terça-feira, 31 de agosto de 2010
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
Dante Milano
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.
Dante Milano
O BARULHO DO MAR
Na tarde de domingo, volto ao cemitério velho de Maceió
onde os meus mortos jamais terminam de morrer
de suas mortes tuberculosas e cancerosas
que atravessam a maresia e as constelações
com as suas tosses e gemidos e imprecações
e escarros escuros
e em silêncio os intimo a voltar a esta vida
em que desde a infância eles viviam lentamente
com a amargura dos dias longos colada às suas existências monótonas
e o medo de morrer dos que assistem ao cair da tarde
quando, após a chuva, as tanajuras se espalham
no chão maternal de Alagoas e não podem mais voar.
Digo aos meus mortos: Levantai-vos, voltai a este dia inacabado
que precisa de vós, de vossa tosse persistente e de vossos gestos
enfadados e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió. Retornai aos sonhos insípidos
e às janelas abertas sobre o mormaço.
Na tarde de domingo, entre os mausoléus
que parecem suspensos pelo vento
no ar azul
o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão.
Não adianta chamá-los. No lugar em que estão, não há retorno.
Apenas nomes em lápides. Apenas nomes. E o barulho do mar.
© 2009, Lêdo Ivo
From: La Aldea de Sal
Publisher: Calambur, Madrid, 2009
onde os meus mortos jamais terminam de morrer
de suas mortes tuberculosas e cancerosas
que atravessam a maresia e as constelações
com as suas tosses e gemidos e imprecações
e escarros escuros
e em silêncio os intimo a voltar a esta vida
em que desde a infância eles viviam lentamente
com a amargura dos dias longos colada às suas existências monótonas
e o medo de morrer dos que assistem ao cair da tarde
quando, após a chuva, as tanajuras se espalham
no chão maternal de Alagoas e não podem mais voar.
Digo aos meus mortos: Levantai-vos, voltai a este dia inacabado
que precisa de vós, de vossa tosse persistente e de vossos gestos
enfadados e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió. Retornai aos sonhos insípidos
e às janelas abertas sobre o mormaço.
Na tarde de domingo, entre os mausoléus
que parecem suspensos pelo vento
no ar azul
o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão.
Não adianta chamá-los. No lugar em que estão, não há retorno.
Apenas nomes em lápides. Apenas nomes. E o barulho do mar.
© 2009, Lêdo Ivo
From: La Aldea de Sal
Publisher: Calambur, Madrid, 2009
LA INFECCIÓN
es más grande que la tristeza; lame los parietales torturados, entra en los dormitorios del sudor y el láudano y luego tiembla como un ala fría: es la humedad de los agonizantes.
Viene despacio la paloma impura, viene a los vasos llenos de sombra
y la ceniza capilar se extiende sobre vestigios de mercurio y llanto.
La lente anuncia la mendicidad pero su luz procede del abismo. Ante las córneas abrasadas penden los hilos del silencio. Luego
las desapariciones bajan al corazón.
© 2005, António Gamoneda
From: Libro del frío
Publisher: Uitgeverij P, Leuven, 2005
Viene despacio la paloma impura, viene a los vasos llenos de sombra
y la ceniza capilar se extiende sobre vestigios de mercurio y llanto.
La lente anuncia la mendicidad pero su luz procede del abismo. Ante las córneas abrasadas penden los hilos del silencio. Luego
las desapariciones bajan al corazón.
© 2005, António Gamoneda
From: Libro del frío
Publisher: Uitgeverij P, Leuven, 2005
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