Algumas pessoas me perguntam: “por que você gosta tanto do
Lula?” E eu respondo: ele não me deixa opção.
Eu tenho razões que extrapolam a mera constatação de que se
trata do maior líder político da história. Aliás, esse fato é absolutamente
irrelevante para descrever minha perplexidade diante deste homem.
Lula é um furo no sistema, é o improvável, o indomesticável,
um ser irradiador de sentidos e afetos, o humano demasiado humano, o ente
transcendental que lhe acaricia a alma porque lhe projeta a dimensão especular
do estranhamento que é pertencer a este mundo, deste jeito e nessas condições.
Seu talento, para mim, não é ser um político ou líder, mas
justamente ser um homem simples em toda a sua delicadeza de ser vivente, em sua
generosidade, em seu poder de escuta, em seu gestual espontâneo que, nas cifras
sutis do discurso, irrompem em nossa desumanidade, estilhaçando-a.
Eu gosto de Lula porque ele me faz ser um homem melhor, faz
com que eu me sinta melhor, com que eu deseje ser melhor, com que eu queira
produzir o bem para todos em minha volta e para mim mesmo.
Quando beijo o meu filho, quando afago um animal, quando
rego minhas plantas, eu penso em Lula, mesmo sem querer. Penso na beleza de se
ter um afeto e um vínculo desta dimensão com alguém que não se conecta a mim
pelas vias habituais da proximidade física, mas pela linguagem, pela
generosidade com o próprio sentido das palavras, pelo carinho e pelo caráter de
fazê-las significar em toda a sua potência política e afetiva, como se cada uma
delas foss tve dotada da misteriosa humanidade possível que nos resta e que nos
toca.
O cárcere político de Lula foi o cárcere subjetivo de todos
nós. Quando Lula foi libertado, eu também me libertei – e tenho certeza de que
muitos que me leem também se libertaram.
Quando punha a cabeça no travesseiro, todas as noites, eu me
perguntava: será que ele está bem? Será que ele tem um bom travesseiro, uma boa
coberta, um copo d’água ao lado?
Realmente não estamos falando de um líder político, estamos
apenas falando de alguém que amamos, de alguém que nos conquistou amando a
todos nós de uma só vez, sem distinção de raça, cor, credo ou mesmo classe.
Torna-se quase irrelevante mencionar que seu discurso
histórico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo foi
assustadoramente inteligente. Como alguém pode inverter o jogo político de um
país inteiro de maneira tão abusada?
Eu sempre defendi uma tese de que a única pessoa com
capacidade para enfrentar uma certa emissora de TV neste país era Lula.
Confesso que, às vezes, duvidava dessa tese. Alimentava minha autocrítica
perguntando: será?
Ontem, essa dúvida foi dissipada. Lula jogou iscas para
Globo, Bolsonaro e Moro e os três as morderam com sublime inocência.
Lula simplesmente desafiou o helicóptero da Rede Globo, um
lance semiótico que só os gênios máximos da persuasão podem sonhar utilizar. O
helicóptero ali, era o signo da covardia, a covardia de uma TV que não se
atreve a chegar perto de seu adversário por medo, constrangimento e soberba.
Um helicóptero custa muito dinheiro. Lula enquadrou a Globo
como a covarde rica que, depois de tudo, ainda mente para seu público
merecidamente sofrido.
A resposta da Globo foi chocante, tanto pela ignorância
quanto pelo falso orgulho. A Vênus oxidada acusou o golpe e ficou histérica
como Bolsonaro já houvera ficado justamente com ela.
Não vale o desgaste do teclado do meu notebook transcrever a
resposta da TV à provocação inteligentíssima de Lula. Falasse do helicóptero,
Dona Globo! Em aulas de redação, a gente chamaria este objeto voador de ‘tema
principal’, mesmo na sua condição metafórica. A Globo fugiu ao tema e tirou
zero.
Com Bolsonaro, foi diferente. Lula deu uma delicada voadora
no peito e tatuou em sua testa desnuda a alcunha agora eterna e irrespondível
de ‘miliciano’.
A reação de Bolsonaro me faz crer que Lula realmente pode
ser de outro planeta: o miliciano ameaçou ficar histérico, mas recuou e disse
que “não irá responder”.
Ora, ora, ora, Lula calou a boca de Bolsonaro, apenas isso.
Com uma frase. Coisa que nenhuma pessoa neste país, nem Globo, nem STF, nem
Forças Armadas tiveram a capacidade de fazer diante do desfile dos horrores que
se alastra por intermináveis 11 meses sob o signo da besta.
Moro foi na mesma direção. Mas, pobrezinho, Moro é muito
mais solitário que Bolsonaro – ao passo que também tem alguns degraus a mais de
educação formal. O que piora tudo. Resultado? Moro quase chorou dizendo “não
brinco mais”.
Permitam-me especificar o contexto semântico (que extrapola
o significante): Moro disse que “não responde a criminosos, presos ou soltos”.
É a típica situação em que o responsável legal pelo ‘menino Sergio’ deveria dar
a ele um pirulito ou um sorvete para aplacar a dor da humilhação.
Nenhum destes três entes acuados – Globo, Bolsonaro e Moro –
produziram de fato uma resposta a Lula. A primeira passou recibo e os outros
dois correram.
E aí, eu pergunto: como não amar Lula?
É um sentimento muito forte, realmente. Para quem gosta de
literatura, de arte, de cultura e das complexidades embutidas na sede pelo
conhecimento, Lula é simplesmente apaixonante.
É o ourives do sentido, o artesão da palavra, o malandro que
faz você tropeçar na própria pretensão de ‘ganhá-lo’.
Eu gosto de Lula pelo que ele é, pelo caráter que ele tem e
pela dignidade que ele transpira. Eu gosto de Lula pelo exemplo que ele dá,
pela segurança que ele passa e pelo orgulho que ele tem de sua mãe, Dona Lindu,
a saber, uma das coisas mais lindas e poderosas que esse mundo de Deus e da
linguagem já tiveram a honra de produzir.
Ver e ouvir Lula dizer que sua mãe era analfabeta, que
morreu analfabeta e que pelo fato de ela ser analfabeta é que ela pôde lhe
ensinar aquilo que jamais se ensina em uma escola, que é o caráter, é uma das
experiências éticas mais avassaladoras que uma pessoa digna pode vivenciar.
É por isso que eu gosto de Lula. Não é porque ele foi
presidente, não é porque ele é o maior defensor da democracia no mundo, não é
porque ele criou o maior partido de esquerda da América Latina, não é porque
ele foi chamado de “o cara” pelo Obama, não é porque ele saiu da presidência
com 87% de aprovação, não é porque ele tirou 36 milhões de pessoas da fome.
Eu gosto de Lula porque ele é um cidadão humilde,
bem-humorado, amoroso, aguerrido e profundamente inteligente e talentoso.
Como eu disse no começo desta lauda: ele não me deixa opção
Nenhum comentário:
Postar um comentário