terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Direito ao Delírio



Eduardo Galeano


Está a nascer o novo milênio. Não dá para levar o assunto demasiado a sério: ao fim e ao cabo o ano 2001 dos cristãos é também o ano 1379 dos muçulmanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. Além disso, o novo milênio nasce no primeiro de Janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores romanos, que em determinada altura decidiram romper com a tradição que mandava celebrar o ano novo no começo de cada primavera. A contagem dos anos da era cristã provém ainda de outro capricho: um belo dia o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, mesmo que ninguém pudesse precisar então em que data tinha ele nascido. O tempo ri-se dos limites que inventamos para construirmos a ficção de que ele nos obedece, mas o mundo inteiro celebra e teme essa espécie de fronteira. Milênio vai, milênio vem, a ocasião é, assim, propícia para que oradores de inflamada verve possam perorar acerca do destino da humanidade, e para que os arautos da ira de Deus possam anunciar o fim do mundo.
O tempo, esse, lá continua sossegado a sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério. Verdade seja dita, porém, a uma data assim, por mais arbitrária que ela seja, não há quem resista, e ninguém escapa afinal à tentação de tentar saber como será o tempo que será. Vá-se lá saber porém como será. Possuímos uma única certeza: no século vinte e um, ainda que possamos estar aqui, seremos todos gente do século passado e, pior ainda, seremos gente do passado milénio. Não podemos todavia tentar adivinhar o tempo que será sem que tenhamos, pelo menos, o direito de imaginar aquele que queremos que seja.
Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem senão o direito de ver, de ouvir e de calar.

Que tal se começássemos a exercer o nunca proclamado direito de sonhar?
Que tal se delirássemos por um pouco?

Vamos então lançar o olhar para lá da infâmia, tentando adivinhar outro mundo possível. No próximo milênio o ar estará limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das humanas paixões. Nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães. As pessoas não serão programadas por computador, nem compradas no supermercado, nem espiadas por televisor. O televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de engomar ou a máquina de lavar a roupa. As pessoas trabalharão para viver, em vez de viverem para trabalhar. Será incorporado nos códigos penais o delito de estupidez, que cometem todos aqueles que vivem para ter ou para ganhar, em vez de viverem apenas para viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca. Em nenhum país serão presos os jovens que se recusem a cumprir o serviço militar. Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas. Os cozinheiros deixarão de considerar que as lagostas gostam de ser cosidas vivas. Os historiadores deixarão de crer que existiram países que gostaram de ser invadidos. Os políticos não acreditarão mais que os pobres adoram comer promessas. A solenidade deixará de se julgar uma virtude e ninguém tomará a sério nada que não seja capaz de assumir. A morte e o dinheiro perderão os seus poderes mágicos, e nem por disfunção ou por acaso será possível transformar o canalha em cavalheiro virtuoso. Ninguém será considerado herói ou louco só porque faz aquilo que acredita ser justo, em vez de fazer aquilo que mais lhe convém. O mundo já não se encontrará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro caminho senão declarar a falência. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua. Os meninos ricos não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não existirão meninos ricos. A educação não será um privilégio apenas de quem possa pagá-la. A polícia não será a maldição daqueles que não podem comprá-la. A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, voltarão a juntar-se, bem unidas ombro com ombro. Uma mulher, negra, será presidente do Brasil e outra mulher, negra também, será presidente dos Estados Unidos da América; uma mulher índia governará a Guatemala, e outra o Peru. Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque se negaram a esquecer em tempos de amnésia obrigatória. A Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo. A Igreja ditará também outro mandamento que havia sido esquecido: "Amarás a natureza, da qual fazes parte". E serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma. Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são aqueles que desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar. Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham desejo de justiça e desejo de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem que importem as fronteiras do mapa e do tempo. A perfeição continuará a ser o aborrecido privilégio dos deuses, mas, neste mundo imperfeito e exaltante, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro. Dez.99

FAZENDO JUSTIÇA



Cristina e Leandro Konder

"Neste 'Gracias a la Vida: memórias de um militante', Cid Benjamin faz um relato de suas ricas experiências pessoais, mesclado com oportunas reflexões sobre as aventuras e desventuras da esquerda brasileira nas últimas décadas.

Sua militância política incorpora acertos generosos, mas também evidencia o franco reconhecimento dos erros cometidos.

Líder estudantil, figura destacada na guerrilha urbana contra a ditadura militar, um dos idealizadores do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick -- do qual participou ativamente -- e dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), Cid viveu o movimento de massas de 1968, a prisão, a tortura e a clandestinidade.

Em seu longo exílio, trabalhou como engenheiro em uma fábrica de confecções em Cuba, e ganhou avida como funcionário administrativo em uma escola e como professor em uma creche na Suécia.

De volta ao Brasil, em setembro de 1979, Cid Benjamin foi fundador e dirigente do PT, partido do qual acabou se afastando para filiar-se ao PSOL.

Jornalista, desenvolveu suas qualidades de escritor, tornando-se um dos grandes contadores da história de sua geração.

Com memória implacável -- e, eventualmente, até com senso de humor --, Cid mobiliza na linguagem seu poder de contar as muitas esperanças e alguns dos horrores que atravessam a obra literária do século XX.

Assim como não se reduz um grande escritor ao seu tempo, os ensaios críticos de Cid não se limitam a imprimir seus anseios e seus protestos ao movimento da história contemporânea.

Eles são um valioso instrumento para a luta daqueles que querem uma sociedade mais humana.

Cid Benjamin nunca desiste de lutar para fazer justiça"

La literatura, un viaje sin rumbo fijo



El otro día en el Instituto Cervantes de Tokio sostuve un diálogo abierto con el escritor español Javier Cercas. Su novela Soldados de Salamina me pareció una obra maestra.
Durante la Guerra Civil española, un comando del Ejército republicano, acorralado en Cataluña, se dispone a fusilar a un oficial fascista que se encuentra recluido bajo custodia, pero un joven soldado, por cuenta propia, decide liberarlo. La novela sigue los respectivos destinos del soldado y del oficial fascista. Se sabe que la noche anterior al suceso, el soldado se entretenía bailando un pasodoble.

Los franquistas obtienen una victoria avasalladora, el joven soldado se integra en el exilio a una tropa multinacional del Ejército francés y recorre el continente africano. Los soldados anónimos de la pequeña y precaria unidad terminan venciendo mediante una serie de tácticas de guerrilla al batallón alemán que tenía todas las de ganar. Se salva así la civilización francesa, y el soldado, aunque lesionado, sobrevive las sucesivas campañas.
¿Quieres escribir buenas novelas? Haz entonces como Cervantes: embárcate en un puerto
"Erasmo y Cervantes no fueron guerreros heroicos, tan solo soldados anónimos"
Muchos años después, convertido en un veterano, recuerda con nostalgia el baile del pasodoble, elemento que enlaza el relato con el pasado remoto.
Cuando preparaba el diálogo con Cercas y revisaba en mi estudio los libros sobre la Guerra Civil española, me encontré de pronto con La misión de la literatura, el libro de Georges Duhamel traducido por Kazuo Watanabe, y la edición original en francés de Deux Patrons. Hay ahí dos patrones, es decir, dos maestros: Erasmo y Cervantes, a quienes el autor consideró como los salvadores de la civilización. Con ambos libros en mis manos, me trasladé 50 años atrás hasta verme en una cafetería subterránea, ubicada en el campus de la Universidad de Tokio.
A pesar de que había ingresado en la universidad con el deseo de profundizar en el estudio del humanismo, del que se ocupan con todo detalle los libros del profesor Kazuo Watanabe, durante mi carrera académica no fui capaz de entender sus lecciones. Lo único que logré hacer fue conseguir en librerías de viejo los títulos que el profesor Watanabe había publicado antes y después de la guerra, y leerlos a solas. Desilusionado con mis estudios, comencé a probar suerte en la creación literaria.
Una semana después de que uno de mis cuentos apareciera en el número especial de un periódico de la universidad con
motivo del festival estudiantil de mayo, el profesor Watanabe, que se encontraba en la cafetería, me detuvo cuando pasé a su lado y me habló así:
-Oye, he leído ese cuento tuyo en el cual un estudiante mata a un perro. ¿Es que piensas convertirte en narrador?
La pregunta me desconcertó y no atinaba a responder. Un amigo que me acompañaba se adelantó a contestar rescatándome de aquella embarazosa situación:
-Qué va, profesor, este solo se empeña en leer lo que usted ha escrito sobre el humanismo. A ver, ahí traes uno de sus libros, ¿verdad?
Le mostré al profesor La misión de la literatura y, al tomar el libro entre sus manos, me preguntó qué me parecía.
Le respondí que solo había terminado de leer la primera parte y el epílogo a cargo del traductor. El profesor abrió el libro y me pareció que se fijaba en las partes que yo había subrayado.

"No se debe permitir el derramamiento de sangre por causa de conflictos religiosos: a partir de esta firme convicción, Erasmo siguió un camino tortuoso, mientras que Cervantes llevó una vida trágica al aferrarse a la misma creencia en una época en que era inconcebible demostrar que una personalidad armoniosa y una razón suficiente eran superiores a la locura y la perversión. (...) Ni Erasmo ni Cervantes fueron guerreros heroicos sino tan solo soldados anónimos".
Para evitar que el profesor leyera mis notas al margen del libro, me apresuré a decir:
-Ahora creo entender no solo por qué el autor escribió esta obra al año siguiente del comienzo de la Guerra Civil española sino también por qué usted la tradujo un año antes de que Japón entrara en guerra.
El profesor Watanabe me concedió la razón:
-Georges Duhamel lanzó con palabras contundentes un grito de alerta ante la expansión del fascismo en Europa, pero ¿no te parece que el epílogo que escribí es bastante timorato ante la censura y a los demás temas que trata el libro? Te recomiendo, más bien, que leas con atención la segunda parte, si es que quieres seguir escribiendo novelas.
Emocionado, corrí escaleras arriba hacia la salida de la biblioteca y me tumbé en la hierba a leer el capítulo sobre Cervantes. Ahí encontré una exhortación que Duhamel dirigía a los jóvenes que aspiraban a formar parte del mundo literario:
"Entonces, joven, vive la vida ante todo. Bebe abundante leche de la ubre de la vida para nutrir tus futuras creaciones. ¿Dices que quieres escribir buenas novelas? Hazme caso entonces y embárcate en algún puerto. Recorre el mundo ganándote el sustento con modestas ocupaciones, y soporta la pobreza. No te apresures a tomar la pluma. Sométete al dolor y al sufrimiento. Aprende con las miles de personas que encuentres a tu paso. Y cuando te doy estos consejos, quiero decir que jamás trates de esquivar la angustia que te ocasionen los demás o las adversidades que tengas que experimentar para hacerlos felices. (...) ¿Quieres escribir buenas novelas? ¡Óyeme bien, entonces! Antes que nada, trata de olvidar ese deseo. Emprende un viaje sin pensar en un rumbo fijo. Agudiza la vista, el oído, el olfato y el apetito. Espera con el corazón abierto. Tal como hizo...".
Cervantes, por supuesto. Durante su estadía en Japón, ya en la posguerra, Duhamel le obsequió al profesor Watanabe la edición de lujo del libro original, ilustrada con más de 20 dibujos. Un año antes de morir, el profesor Watanabe me dejó como herencia esa edición. A lo mejor guardaba algún remordimiento desde aquel entonces, cuando se enteró, a través del amigo que me acompañaba, que me había deprimido profundamente al leer esa segunda parte. Pero, en realidad, yo también sabía que aquella había sido para mí una extraordinaria lección.
Traducción de Ryukichi Terao, con colaboración de Ednodio Quintero para el Instituto Cervantes.

Kenzaburo Oe es escritor, premio Nobel de Literatura de 1994.

Fonte : EL PAÍS. Madrid.OPINIÓN. 31 OCT 2010.TRIBUNA:

Lula “livre”: três cenários e uma suspeita



"Lula saiu da cadeia, e isso é bom. Mas sua saída é um efeito colateral de um plano dos mesmos que os colocaram lá e que zelarão para que seus direitos políticos sigam cassados e que, se necessário, ele volte para o cárcere quando as condições jurídicas forem satisfeitas, uma vez que as condenações nas primeiras instâncias ainda estão valendo."
Publicado em 11/11/2019 // 1 comentário


Por Mauro Luis Iasi.
“Quando o queijo e a goiabada se encontram na mesa do pobre,
devemos suspeitar dos três: do queijo, da goiabada e do pobre.”

Barão de Itararé

Análise de conjuntura não é um exercício de premonição, mas a capacidade de apontar cenários a partir das contradições que se apresentam. A conjuntura atual começa a apontar, pelo que penso, três possíveis cenários. Agregaremos um elemento importante na dinâmica dos fatos, que foi a saída de Lula da cadeia da lava-jato. Vejamos esses cenários sem que a ordem indique o que penso ser o desfecho de maior probabilidade.

Primeiro cenário: Barão de Itararé – tudo pode acontecer, inclusive nada
A tendência quando avaliamos as contradições do governo fundamentalista/miliciano é querer ver soluções dramáticas, seja do ponto de vista de um retrocesso autoritário mais explícito e de corte fascista (que, acreditem ou não, ainda não veio), ou, no sentido oposto, uma rebelião ao estilo de nossos vizinhos latino-americanos.

Historicamente, o Brasil é pródigo em derrubar essas alternativas extremas. O governo miliciano tem cumprido a agenda do capital com esmero e dedicação. No entanto, a forma como o faz constitui um problema para a ordem burguesa na medida em que cria tensões desnecessárias para tal agenda, ainda que necessárias para a manutenção do bufão descontrolado e sua trupe. Como veremos adiante, existe a possibilidade de que o projeto de tirá-lo do poder para manter essa agenda já tenha começado, mas ao lado dessa possibilidade, e devido aos riscos que envolve, apresenta-se a possibilidade de deixar como está para ver como fica.

Eduardo Bolsonaro não será cassado, Moro permanece ministro, Queiroz não será levado a prestar depoimento, continuaremos sem saber quem mandou matar Marielle, uma outra artimanha jurídica tentará manter Lula fora do pleito eleitoral e o chefe dos palhaços continuará fazendo asneiras e proferindo impropérios enquanto a reforma administrativa e a tributária seguem seu curso. A Globo alternará denuncias indignadas e loas à retomada do crescimento após a administração do amargo remédio da austeridade e seus inevitáveis efeitos colaterais, ao mesmo tempo em que seus comentaristas cuidarão de depositar a culpa pelo atraso da retomada do crescimento na ameaça de um Lula na oposição.

A centro-esquerda marchará tendo como norte um calendário que só tem uma data: as eleições de 2022 (e uma escala nas eleições de 2020). A reforma trabalhista, a reforma da previdência, as matas queimadas e praias manchadas de óleo, os índios mortos, as crianças assassinadas, a morte da universidade pública e o desmonte do SUS se convertem em argumentos de um discurso eleitoral, uma macabra contabilidade do que perdemos e não há o que fazer, criando a ideia de que a única alternativa para avançar é recuar ao tempo da política de conciliação de classes.

Segundo cenário: Matrioska – o golpe dentro do golpe, dentro do golpe
O primeiro cenário tem um limite: o quanto o caráter burlesco e tosco do miliciano pode comprometer a pauta e os negócios de seus patrões. Se, por um lado, a agenda do capital e suas contrarreformas estão andando de acordo com o esperado, entre outras coisas pela boa vontade e competência do Congresso Nacional e seus asseclas, as atitudes destemperadas do presidente e sua trupe e os esqueletos no armário produzem um estrago considerável que tem impacto nos interesses dos segmentos monopolistas (indústria, agronegócio, bancos, comércio, etc.). A retomada raquítica da economia, o resultado pífio do leilão do petróleo, a trava nos investimentos diretos, começam a materializar um risco Bolsonaro que não deve ser desprezado.

Um efeito secundário, mas não menos importante, é o fato de que se o risco Lula alimentou a possibilidade de Bolsonaro e permitiu que o desqualificado chegasse à presidência, o risco Bolsonaro dá uma sobrevida ao lulismo e ao mito do retorno aos tempos do pacto.

Tudo isso leva ao cenário no qual os segmentos da classe dominante podem optar por retirar a peça que os incomoda para manter a agenda no que é fundamental. Duas dificuldades se apresentam nesse caminho. Primeiro, a amputação precisa ser feita sem que pareça uma anulação do golpe de 2016, o que abriria caminho para uma volta do petismo e do pacto de classes que o sustentava. O segundo problema é como a peça amputada reagiria.

Ao que parece, a garantia para que isto se dê, pelo menos na intenção de seus protagonistas, é a passagem do poder para o vice-presidente Mourão. Os segmentos que conspiram nesta direção têm os meios e os recursos necessários mas não controlam as condições materiais que garantiriam a estabilidade desejada, uma vez que estas radicam no comportamento da economia, no terreno pantanoso daquilo que Mészáros descreveu como a tentativa de controle de um sociometabolismo incontrolável. Em poucas palavras, a crise e sua profundidade.

Vemos desde 2016 uma promessa que não se cumpre quanto a estabilidade. Tira-se a Dilma e que Temer constrói uma ponte segura… não deu. Elege-se um presidente que cercado de legitimidade estabiliza o país… também não deu. Por que com Mourão seria diferente? O que os conspiradores esperam é que as contrarreformas comecem a dar resultados para o crescimento do capital de modo que se forje, com a aval dos militares, uma unidade no campo dominante que seja capaz de manter a ordem enquanto os efeitos deste ajuste ainda se manifestem de forma mais contundente, dando o tempo necessário para que se crie uma alternativa eleitoral que se sustente e seja capaz de derrotar a centro-esquerda e a extrema-direita.

A denúncia da Globo e o andamento das investigações que vinculam o presidente e sua família às milícias aproximando-o do assassinato de Marielle, se somam agora à soltura de Lula, como veremos, para demonstrar que o esquema já começou a se mover nesta direção. Ratos que abandonam o navio (como o MBL, artistas pornôs, roqueiros e advogados golpistas) e a popularidade em queda, indicam que o isolamento que antecede a queda esta em curso.

A segunda barreira é mais complexa. O que se supõe é que já se dispõe de recursos de chantagem suficientes para que o capitão renuncie alegando uma doença, real ou imaginária (creio que ele deve ter as duas), facilitando assim o caminho do golpe dentro do golpe. Ocorre que o personagem, diferente de outros, parece não ser suscetível a esse tipo de manobra e terá que ser forçado a largar o osso. Aqui a incógnita: terá ele recursos de reação, ou será blefe?

Além da fidelidade do fundamentalismo religioso, que pode oscilar na última hora, uma vez que o pentecostalismo de negócios aprendeu com a Igreja católica a sobreviver aos regimes que apoia (vamos lembrar que esses setores apoiaram o petismo antes de transitarem para Temer e agora se alinharem o demônio), o presidente parece ter um apoio importante em milícias armadas com ligações com as corporações policiais. Tem, ainda, uma base fiel que deve estar entre algo em torno de 7 a 10% do eleitorado que se identifica com sua pregação de extrema direita, com reflexos em segmentos de massa corrompidas por um discurso antipetista e anticomunista irracional e raivoso.

Tudo isso já é um problema, mas ainda não chegamos à verdadeira incógnita – a saber: qual é o apoio real do presidente na corporação militar? Os generais parecem divididos, com o Heleno de um lado e Cruz e Souza de outro, junto com outros que abandonaram a nau insana (parece que já são onze os militares que pularam fora do governo). Mas a dúvida é a capacidade de Bolsonaro arrastar um segmento das forças armadas na defesa de seu governo. Os militares brasileiros preferem operações que não encontrem resistência, e podem recuar diante da possibilidade de reação e buscar outros cenários.

A alternativa Mourão é uma busca de estabilidade. Se o caminho que leva até ele produzir o caos, será descartado e voltamos ao primeiro cenário.

Terceiro cenário: o contragolpe que é o verdadeiro golpe fascista
McNamara já dizia que a primeira vítima da guerra é a racionalidade. O risco nesse sentido é pensarmos como agiriam os sujeitos e atores principais supondo uma racionalidade que já foi ultrapassada pela crise. Bolsonaro pode já ter ultrapassado o patamar de uma peça com problemas, gangrenou e supurou e tem que ser extirpado. Tomadas as medidas para diminuir sua popularidade (ao que parece é a Globo que tem esse papel), produzir seu isolamento parlamentar (o que cabe a Rodrigo Maia), desacreditá-lo internacionalmente (tarefa realizada pelo próprio Bolsonaro e seus ministros), se desfecharia o golpe dentro do golpe para manter o golpe.

Caso seja blefe e Malafaia apareça abençoando Mourão e as milícias fizerem um acordo (o problema de esperar fidelidade de ladrões, assassinos, traficantes e criminosos é que eles não têm amigos, têm interesses), fora a choradeira dos bolsominions, um exército de robôs descontrolados gritando “perigo, perigo” e um certo ministro da justiça fugindo do país com alguns procuradores, estaríamos no bojo do segundo cenário.

Nosso terceiro cenário se apresenta, portanto, caso não seja blefe e o capitão apresente resistência. Ao que parece, a estratégia do inominável não era ganhar as eleições – cada vez estou mais convencido que ele não se preparou para este caminho. Devemos supor que sua estratégia era, diante de uma vitória de Haddad, dividir o país e propor uma solução de força de corte claramente fascista. Essa não é uma suposição leviana, uma vez que o presidente falou abertamente isso e seus filhos, com o destaque para aquele que apresenta mais nitidamente traços delirantes, o vereados do Rio, defendem isso sem disfarces, como escapou na fala de Deputado Federal que defendeu o AI-5.

O problema deste cenário é que ele não prevê a benção dos segmentos monopolistas e sua real força e acredita que pode chegar a manter um governo forte contra o capital. Lamentavelmente, a burguesia brasileira é pródiga em perder o controle dos processos que ela parece controlar, como estou convencido que aconteceu em 2016. Isso abre a perigosa possibilidade da aventura golpista da “familícia” encontrar condições político-militares de resistir ao possível golpe que tentaria tirá-lo do governo e conseguir apresentar uma solução de força, simultaneamente para evitar a perda de controle (risco Chile) e atacar seus adversários do campo conservador: o Congresso e o STF.

Este cenário depende de quanto o miliciano tem de fato de apoio na corporação militar e policial (legal e miliciana), e sua capacidade de ser a alternativa que resta ao capital diante do risco de descontrole social, seja pela revolta de massas, seja pela possibilidade de retorno pela via eleitoral do petismo.

Uma suspeita
Os leitores mais atentos devem ter notado que os cenários se apresentam no campo das alternativas dos setores dominantes. Ocorre que a alma da conjuntura se encontra na correlação de forças e dos instrumentos e recursos que os atores dispõem para realizar seus interesses. O campo popular está derrotado e isso desloca o centro da conjuntura para as alternativas em disputa no interior do campo dominante.

Na direção oposta desta leitura estão muitos amigos e incorrigíveis otimistas que veem no cenário quase insurrecional na América Latina (Equador, Chile, Haiti, etc.) e nos novos ventos eleitorais que sopram da Argentina e, possivelmente, no Uruguai a esperança de alternativas mais à esquerda se apresentarem também no Brasil.

Evidente que o cenário latino-americano interfere nos acontecimentos no Brasil, mas é necessário avaliar de que forma isto se dá. A derrubada de uma presidente eleita por meio de um casuísmo escandaloso não produziu uma reação à altura. Um governo ilegítimo impõe uma reforma trabalhista com efeitos dramáticos para a classe trabalhadora, e não encontrou resistência significativa. Por fim, a reforma da previdência foi aprovada, como disse um amigo, sem que se riscasse um único fósforo, nem sequer para acender uma vela para chorar pela morte de um dos direitos mais fundamentais.

Quando se pergunta “quando a revolta que explodiu no Chile, explodirá no Brasil?”, me assoma um misto de pena e espanto. Essa explosão já aconteceu… em 2013. E foi enfrentada de forma dura e brutal pelos chamados governos progressistas de plantão. Um processo contraditório e heterogêneo, mas que trazia como uma de suas vertentes um questionamento aos ajustes neoliberais e à política de austeridade, uma reação às condições de vida dos esquecidos, contra a violência policial cujos exemplos mais gritantes é o assassinato de Amarildo e o corpo de Claudia arrastado por uma viatura, mas aos quais se deve somar as chacinas quase diárias nas periferias e favelas, as remoções supostamente para os eventos esportivos, a destruição da natureza, o leilão do petróleo no campo de Libra, o ataque aos direitos dos trabalhadores, a prioridade do agronegócio e farra orçamentária que sangra o fundo público em nome do apetite insaciável do capital financeiro.

A resposta do governo Dilma e do seu infame ministro da Justiça, senhor José Eduardo Cardoso, foi a Portaria Normativa de dezembro de 2013 que iguala manifestantes a quadrilhas criminosas, que colocava em prática as chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem com as consequências conhecidas, seguida pela Lei Antiterrorismo de 16 de março de 2016. O governo preferiu conciliar com seus algozes e, assim, selou seu destino. Desarmadas de sua força autônoma e sua direção de luta, as massas se tornam presas da manipulação e da extrema direita, o resultado nós conhecemos.

É neste contexto que devemos entender a saída da prisão do ex-presidente Lula. É perfeitamente compreensível que o centro esquerda tenha se empenhado em sua defesa e estão todos de parabéns pela campanha em defesa de sua liderança. Todos nós nos solidarizamos contra a farsa jurídica que o condenou e sabemos, como ficou provado pelas denúncias do The Intercept – Brasil, que a intenção maior sempre foi evitar que Lula participasse das eleições, porque, provavelmente, as ganharia.

Mas não foi a campanha Lula Livre que o tirou da prisão, foi o STF, a mesma instituição que legitimou a farsa que o prendeu e que o manteve preso ao arrepio da lei e da simples observância da constituição. A pergunta é: por que agora agiu de forma diferente? Não posso aceitar o discurso que o STF agiu em defesa da Constituição, restabeleceu a justiça e garantiu a mítico e fantasioso Estado Democrático de Direito, pelo simples motivo que esta mesma instituição foi fundamental para (1) ungir de legitimidade jurídica uma farsa casuística que levou ao golpe de 2016 (2) acompanhar com inoperância bovinamente subserviente as hienas do Congresso descarnado a constituição dos direitos mais fundamentais (3) recusou todos os Habeas Corpus impetrados pela defesa do presidente Lula, inclusive com a palhaçada do voto da ministra Rosa Weber que argumentou no mérito a favor e o recusou por que a maioria assim se pronunciou, inovando ao criar o “centralismo democrático” jurídico na Suprema Corte.

Mais provável é que esta corja de golpistas, coniventes e responsáveis pela destruição do país, agora se movem em outra direção e ela está longe de ser a defesa do país. O STF está, como mostrou a votação, dividido entre os dois primeiros cenários descritos, isto é, deixar tudo como esta (até porque esteve o tempo todo comprometido com o golpe e o arbítrio) ou apostar na operação que visa eliminar a peça incomoda. Não tenho dúvidas que, se o fascismo vencer, encontrará entre os nobres ministros quem encontre justificativa jurídica para legitimar o crime, varrendo para baixo de suas togas toda a sujeira e o sangue, como fizeram em 1964.

Lula saiu da cadeia, e isso é bom. Mas sua saída é um efeito colateral de um plano dos mesmos que os colocaram lá e que zelarão para que seus direitos políticos sigam cassados e que, se necessário, ele volte para o cárcere quando as condições jurídicas forem satisfeitas, uma vez que as condenações nas primeiras instâncias ainda estão valendo.

O velho Maquiavel já dizia que nada é mais instável do que o poder que não se apoia na própria força e, assim, depende, da boa vontade dos outros. Tanto o descontentamento das massas, como a pregação de oposição de Lula, se não forem partes de uma alternativa realmente popular, podem acabar servindo aos propósitos de outras forças que tramam em segredo seus planos.

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas. Na TV Boitempo, apresenta o Café Bolchevique, um encontro mensal para discutir conceitos-chave da tradição marxista a partir de reflexões sobre a conjuntura.

Marta Harnecker (1937 - Chile / 2019 - Canadá)




A esquerda latino-americana perdeu sua "repórter de base" e "educadora popular". Chilena de nascimento, revolucionária internacionalista na plenitude de sua vida, Marta Harnecker presenciou os principais acontecimentos da luta dos povos latino-americanos da segunda metade do século XX. Contou-nos didática, política e pedagogicamente o desenrolar das lutas da Revolução Cubana, da Revolução Chilena, da Revolução Nicaraguense, da Revolução Venezuelana, da Revolução Boliviana... as narrativas político-pedagógicas das lutas dos povos de Nuestra America.
Que Marta continue nos inspirando sobre a importância da formação da nossa militância. Por seu legado revolucionário prático e teórico, ela seguirá  presente na nossa luta contribuindo e nos inspirando para a construção de uma sociedade justa e livre.


Fonte :Editora Expressão Popular


THE INDIGO GLASS IN THE GRASS



____________________________________

(Wallace Stevens)

Which is real -
This bottle of indigo glass in the grass,
Or the bench with the pot of geraniums, the
[stained mattress and the washed overalls
[drying in the sun?
Which of these truly contains the world?

Neither one, nor the two together.
               

O VIDRO ÍNDIGO DA RELVA

Qual é a real -
Esta garrafa de vidro índigo na relva,
Ou o banco com vaso de gerânios, o
colchão
manchado e o macacão lavado secando ao
sol?
Qual destes contém na verdade o mundo?

Nenhum dos dois, nem os dois juntos.

Trad : Régis Bonvicino, 

El mendigo




Mi vida es muy sencilla:
Trabajo en un café

Cada noche en un café distinto

Cuando llega la oscuridad
y se van encendiendo las lámparas
me siento en el rincón más oscuro
en una mesa pequeña donde nadie pueda verme

(pretensión ociosa:
A nosotros nadie nos ve:
Heredamos el paciente prodigio de pasar totalmente desapercibidos)

¿Qué hago?

Como ya les dije, lo que hago es muy sencillo

                                   Escucho

Y puedo asegurarles que yo sé escuchar

Esto al menos nadie me lo podrá negar

Lo escucho todo, hasta los silencios

               Retengo todas las palabras que se dijeron
La que nunca pudieron decirse

Y aquellas que se dicen de todas las maneras posibles que una palabra se puede decir

Desgraciadamente tengo mala memoria

   y nunca recuerdo lo que quisieron decir

Quizás porque ya he renunciado a entender

                     O simplemente
Porque me lo sé ya todo de memoria
No me las doy de omnipotente ni de ubicuo

                     Mi percepción va más
que el rebote del último sonido
entre los vasos y las porcelanas

Mi trabajo es muy simple

                             Pero hay que saber esperar
Y esto sí confieso que me resulta extenuante

Aunque ya no me importa

                         Simplemente me quedo allí
hasta que la última mesa haya quedado vacía

                                                           el último mantel recogido
y las lámparas apagadas para siempre

Entonces me levanto

                     Y comienzo a barrer todas las palabras
que han caído desparramadas por el suelo

Algunas son fuertes y se resisten

                         otras se desarman en letras sueltas

Y hay veces cuando el azar provoca las combinaciones más insospechadas

Pero ya sé que en el fondo dicen nada
tengo mi conciencia tranquila
cuando al piso lo he dejado limpio como una página en blanco

Pero tampoco crean que soy perfecto

                     En realidad no lo soy

¿Cómo lo podríamos ser
si vivimos sólo del aire y la sangre de nuestros semejantes?
Como irremediablemente nadie me mira
cada noche escojo una de aquellas palabras

                                      La recojo con ternura

Con el cuidado de quien siempre supo
que cada simple combinación de letras y palabras

       alguna vez

                                      -digo: alguna vez-

                  prometieron algo

A cada palabra que recojo
la cubro con la palma de mis manos entreabiertas
para que no se enfríe y deje de vivir

A veces despierto feliz
sintiéndola a mi lado

O despierto llorando porque ya no está allí

Pero otras,
las más

ya se han deshecho con la humedad de mi piel
y dejan como llagas viscosas en mi cuerpo

Heridas que tardarán en cerrarse
por lo menos todavía

Hasta que a la noche siguiente

vuelva a sentarme en la mesa más oscura
de cualquier otro café

    Y haga lo único que sé hacer:

           Escuchar

                             Escuchar en silencio

                                                                 Y esperar.

Enrique Giordano©

Magíster y doctor en Literatura de la Universidad de Pensylvania, es académico de Literatura Hispana en la Universidad de Cincinatti, Ohio por once años fue profesor en el Barney College de la Universidad de Columbia en Nueva York. Fue en este período que escribió “El mapa de Amsterdam”, libro que tras 25 años, la editorial Cuarto Propio reeditó y presentó recientemente en Chile.

Nació en Concepción y eso lo llevó a ingresar a la Universidad de Concepción a estudiar literatura. Aunque la pedagogía no era lo que le atraía, con el correr de los años se ha dedicado y ganado la vida con ella, aunque la academia es absorbente y quita mucho tiempo para escribir. Cuando estudió, el departamento de Español vivía un momento espléndido con profesores como Gonzalo Rojas, Jaime Concha, Juan Zapata y otros.

Publicaciones: Poesía y Poética de Gonzalo Rojas, 1987.  Manuel Puig: montaje y alteridad del sujeto (coautor), 1986.  El mapa de Ámsterdam, poemas originales, 1984.  La teatralización de la obra dramática: De Florencio Sánchez a Roberto Arlt, 1982. Artículos sobre Borges, Cortázar, García Márquez, Griseda Gámbaro, semiótica del teatro.

Fonte :  Juan Zapato 

Antes de escribir el poema



Antes de escribir el poema,
con el lápiz en la mano
y el silencio hecho palabra,
me pregunto a quién demonios
interesa si este mar
ya no es azul ni si mi vida
de hoy es la que antes era.
Y si es lamento
o violín lo que suena
ahora en mi casa.
O a quién irán estos versos
y quién se aventurará conmigo
buscando esa luz inútil
que conduzca a una salida.
Éste es un viaje
sin más brújula que el viento
ni más compañía

que este miedo y esta noche.

Ana María Navales©

Nació en Zaragoza en cuya Universidad se doctoró en Filosofía y Letras y fue profesora de Literatura Hispanoamericana. Beca March y del Ministerio de Cultura. Fundó la revista de poesía Albaida. Es directora de la revista cultural Turia, y Jefe de la Sección de Creación Literaria del Instituto de Estudios Turolenses. El gobierno de Aragón le concedió en 2001 el primer Premio del Día de las Letras Aragonesas. Entre sus libros de poesía se encuentran Del fuego secreto (premio San Jorge), Mester de amor (accésit del Adonais), Nueva, vieja estancia (premio José Luis Hidalgo), Los labios de la luna, Los espejos de la palabra, Hallarás otro mar, Mar de fondo (1978-1998), Escrito en el silencio (1999) , Contro le parole ( Contra las palabras), edic. bilingüe español-italiano de Emilio Coco (Bari, 2000), Quel luengo albeggiari , 200, Write the Life (edic trilingüe inglés-español-búlgaro, Sofía, 2002 y Lo que la vida oculta (Málaga, 2004).Como narradora ha publicado libros de relatos como Cuentos de Bloomsbury (Edhasa,1991; Calambur 1999, Calambur 2003), traducido al búlgaro, francés y al inglés; Zacarías, rey (El fantasma de la glorieta, 1992); Tres mujeres (Huerga&Fierro, 1995) Cuentos de las dos orillas (Prames, 2001) y las novelas El regreso de Julieta Always (Bruguera, 1981), La tarde de las gaviotas (Unali, 1981), El Laberinto del quetzal, premio Antonio Camuñas 1984 ( Hiperión, 1985; Calima, l998) y La amante del mandarín (Sial, 2002). Su libro anterior La lady y su abanico. Acercamiento a la literatura femenina del S. XX. (De Virginia Woolf a Mary McCarthy) (Sial Ediciones, 2000), obtuvo el Premio Sial de Ensayo 2000. Premiada en certámenes nacionales e internacionales, traducida a numerosos idiomas, ha sido incluida en diversas antologías poéticas y, entre otras, en las antologías de narrativa española: Cuento español contemporáneo (Cátedra, Letras Hispánicas, 1993); Son cuentos. Antología del relato breve español. 1975-1993. (Espasa-Calpe, Austral, 1993), y Cuentos de este siglo. 30 narradoras españolas contemporáneas (Lumen, Femenino Lumen, 1995). Participa en el volumen colectivo Escritores ante el espejo. Estudio de la creatividad literaria (Lumen, Palabra Crítica, 1997). Ha sido la escritora española invitada al congreso de la literatura femenina hispánica celebrado en Marruecos, Toronto (Canadá), del 2000 y al de Guadalajara (México) 2004.

Fonte : Juan Zapato 

EU TAMBÉM GOSTO DO LULA PORQUE ELE ME FAZ SER UM HOMEM MELHOR.



Algumas pessoas me perguntam: “por que você gosta tanto do Lula?” E eu respondo: ele não me deixa opção.
Eu tenho razões que extrapolam a mera constatação de que se trata do maior líder político da história. Aliás, esse fato é absolutamente irrelevante para descrever minha perplexidade diante deste homem.
Lula é um furo no sistema, é o improvável, o indomesticável, um ser irradiador de sentidos e afetos, o humano demasiado humano, o ente transcendental que lhe acaricia a alma porque lhe projeta a dimensão especular do estranhamento que é pertencer a este mundo, deste jeito e nessas condições.

Seu talento, para mim, não é ser um político ou líder, mas justamente ser um homem simples em toda a sua delicadeza de ser vivente, em sua generosidade, em seu poder de escuta, em seu gestual espontâneo que, nas cifras sutis do discurso, irrompem em nossa desumanidade, estilhaçando-a.

Eu gosto de Lula porque ele me faz ser um homem melhor, faz com que eu me sinta melhor, com que eu deseje ser melhor, com que eu queira produzir o bem para todos em minha volta e para mim mesmo.
Quando beijo o meu filho, quando afago um animal, quando rego minhas plantas, eu penso em Lula, mesmo sem querer. Penso na beleza de se ter um afeto e um vínculo desta dimensão com alguém que não se conecta a mim pelas vias habituais da proximidade física, mas pela linguagem, pela generosidade com o próprio sentido das palavras, pelo carinho e pelo caráter de fazê-las significar em toda a sua potência política e afetiva, como se cada uma delas foss tve dotada da misteriosa humanidade possível que nos resta e que nos toca.
O cárcere político de Lula foi o cárcere subjetivo de todos nós. Quando Lula foi libertado, eu também me libertei – e tenho certeza de que muitos que me leem também se libertaram.
Quando punha a cabeça no travesseiro, todas as noites, eu me perguntava: será que ele está bem? Será que ele tem um bom travesseiro, uma boa coberta, um copo d’água ao lado?
Realmente não estamos falando de um líder político, estamos apenas falando de alguém que amamos, de alguém que nos conquistou amando a todos nós de uma só vez, sem distinção de raça, cor, credo ou mesmo classe.
Torna-se quase irrelevante mencionar que seu discurso histórico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo foi assustadoramente inteligente. Como alguém pode inverter o jogo político de um país inteiro de maneira tão abusada?
Eu sempre defendi uma tese de que a única pessoa com capacidade para enfrentar uma certa emissora de TV neste país era Lula. Confesso que, às vezes, duvidava dessa tese. Alimentava minha autocrítica perguntando: será?
Ontem, essa dúvida foi dissipada. Lula jogou iscas para Globo, Bolsonaro e Moro e os três as morderam com sublime inocência.
Lula simplesmente desafiou o helicóptero da Rede Globo, um lance semiótico que só os gênios máximos da persuasão podem sonhar utilizar. O helicóptero ali, era o signo da covardia, a covardia de uma TV que não se atreve a chegar perto de seu adversário por medo, constrangimento e soberba.
Um helicóptero custa muito dinheiro. Lula enquadrou a Globo como a covarde rica que, depois de tudo, ainda mente para seu público merecidamente sofrido.

A resposta da Globo foi chocante, tanto pela ignorância quanto pelo falso orgulho. A Vênus oxidada acusou o golpe e ficou histérica como Bolsonaro já houvera ficado justamente com ela.
Não vale o desgaste do teclado do meu notebook transcrever a resposta da TV à provocação inteligentíssima de Lula. Falasse do helicóptero, Dona Globo! Em aulas de redação, a gente chamaria este objeto voador de ‘tema principal’, mesmo na sua condição metafórica. A Globo fugiu ao tema e tirou zero.
Com Bolsonaro, foi diferente. Lula deu uma delicada voadora no peito e tatuou em sua testa desnuda a alcunha agora eterna e irrespondível de ‘miliciano’.
A reação de Bolsonaro me faz crer que Lula realmente pode ser de outro planeta: o miliciano ameaçou ficar histérico, mas recuou e disse que “não irá responder”.
Ora, ora, ora, Lula calou a boca de Bolsonaro, apenas isso. Com uma frase. Coisa que nenhuma pessoa neste país, nem Globo, nem STF, nem Forças Armadas tiveram a capacidade de fazer diante do desfile dos horrores que se alastra por intermináveis 11 meses sob o signo da besta.
Moro foi na mesma direção. Mas, pobrezinho, Moro é muito mais solitário que Bolsonaro – ao passo que também tem alguns degraus a mais de educação formal. O que piora tudo. Resultado? Moro quase chorou dizendo “não brinco mais”.
Permitam-me especificar o contexto semântico (que extrapola o significante): Moro disse que “não responde a criminosos, presos ou soltos”. É a típica situação em que o responsável legal pelo ‘menino Sergio’ deveria dar a ele um pirulito ou um sorvete para aplacar a dor da humilhação.
Nenhum destes três entes acuados – Globo, Bolsonaro e Moro – produziram de fato uma resposta a Lula. A primeira passou recibo e os outros dois correram.
E aí, eu pergunto: como não amar Lula?
É um sentimento muito forte, realmente. Para quem gosta de literatura, de arte, de cultura e das complexidades embutidas na sede pelo conhecimento, Lula é simplesmente apaixonante.
É o ourives do sentido, o artesão da palavra, o malandro que faz você tropeçar na própria pretensão de ‘ganhá-lo’.
Eu gosto de Lula pelo que ele é, pelo caráter que ele tem e pela dignidade que ele transpira. Eu gosto de Lula pelo exemplo que ele dá, pela segurança que ele passa e pelo orgulho que ele tem de sua mãe, Dona Lindu, a saber, uma das coisas mais lindas e poderosas que esse mundo de Deus e da linguagem já tiveram a honra de produzir.
Ver e ouvir Lula dizer que sua mãe era analfabeta, que morreu analfabeta e que pelo fato de ela ser analfabeta é que ela pôde lhe ensinar aquilo que jamais se ensina em uma escola, que é o caráter, é uma das experiências éticas mais avassaladoras que uma pessoa digna pode vivenciar.

É por isso que eu gosto de Lula. Não é porque ele foi presidente, não é porque ele é o maior defensor da democracia no mundo, não é porque ele criou o maior partido de esquerda da América Latina, não é porque ele foi chamado de “o cara” pelo Obama, não é porque ele saiu da presidência com 87% de aprovação, não é porque ele tirou 36 milhões de pessoas da fome.
Eu gosto de Lula porque ele é um cidadão humilde, bem-humorado, amoroso, aguerrido e profundamente inteligente e talentoso.
Como eu disse no começo desta lauda: ele não me deixa opção

( texto do Gustavo Conde, mestre em linguística pela Unicamp, editor e colunista do Brasil 247.)

 “Não existe no planeta Terra nenhum país que deu certo, que se desenvolveu, que cresceu economicamente pela ignorância, pelo analfabetismo ou pelo empobrecimento. Todos os países que cresceram investiram muito em educação.”

“A educação não é tarefa de um partido defender. A educação é uma tarefa da sociedade levantar a cabeça. Aqueles que já tiveram a oportunidade de ir para a universidade precisam levantar a cabeça para que esse país não sofra no século XXI o mesmo atraso que ele sofreu no século XX.”

“Um país que não colocar dinheiro em ciência e tecnologia, um país que não colocar dinheiro em pesquisa, não será nunca um país. Será um amontoado de gente sem perspectiva de futuro e sem perspectiva de competir em um mundo cada vez mais competitivo.”

“Esse país só será respeitado se a gente recuperar a nossa auto-estima. Nós temos que gostar do Brasil. Nós éramos respeitados e muito respeitados. E sabe por quê éramos respeitados? Porque a gente aprendeu a se respeitar.”

“A maioria do resultado eleitoral não basta pra você governar um país. É preciso ter capacidade de articulação política, conversar com as pessoas que não votaram em você, que não pertencem ao seu partido político .”

“Eu não fui eleito para me tornar o que eles são, fui eleito para ser quem eu sou. Tenho orgulho de saber viver do outro lado sem esquecer quem eu era.”

“Não troco minha dignidade pela a minha Liberdade.”

Luiz Inácio Lula  da Silva



LIVRES? Diante da decisão correta do STF, é no mínimo curioso que a “grande” imprensa e seus “especialistas” repitam que, segundo números do CNJ, quase 5000 presos podem ser “beneficiados”. Que “benefício” é esse de ser solto depois do reconhecimento de que parte da sua vida (meses, anos) se passou indevidamente dentro de uma cela? Um minuto de prisão indevida é um absurdo, um prejuízo irreparável, para qualquer pessoa. Falar em “benefício” e esquecer desse prejuízo é não apenas impróprio, mas cruel. No caso do presidente Lula, então, a crueldade não para por aí, muito menos se restringe à pessoa dele. O que significa esse “benefício” de soltá-lo agora diante dos 579 dias preso com base numa decisão agora reconhecida como inconstitucional e oriunda de um processo absolutamente viciado pela suspeição do juiz, como o STF também vai reconhecer em breve (ou terá que fazer uma ginástica imensa para dizer que o atual ministro Moro, não apenas pelo que The Intercept vazou, era imparcial na condução dos processos contra Lula, adversário do seu novo chefe)? E qual o peso desse “benefício” para compensar tudo o que foi e tem sido feito neste país por um governo que, para se eleger, precisou da prisão de Lula? Qual o poder curativo desse “benefício” diante dos danos causados à vida pessoal de Lula, que não pode enterrar um dos seus irmãos e foi escoltado pela polícia no enterro de seu neto? Chamar essa soltura tão tardia de “benefício” é uma tentativa de apagar todos os significados da prisão de Lula, para ele e para a democracia brasileira, bem como para as condições de vida do povo, que agora tem que lidar com um governo destruidor. A soltura de Lula, claro, é importante, é justa, é urgente. A decisão do STF, no entanto, será um benefício real se aproveitarmos para reconhecer que tudo o que se fez depois da prisão de Lula – não apenas contra ele, mas contra o país – deve ser revisto, porque a liberdade e a dignidade de que precisamos vai bem além de tudo que o STF garantiu hoje.

Tarso de Melo


Muitas pessoas, jornalistas, políticos, ideólogos, ativistas, acadêmicos e analistas erraram feio ao apontarem que Lula tinha encerrado seu ciclo político e que o Lulismo acabara. Nós sempre apontamos a centralidade e importância ainda maior de Lula no processo político e democrático nacional. Lula sai muito maior do que entrou na farsa da sua prisão política, até a mídia dominante teve que reconhecer. Lula ainda cavalgará suas últimas batalhas políticas e pensamos que serão as mais grandiosas da sua vida e do Brasil nesta década de 2020 ! Muita proteção Lula !
RCO


O ciclo do golpismo autoritário político-judicial no Brasil recebeu ontem decisiva derrota. Os bolsonaristas sentiram o tamanho da derrota e a perda no mando do jogo, um jogo que vinha sendo sempre roubado pelos juízes para eles durante muito tempo. Anos de escancaradas manobras e de pérfida manipulação jurídica com lawfare golpista. As derrotas do complexo político-judicial nesta semana com a recusa da prisão ilegal e arbitrária de Dilma, a decisão constitucional do STF de aplicar a própria CF88, a liberdade de Lula, Dirceu e de outros réus políticos revelam o fim do ciclo de espetacularização oportunista e tirânica do sistema judicial, que foram operações centrais no Golpe de 2016 e nas eleições fraudadas da família miliciana no poder. Este ciclo pode ser marcado bem antes da ilegal operação de condução coercitiva de Lula, em 4 de março de 2016. Na verdade o ciclo começou em 15 de novembro de 2013, em pleno feriado, com os caprichos persecutório-seletivos de Joaquim Barbosa prendendo arbitrariamente figuras nacionais do PT, sem o devido processo legal, o que não teve respaldo popular nas eleições presidenciais de 2014, porém abrindo a porteira autocrático-golpista para oportunistas ainda piores, como a bolha curitibana de operadores e famílias político-judiciais de extrema-direita, responsáveis por administrarem o caminho para os milicianos assaltarem o poder. A liberdade de Lula encerra este ciclo opressivo e despótico em que juizecos se julgavam acima das leis e rituais do campo político. Os bolsonaristas sentiram profundamente o que significa a liberdade de Lula e sabem que se fechou um ciclo prepotente deles. Moro, o antes todo-poderoso dos juízes ladrões, hoje é visto como uma figura patética e subalterna nas intrigas nepótico-palacianas do bolsonarismo, entrando em crise cada vez mais grave. Lula Livre é o resgate da democracia, o entusiasmo da oposição e o principal oponente para o frágil bloco golpista na atual conjuntura.

RCO


Alguém se surpreendeu com o golpe na Bolívia ? Há muito tempo seguia o clássico roteiro dos golpes nas republiquetas bananeiras, da guerra fria do passado, de Gene Sharp e das guerras híbridas da contemporaneidade. Pobre América Latina condenada por sua classe dominante, elites e instituições de segurança/ judiciais ao seu repugnante atraso, imensa desigualdade social e grande vergonha internacional. Evo pensou que seria diferente na Bolívia ? Foi o único chefe de Estado de "esquerda" presente na posse do Bolsonaro e ainda confiou na central de golpes da OEA e da CIA ?
A situação na Bolívia já é de guerra civil. Diversas regiões e pontos do país completamente fora de qualquer controle. Linhas sectárias aprofundadas e divididas em termos político-ideológicos e etno-geográficos. Massas populares indígenas em estado de revolta. Universidades ocupadas e revoltadas. Delegacias e policiais acuados em vários pontos. Unidades militares sem comando central e descoordenadas. Cenas de vandalismo e saques se ampliando. Tiroteios e mortes se generalizando. O próprio candidato golpista de oposição, Carlos Mesa, em pânico, com notícias de uma turba se dirigindo para incendiar a casa dele agora no começo da noite. País ainda politicamente acéfalo. O caos se alastra com a chegada da noite. A guerra civil pode ser rápida ou prolongada. O plano dos golpistas de um rápido sucesso fracassou.


Ricardo Costa de Oliveira