem resposta.
E a folhagem das bétulas, caindo no ombro,
Como eu, despreende-se dos ramos.

~em russo~

*Берёзы

Отчего так в России берёзы шумят?
Отчего белоствольные всё понимают?
У дорог прислонившись по ветру стоят
И листву так печально кидают.

Я пойду по дороге, простору я рад,
Может это лишь всё, что я в жизни узнаю.
Отчего так печальные листья летят,
Под рубахою душу ласкают?

А на сердце опять горячо-горячо,
И опять, и опять без ответа.
А листочек с берёзки упал на плечо,
Он как я, оторвался от веток.

Посидим на дорожку, родная, с тобой,
Ты пойми, я вернусь, не печалься, не стоит.
И старуха махнёт на прощанье рукой,
И за мною калитку закроет.

Отчего так в России берёзы шумят?
Отчего хорошо так гармошка играет?
Пальцы ветром по кнопочкам враз пролетят,
А последняя, эх, западает...

А на сердце опять горячо-горячо,
И опять, и опять без ответа.
А листочек с берёзки упал на плечо,
Он как я, оторвался от веток.

А на сердце опять горячо-горячо,
И опять, и опять без ответа.
А листочек с берёзки упал на плечо,
Он как я, оторвался от веток.

fonte :Ludmila sokolova


“… senti um frio correr pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater no coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo.”

(Dom Casmurro)Machado de Assis

Carta Testamento



"Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."  

(Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)