Com prefácio assinado por José Louzeiro e nota de orelha
escrita por Olga Savary, obra traz como pano de fundo polêmico projeto da Cia.
Ford Motors.
Registros e detalhes sobre uma marcante odisséia vivida pela
Amazônia vão aportar em solo europeu graças à literatura. Emoldurado por
referências sobre um dos mais polêmicos projetos industriais já realizados na
História recente, o romance "Velas na Tapera", do escritor Carlos
Correia Santos, será lançado em Lisboa no próximo dia 06 de junho em um recital
litero-musical promovido pela FNAC Chiado. O evento promete ser uma fusão
cultural que contará com uma mostra de música brasileira e amazônica a cargo
dos artistas Fercy Nery (na voz e violão) e Attila Argay (na bateria). A
programação incluirá um bate-papo com o autor, além da sessão de autógrafos.
Resultado de seis anos de pesquisa, "Velas na
Tapera" tem como pano de fundo a colossal história de Fordlândia, núcleo
urbano erguido pela Cia Ford nos anos 20, em plena selva amazônica, para
produção de látex destinado à fabricação de pneus que seriam utilizados pela
poderosa empresa automobilística. O projeto acabou abandonado depois que a
plantação de seringueiras foi atacada por uma praga. É pelo cenário da
abandonada cidade americana, em meio ao ermo da mata, que transitam os
personagens da narrativa. Em especial, Rita Flor.
Rita perde sua filha de seis anos. Após um misterioso
incêndio em sua tapera, ela acredita que sua menina virou uma milagreira e
decide construir uma capela em sua homenagem. A jovem não tem dinheiro para
cumprir seu intento. O único caminho que lhe resta é prostituir-se. O sagrado e
o profano deitam-se na mesma cama. Em
meio ao vazio e ao desencanto que transformam Forlândia numa vila
fantasmagórica, Rita vende seu corpo para santificar a filha.
PRÊMIO E AVAL
"Velas na Tapera" venceu em 2008 o Prêmio Dalcídio
Jurandir, promovido pela Fundação Tancredo Neves (FCPTN), uma das mais
importantes entidades culturais da região amazônica. A obra tem prefácio
assinado pelo romancista José Louzeiro (autor de clássicos da literatura
brasileira, como Pixote e Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia) e orelha
assinada por Olga Savary (uma das mais importantes poetas brasileiras,
considerada a introdutora do hai-kai nas letras nacionais.
"Sinto que é uma
honra em todos os sentidos poder lançar esse trabalho em Portugal. Primeiro
porque consigo provar que, mesmo sem a cobertura de mercado de uma grande
editora, é possível fazer circular a produção literária. O romance chegou aos
leitores graças a um prêmio. Foi editado por uma fundação amazônica e, ainda
assim, está trilhando um caminho sólido", ressalta Correia. E ele
complementa: "Essa possibilidade de intercâmbio também é sempre
fascinante. Para quem cria narrativas em língua portuguesa é uma experiência
emocionante poder levar seus ditos ao país berço do idioma com o qual
labuta".
O AUTOR
Poeta, contista, cronista, dramaturgo, roteirista e
romancista, Carlos Correia Santos tem feito da diversidade uma grande marca de
sua carreira. É escritor vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir 2008, na
categoria romance, com a obra "Velas na Tapera", concurso de vulto
nacional criado para celebrar o centenário do romancista Dalcídio Jurandir. É
autor do premiado livro de poemas "O Baile dos Versos", obra que
ganhou especial saudação da Academia Brasileira de Letras, em 1999. Também são
de sua autoria as obras "Poeticário" (poemas), "No Último Desejo
a Carne é Fria" (coletânea de contos), "Nu Nery" (teatro), Ópera
Profano (teatro / Prêmio Cidade de Manaus) e "Batista" (teatro).
Como escritor na área de artes cênicas, coleciona
importantes láureas nacionais, como o Prêmio Funarte de Dramaturgia por três
anos consecutivos (2003, 2004 e 2005), o Prêmio Funarte Petrobras de Fomento ao
Teatro (2005), o Prêmio Funarte Petrobras de Circulação Nacional (2006) e o
Edital Seleção Brasil em Cena do Centro Cultural Banco do Brasil.
Incluídos no Catálogo da Dramaturgia Brasileira da renomada
autora Maria Helena Kühner (iniciativa detentora do Prêmio Shell), seus textos
teatrais já ganharam diversas montagens e já foram apresentados nas cidades
brasileiras de Belém, São Luís, Natal, Recife, Camaçari, Piracicaba, Curitiba,
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Suas peças já foram traduzidas para o francês e espanhol.
Importantes artistas brasileiros, como Stella Miranda (que interpretou a
síndica do humorístico "Toma La, Dá Cá", de Miguel Falabella, exibido
na TV Globo), já assinaram direção de suas obras.
Em 2009, foi o autor vencedor da categoria dramaturgia do
III Concurso Literatura para Todos, promovido pelo Ministério da Educação. O
texto premiado chama-se "Não Conte com o Numero Um No Reino de
Numesmópolis". No cinema, foi agraciado com o Prêmio do Edital Curta
Criança do Ministério da Cultura. Assinou a seção Contando Um Conto, no jornal
O Liberal (um dos maiores da região Norte) e Portal ORM. É colaborador, com
seus contos, do jornal O Estado do Acre e dos sites BV News (Roraima), Amapá
Digital (Amapá), Manaus On Line (Manaus), Madeira On Line (Rondônia) e Timor On
Line (Timor Leste).
TRECHOS DO PREFÁCIO DE VELAS NA TAPERA
PERSONAGEM EMBLEMÁTICA
José Louzeiro*
"(...) Em boa hora, o nome do injustiçado Dalcídio vira
prêmio literário em Belém, Pará, e o vencedor é o talentoso Carlos Correia
Santos - "Velas na Tapera" - que prima pela criatividade, e eu até
diria, pela singularidade na maneira de expressar-se.
Isso faz com que este "Velas na Tapera" seja uma
obra cativante e originalíssima. O autor brinca com as frases sincopadas e a
elas dá espírito novo, através de sugestivas e oportunas expressões
metafóricas. A par desses recursos, de certa maneira cultivados por Guimarães
Rosa, há que se destacar a preocupação do autor com a questão social, coisa
essa imanente em todas as obras de Dalcídio.
A personagem trabalhada, dramaticamente por Carlos Correia é
Rita Flor que, com suas vestes pretas, transforma-se numa espécie de estandarte
vivo do sofrimento e da desesperança; da mulher diante de seus problemas
pessoais, mas funcionando como figura emblemática neste livro que é a
narrativa, também, do desastre de uma grande aventura industrial - a Fordlândia
(Companhia Henry Ford Motores e Cia.) - que se instala em plena selva
amazônica, mas pouco depois sobrevém a desilusão: o projeto naufraga no mar de
folhas de todos os verdes, os prédios tornam-se taperas, as máquinas são
esquecidas no matagal, como a pedir socorro pelo abandono a que foram
entregues.
Mas ao autor, experiente teatrólogo, não basta contar a
história do naufrágio do ambicioso projeto industrial numa região da mais
absoluta carência; ele se esmera na técnica do dizer, do inventar,
literariamente, coisa essa que o coloca no plano mais alto que um escritor
poderia aspirar. Claro está que neste "Velas na Tapera" há muitos e
bem traçados personagens, mas a figura que transcende é a de Rita Flor, forte e decidida como certas
personagens da obra de Bertolt Brecht.
O enterro que Rita faz da filha equivale, nas entrelinhas,
ao verdadeiro e definitivo funeral (ou pá de cal?...) do projeto
norte-americano que se tornou esperança de vida para uma comunidade inteira, na
floresta que guarda tanto viço e riquezas a serem descobertas.
Neste "Velas na Tapera", Rita me faz lembrar, de
certa forma, "A Alma Boa de Setsuan" (Brecht), pois ela é, na
verdade, uma "parábola teatral," ao mesmo tempo em que pode ser o
espírito da mata, da dor materializada no pólen das flores, da decadência, das
malárias e pesadelos, dos que sonharam e acordaram perdedores, tremendo no frio
da desesperança.
Com este primeiro romance, se Carlos Correia já era
considerado versátil teatrólogo, agora estréia na condição de ficcionista que
prima pelas inovações e capacidade narrativa. Depois de sepultar a filha
Saninha, Rita "se deitaria para sempre sobre a solidão", pois ela
passa a ser a personificação do que, popularmente, chamamos de "alma
penada", sujeita a chuvas e trovoadas.
O autor traça de tal forma o desenho desta personagem que
sua projeção estende-se sobre a narrativa, torna-se absoluta e por que não
dizer, chocante, surpreendente, pois é clara a intenção do autor em
revolucionar as velhas formas "do dizer e do sentir" no contar de uma
história.
"Velas na Tapera" é o que se pode chamar de
realismo mágico a envolver a pequena comunidade marcada pela ausência de
caminhos. Apenas Rita trilha as picadas da ausência, na louca tentativa de
resgatar Saninha, materialização da saudade, do que se foi, não é mais. Menos
para Rita. Curioso: essa metáfora, criada com maestria pelo ficcionista,
envolve todos os habitantes das taperas, inconscientes da realidade que é uma
espécie de rio sem começo e sem fim.
Somente Rita Flor, com as pegadas que deixa pelos caminhos
fundos, pulsa como sendo a dor e a oculta paixão de certos homens, que sabem
não serem correspondidos, pois o coração de Rita foi sepultado com o corpo de
Saninha.
No desvario dela própria e no dos outros é que Rita encontra
forças para manter-se viva no seu "mudo prantear". Mas na visão
estreita dos vizinhos ela é apenas a desmemoriada, que tudo perdeu - o marido,
a casa incendiada - e, agora, vive das luzes que recebe da filha sepultada, mas
que, para ela, mantém-se "vela acesa" ou sonho que não se deixa
mesclar pelas cores soturnas do seu desafiador existir.
No mundo especial em que Rita transita, além das folhas
verdes da floresta, há velas acesas a iluminar sua passagem. Pena que ela já tivesse
"um ver que não via nada", nem seus ouvidos registravam os
"sussurros do mato" e muito menos os "cochichos de
reentrâncias".
As dores transformaram Rita Flor em assombração no
inconsciente dos humilhados e ofendidos. Com este livro, Carlos Correia
demonstra ser um grande conhecedor do poder das metáforas e de como utilizá-las
com sutileza e sabedoria.
* Um dos mais importantes nomes das letras nacionais, José
Louzeiro é autor de 40 livros e criador, no Brasil, do gênero intitulado
romance-reportagem. Atuou em célebres veículos de comunicação, como
"Última Hora", "Correio da Manhã" e Revista Manchete. No
cinema já assinou, como roteirista, dez longas-metragens, dos quais pelo menos
três se tornaram populares: "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia",
"Pixote" e "O Homem da Capa Preta". Lançou pela Editora
Francisco Alves o estudo biográfico intitulado O Anjo da Fidelidade, sobre
Gregório Fortunato, o "anjo negro" de Getúlio Vargas. Em 2001, pela
Editora do Brasil: "Isto não deu no jornal" (memórias de sua passagem
por cinco jornais cariocas). E em 2002, "Ana Nery, a brasileira que venceu
a guerra" (Editora Mondrian): biografia da heroína baiana, patrona dos en
fermeiros brasileiros. O trabalho foi adaptado para a televisão, tendo Marília
Pêra como protagonista. Ainda na TV, foi o autor de novelas como "Corpo
Santo".
ORELHA DE VELAS NA TAPERA
A VELA ACESA POR SAVARY
Olga Savary*
Da complexidade do ser, da própria solidão e solidariedade
humana, da sua simplicidade e estranheza, são realizados os textos de Carlos
Correia Santos, seja na poesia, nos contos, no teatro ou no romance. Sua
dedicação à cultura e à Arte faz deste autor paraense, deste grande brasileiro,
um candidato constante às premiações importantes nas áreas citadas: poesia,
ficção, peças teatrais.
Assisti com orgulho a uma premiação obtida por ele no Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, em 2006. Carlos Correia
Santos destacou-se entre dezenas e dezenas de concorrentes. Seu talento
impulsionou-o a sobrepujar os demais candidatos. Uma platéia seleta e atenta
assistia a apresentação do trabalho de Correia e tinha o direito de votar no
melhor participante.
A literatura e a arte foram os meios de expressão eleitos
por Carlos Correia Santos, que bem poderia pertencer à Academia Paraense de
Letras. Seria uma honra para a APL tê-lo junto aos Acadêmicos, que só teriam a
ganhar.
Além de seus méritos pessoais, no trabalho em seus livros,
em tudo o que faz, Carlos Correia Santos é um guerreiro, um lutador pela
cultura geral e pela cultura paraense em particular, sem falar na sua
esplêndida atitude como pessoa, em sua admirável postura diante da vida e dos
outros.
Pela extrema elegância e gentileza, pela classe e nobreza
com que se conduz em tudo, Carlos Correia Santos é um príncipe. Orgulho-me de
ter o privilégio de ser sua fraterna amiga.
* Poeta, contista, tradutora e organizadora de antologias.
Artista nacionalmente aclamada, é uma das introdutoras do hai-kai no Brasil.