quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Poemas de Olavo Bilac




Olavo Bilac (Rio de Janeiro RJ, 1865-1918) começou os cursos de Medicina, no Rio, e Direito, em São Paulo, mas não chegou a concluir nenhuma das faculdades. Em 1884 seu soneto Nero foi publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. Em 1887 iniciou carreira de jornalista literário e, em 1888, teve publicado seu primeiro livro, Poesias. Nos anos seguintes, publicaria crônicas, conferências literárias, discursos, livros infantis e didáticos, entre outros. Republicano e nacionalista, escreveu a letra do Hino à Bandeira e fez oposição ao governo de Floriano Peixoto. Foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1896. Em 1907, foi o primeiro a ser eleito “príncipe dos poetas brasileiros”, pela revista Fon-Fon. De 1915 a 1917, fez campanha cívica nacional pelo serviço militar obrigatório e pela instrução primária. Destaca-se em sua obra poética o livro póstumo Tarde (1919). Parte das crônicas que escreveu em mais de 20 anos de jornalismo está reunida em livros, entre os quais Vossa Insolência (1996). Bilac, autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, é considerado o mais importante de nossos poetas parnasianos. (Fonte)

<><><><> 

Poemas:

-=-=-

A velhice

O neto:

Vovó, por que não tem dentes?

Por que anda rezando só.

E treme, como os doentes

Quando têm febre, vovó?

Por que é branco o seu cabelo?

Por que se apóia a um bordão?

Vovó, porque, como o gelo,

É tão fria a sua mão?

Por que é tão triste o seu rosto?

Tão trêmula a sua voz?

Vovó, qual é seu desgosto?

Por que não ri como nós?

A Avó:

Meu neto, que és meu encanto,

Tu acabas de nascer...

E eu, tenho vivido tanto

Que estou farta de viver!

Os anos, que vão passando,

Vão nos matando sem dó:

Só tu consegues, falando,

Dar-me alegria, tu só!

O teu sorriso, criança,

Cai sobre os martírios meus,

Como um clarão de esperança,

Como uma benção de Deus!

.

Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

.

Deixa o olhar do mundo
.
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

.

Longe de ti

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

.

O tempo

Sou o Tempo que passa, que passa,
Sem princípio, sem fim, sem medida!
Vou levando a Ventura e a Desgraça,
Vou levando as vaidades da Vida!

A correr, de segundo em segundo,
Vou formando os minutos que correm . . .
Formo as horas que passam no mundo,
Formo os anos que nascem e morrem.

Ninguém pode evitar os meus danos . . .
Vou correndo sereno e constante:
Desse modo, de cem em cem anos
Formo um século, e passo adiante.

Trabalhai, porque a vida é pequena,
E não há para o Tempo demoras!
Não gasteis os minutos sem pena!
Não façais pouco caso das horas!

Adicionar um comentário para este artigo

Fonte : revista macondo


Saiu da casa e olhou o céu. Choviam estrelas. Lamentou aquilo, porque teria gostado de ver um céu quieto. Ouviu o canto dos galos. Sentiu a envoltura da noite cobrindo a terra. A terra, “este vale de lágrimas”.

Juan Rulfo

(in "Pedro Páramo")

Arte é forma



A arte não tem moralidade nem senso de justiça, muito menos bula ou modo de usar
 Há pouco tempo, Vargas Llosa publicou um artigo excelente no “El País” em defesa da obra de Louis-Ferdinand Céline, nome artístico do doutor Auguste Destouches, médico francês antissemita que, segundo consta, na época da França ocupada pelos alemães, entregou à Gestapo algumas famílias judias.
Seu texto é uma manifestação de repúdio à decisão do ministro da Cultura da França de, cedendo à pressão de oganizações humanitárias e associações de filhos de judeus deportados, não celebrar o cinquentenário da morte do escritor. Não acho uma atitude digna da tradição judaica banir este portentoso artista do calendário de comemorações francesas, da mesma forma que acho absurda a proibição de se tocar Wagner em Israel.

Sou judia por conversão, o que, na prática, significa que sou judia pela simples razão de ter optado pelo judaísmo. Ao contrário de quase todas as outras culturas religiosas, o judaísmo não é catequista. Resiste à voracidade de “conversíveis” em potencial. É preciso que se tenha razões convincentes para que um rabino sério aceite colocar alguém no processo de conversão.

Admiro o judaísmo sobretudo por sua crença no homem e na bondade humana. É sempre mais difícil acreditarmos no homem do que em Deus. Deus é caleidoscópico, e pode-se acreditar em muitas formas de sua existência: amor, razão, mistério, fé ou natureza. Mas a humanidade é uma só e sua face é geralmente assustadora.

No entanto, todo o pensamento religioso judaico repousa neste crédito aos mortais, e de sua estruturação na “Torá” surgiram as bases do que chamamos de civilização.

Meu marido nasceu judeu. Sua família foi expulsa da Áustria da forma mais traumática possível, e até hoje John, diferentemente de mim, jamais conseguiu ler Céline. Com meu incentivo, tentou por diversas vezes passar das primeiras 50 páginas da obra-prima “Viagem ao Fundo da Noite”, mas desistiu em todas elas. “Está além das minhas forças”, ele diz.

“Viagem ao Fundo da Noite” é, desde sempre, um livro que não sai de meu alcance. Descobri-o adulta, e desde então devoto à obra deste autor o mesmo respeito e admiração que tenho por autores da mesma grandeza: Joyce, Dostoievsky, Fernando Pessoa e Shakespeare. Quando digo isso, estou falando, evidentemente, de Céline, o artista e não o homem. Consigo perfeitamente separar as duas figuras. Auguste Destouches é abominável e não está no meu mundo. Mas Céline é o James Joyce da França. Ele fez pela ficção francesa o mesmo que Joyce fez pelo romance moderno inglês. Em poucas palavras, Céline abocanhou e vomitou a modernidade, dinamizou a narrativa e criou um mundo estético inteiramente novo.

Vargas Llosa nos chama a atenção para o perigo que representa a mensagem desta decisão do ministro francês. Vetar Céline das comemorações vale o endosso à ideia de que a literatura deve ser instrutiva.

É fácil seguir adiante na sua premissa. É possível, segundo a mesma lógica, que se cobre dos artistas e de sua produção uma moralidade e senso de justiça condizentes ao que se chama hoje de “politicamente correto”. Sendo assim, poderemos, no futuro, retirar da vida literária personagens que agem de forma condenável ou que fumam. E até – por que não? – autores que fumam? Afinal, se arte é moralidade, se arte é senso de justiça, deve ser também modelo de bem viver e de virtudes.

Mas arte, não custa repetir, é forma. O conteúdo é apenas e tão somente seu subproduto. Arte, portanto, não tem moralidade nem senso de justiça, muito menos bula ou modo de usar.

Arte não serve para nada (e muito menos nós, os artistas). Arte é arte. E a razão de se fazer arte é a própria arte, da mesma forma que a razão da vida é a própria vida ou o mistério que ela emana.

É triste e desesperador ver a França que moldou os ideais iluministas no passado agindo da mesma forma que a Alemanha hitlerista: apontando e segregando a arte “degenerada” e elegendo a arte pura e edificante como arte oficial.

Patrícia Melo


Fonte: IstoÉ Independente


     

Barthes amordaçado



A morte anula todos os medos, porque os ultrapassa. O luto nunca é o que se pensa que seja

Só um tema amordaça um grande escritor como o francês Roland Barthes (1915-1980): a morte. Em particular, a morte da mãe, que é, também, a morte da origem. Em “Diário de luto” (Martins Fontes, tradução de Leyla Perrone- Moisés), conjunto de 330 notas que o filósofo começou a escrever em 26 de outubro de 1977, dia seguinte ao da morte de sua mãe, e encerrou em 15 de setembro de 1979, as palavras estão sempre a lhe escapar. Elas o desprezam. Elas lhe fogem.

Barthes balbucia. Escreve seu diário apesar da sensação crescente de que a escrita sôfrega não dá conta de seu tema. Trata-se de luta destinada ao fracasso. Mas é justamente da escrita do fracasso que se trata. É dessa derrota anterior que ele, o escritor, precisa partir. Que nome dar à morte? Palavra vazia, que fala de uma ausência, não permite sínteses, tampouco suporta pensamentos. Ao contrário, ela os massacra. Ela os amordaça.

A primeira anotação traz só duas frases e uma dúvida: “Primeira noite de núpcias. Mas primeira noite de luto?” As núpcias falam de um encontro, mas a morte é um desencontro. Noite, portanto, aniquilada, a partir da qual Barthes se impõe — como um menino agarrado à saia inexistente — a tarefa de escrever. Não para pegar, ou para “chegar a”; mas para consolar e, talvez mais ainda, aceitar a inexistência de um consolo. A isso, aliás, chamamos luto. Não algo que se pega, mas que se atravessa.

Afirma Barthes: “Todos calculam — eu o sinto — o grau de intensidade do luto. Mas é impossível (sinais irrisórios, contraditórios) medir quando alguém está atingido”. Certo: a morte aponta para o impossível, coloca- o em cena. Mas uma pergunta ainda pode ser feita: o que é possível fazer do impossível? Que papel atuar? Em qual script confiar? Que máscaras vestir?

A mãe morta: ainda ousamos falar dela. Mas será dela mesma que falamos? Reflete Barthes: “Na frase ‘Ela não sofre mais’, a que, a quem remete o ela?” A escrita esbarra em seu limite quando, na morte, tem como objeto o que já não existe. Não há objeto algum. Só palavras, e mais palavras, que Barthes espreme em fichas metódicas. Isso é um livro? Responde Barthes: “Tomando estas notas, confiome à banalidade que há em mim”.

Sim, porque a morte conduz ao banal. Mortos, nos tornamos todos iguais: não passamos de restos. Dizem, solenemente: “restos mortais”. O que fomos — as diferenças, as “personalidades”, os estilos, os vícios, as manias — nada mais está ali. Não é da mãe que se trata, mas de um resto da mãe, atrás do qual Roland Barthes, outra vez como um menino em desespero, insiste em procurá-la.

A morte coloca a literatura sob suspeita. Aponta sua fragilidade, sua incapacidade. Diante da morte, a literatura é impotente. “Não quero falar disso por medo de fazer literatura”, ele admite. Mas acrescenta: “embora, de fato, a literatura se origine dessas verdades”. De fato, a literatura surge de uma falta, caso contrário ninguém teria paciência de escrever. Ficções, poemas, para que servem? Diz Barthes: “O espantoso destas notas é o sujeito devastado submetido à presença de espírito”. Não o espírito religioso que sobrevive  à carne, mas o espírito humano — sensibilidade, inteligência, altivez — que só existe nos vivos.

Da mãe, restam as últimas palavras. “Meu R, meu R”, ela murmura. “Estou aqui”. E ainda, a um passo de abandonar a vida, mas sem largar o papel de mãe: “Você está mal, está mal sentado”. As palavras como últimos sinais (fronteira) de uma presença. Sem as palavras, a dolorosa verdade: nada há. Ao lembrar do corpo que sustentou estas palavras de despedida, ele anota: “Cada vez menos coisas a escrever, a dizer, exceto isto (mas não posso dizê-lo a ninguém)”. Não pode e, no entanto, diz. Admite Barthes a falência de uma língua separada de seu corpo. O silêncio, a repugnância.

Há, porém, uma vantagem no luto: a perda terrível já aconteceu. Assinala Barthes — “luto: região atroz onde não tenho mais medo”. A morte anula todos os medos, porque os ultrapassa. O luto nunca é o que se pensa que seja. Diz: “Assusta-me absolutamente o caráter descontínuo do luto”. Também o teatro da morte (o preto, o choro, o desespero) fracassa. Tudo, na morte, é fracasso. O pior: na vida, quase tudo também. Que se observem as palavras com seu gaguejar. Barthes luta (luto) para escapar de qualquer tipo de teatro — para ter “a morte em si”. Repreende- se: “Não dizer Luto. É psicanalítico demais. Não estou de luto. Estou triste”.

Luto: “mal-estar, situação sem chantagem possível”. Trata-se do irremediável. Não existe anestésico. Nada. Os bons sentimentos tornamse inúteis. “Todos são ‘muito gentis’ — e, no entanto, sinto-me só”. As próprias palavras se tornam traiçoeiras. Por exemplo, a palavra desespero, quase sempre associada à morte. Escreve: “Desespero: a palavra é demasiadamente teatral, faz parte da linguagem. Uma pedra”. Isso porque as palavras, ditas em referência ao inexistente, nada sustentam, limitam-se a pesar.

A morte embaralha o Tempo. Mais ainda: ela o destrói. Onde está o presente? “Sofro com o medo do que aconteceu”, Barthes anota. Dá-se conta, então, que repete um pensamento de Donald Winnicott: “medo de um desmoronamento que já aconteceu”. Mas se o que está para vir “já aconteceu”, onde está o futuro? Eis o que a morte faz: impede a visão do futuro. Veda-o. Lembra Barthes que Marcel Proust falava de “chagrin” (“desgosto”) e não de “deuil” (“luto”). A morte ensina: é preciso ter cuidado com as palavras.

Tenta pensar, enfim, no desgosto que atravessa e nas coisas do mundo que se afastam. Encontra algo: “O que me parece mais afastado de meu desgosto, de mais antipático a ele: a leitura do jornal ‘Le Monde’ e suas maneiras ácidas e informadas”. A morte não é ácida — ela não é. Não carrega qualquer informação, ao contrário, é a ausência absoluta de informação. O que se sabe de um morto? Nada. Mesmo os necrológicos dos jornais, o que fazem, senão embalsamar os que partiram? Sugere Barthes: talvez a morte não passe de uma “espécie de epopeia sem atitude heroica”. Eis o buraco (cova): devemos prestar atenção no “sem”.



- José Castello. O Globo. 26 Oct 2011 

Shakespeare?



Os moradores de Stratford-upon-Avon estão em pé de guerra. Cobriram a estátua de William Shakespeare (1564-1616), o mais famoso filho da cidade, com lençóis.

Objetam vigorosamente ao novo filme produzido pela Sony em Hollywood, segundo o qual Shakespeare, na verdade, era uma fraude e não escreveu as famosas peças, sonetos e versos cuja autoria lhe é atribuída. O verdadeiro autor, alega o filme, foi Edward de Vere, conde de Oxford, um homem viajado e poliglota.
Nessa interpretação, Shakespeare é um beberrão analfabeto e sem educação formal, incapaz do conhecimento detalhado necessário à composição dessas obras.

Edward de Vere, por outro lado, era um aristocrata, amante da rainha Elizabeth 1ª. Não pôde assumir a autoria dos textos porque escrever para o teatro, no século 16, não era profissão para um aristocrata, o que explica sua necessidade de permanecer anônimo -como no título do filme: "Anonymous".

A teoria é velha. Circula pelo menos desde a era vitoriana. Os vitorianos, como os norte-americanos modernos, adoravam teorias da conspiração e não conseguiam acreditar que um homem de origens humildes como Shakespeare pudesse ter escrito as grandes peças que portam seu nome.

Vanessa Redgrave interpreta a rainha Elizabeth 1ª (na velhice), enquanto sua filha, Joely Richardson, interpreta a rainha jovem. Joely Richardson nasceu em 1965, quando Vanessa Redgrave era casada com Tony Richardson. O casamento, que durou de 1962 a 1967, terminou em divórcio depois que Richardson traiu a mulher com a atriz francesa Jeanne Moreau.

Richardson foi um famoso diretor da "new wave" do cinema britânico. "Tom Jones", filme que ele dirigiu em 1963, baseia-se no romance de Henry Fielding (que está sepultado no cemitério inglês de Lisboa), e o roteiro foi escrito pelo dramaturgo John Osborne.

É a exuberante história do filho adotivo de um membro da pequena nobreza rural inglesa, saltando de cama em cama através da Inglaterra, estrelado por Albert Finney, Susannah York e Edith Evans. O filme foi parcialmente rodado em Crowcombe Court, uma casa de campo do começo do século 18 em West Somerset, perto de onde passei a infância.

Vanessa é filha de sir Michael Redgrave. Os Redgrave, apesar de seu radicalismo político, são a aristocracia do teatro britânico. Contudo a Sony parece ter hesitado, no momento do lançamento, e por isso o filme será exibido em apenas 250 salas.

A produtora espera que a reação dos espectadores e, sem dúvida, também a dos moradores de Stratford-upon-Avon sirva como publicidade para o filme.

KENNETH MAXWELL - FSP. 27 Oct 2011 



Qual será o futuro religioso do Brasil?





O novo perfil do catolicismo brasileiro é marcado pelo êxodo dos católicos "por convenção" e pelo surgimento de comunidades dinâmicas

Na discussão sobre a redução do percentual de católicos no país, reavivada pelo "Novo Mapa das Religiões no Brasil", da FGV, frequentemente se imagina um passado em que a ampla maioria dita católica teria o perfil que se espera do católico urbano atual. Mas o "catolicismo popular" brasileiro é muito diferente disso.

Ele sempre foi mais um "cristianismo popular", permeado por sincretismos e particularismos, em que a influência do magistério romano foi muito relativa.

Por isso, a redução do percentual de católicos no país deve ser lida como a explicitação de uma diversidade religiosa camuflada e o aflorar de visões de mundo populares antes ocultas e recalcadas.
Entre os anos de 1991 e 2009, enquanto a porcentagem de católicos caiu 15%, a dos "sem religião" aumentou apenas 2%; a de evangélicos aumentou 10%.

Isso sugere que estamos num caminho diferente da Europa, onde a religião vem perdendo espaço na sociedade, e mais próximo ao norte-americano, onde há grande diversidade de religiões e estas permanecem influentes na vida social.

A presença do fator religioso nas eleições de 2010 ilustra essa tendência e mostra como ela poderá influenciar a relação entre religiões e sociedade no futuro do Brasil.

Quanto ao catolicismo brasileiro, seu novo perfil é marcado pelo êxodo dos católicos "por convenção" e pelo surgimento de um novo polo dinâmico, representado principalmente pelos movimentos e pelas novas comunidades.

Na arquidiocese de São Paulo, por exemplo, são reconhecidos mais de 40 grupos, que variam de poucas dezenas de participantes em uma paróquia a movimentos com centenas de pessoas, que já se ramificam na Europa e nos EUA.

O laicato tem papel preponderante nessas organizações, que contam com leigos consagrados à obra, muitos dos quais celibatários.

Contando, desde João Paulo 2º, com o apoio explícito do Vaticano, conseguem uma síntese entre pluralidade e unidade. Com isso, resolveram vários problemas do catolicismo do final do século 20, como a necessidade de pluralismo interno, a autonomia dos leigos, a falta de padres e o celibato.

No Brasil, seu grande desafio é formativo, pois se propõem à exigente tarefa de conciliar renovação litúrgica, mística cristã, evangelização, trabalho cultural e ação social.

Os dados indicam que continuaremos a ser, no futuro, um país cristão, com um povo marcado pela religiosidade. Isso diz muito, mas deixa muito ainda por dizer.

Fundamentalismo versus racionalidade, individualismo versus solidariedade, bem comum versus clientelismo, essas são algumas das questões que estão intimamente ligadas à forma como compreendermos e praticarmos nossas opções religiosas no futuro.

FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, editor-assistente no Brasil da revista "Communio" e um dos organizadores dos livros "Um Diálogo Latino-Americano: Bioética & Documento de Aparecida" (Difusão, 2009) e "Economia e Vida na Encíclica Caritas in Veritate" (Companhia Ilimitada, 2010).

FSP.12 Oct 2011

Quinze anos da Lei de Arbitragem



  
É imprescindível que se desenvolva uma cultura da arbitragem em nosso país, para que a lei também possa ser corretamente aplicada

Um dos objetivos do processo de modernização é a diminuição da tutela do Estado e o consequente aumento dos poderes da cidadania.

Importante em termos de mudança social, embora pouco percebida pela própria sociedade, essa transformação é essencial, pois trata de criar mecanismos de proteção e garantias individuais que se conformem, não só sob o ponto de vista jurídico mas também sob aspectos econômicos e sociais, com o pleno exercício dos direitos humanos.

Exemplos significativos encontram-se no Código de Defesa do Consumidor, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ademais, em 2004, foi promulgada a emenda constitucional nº 45, dispondo sobre a reforma do Judiciário e que ensejou, em consequência, a aprovação de novas leis processuais que concorreram para o melhor funcionamento de nosso poder judicante.

Agora, estamos comemorando o 15º aniversário da lei nº 9.307, que dispõe sobre arbitragem e cujo projeto tive a iniciativa de apresentar ao Senado Federal em 1992.

Naquela ocasião, observei que o texto, caso aprovado, iria significar o aparecimento de uma instância alternativa à prestação jurisdicional por parte do Estado.

Há no Brasil uma demanda da sociedade direcionada no sentido de tornar mais célere a prestação jurisdicional, pois, como ressaltou Rui Barbosa, em sua sempre recordada "Oração aos Moços", "justiça atrasada não é justiça, e sim injustiça qualificada e manifesta".

Se tal representa um estorvo para as partes, não deixa de constituir, igualmente, um tormento para os advogados e uma preocupação para os magistrados, que vivenciam o crescimento geométrico das lides. A arbitragem, conquanto seja instituto que só agora está sendo exercitado entre nós, não é algo novo em nosso Direito positivo legislado.

Basta lembrar o artigo 160 da Constituição de 1824, prevendo que, em causas cíveis e penais, civilmente intentadas, poderiam as partes "nomear juízes árbitros", cujas sentenças seriam "executadas sem recursos, se assim o convencionarem ambas as partes".

Frise-se, ainda, o fato de a arbitragem ter permanecido letra morta nas práticas jurídicas brasileiras, apesar de estar prevista no Código Civil que vigorou de 1917 a 2002.

Esse hábito não pode ser imputado à falta de tradição do instituto em nosso Direito, mas à disciplina da matéria, que subordinava a arbitragem à homologação judicial.

Carecia-se, portanto, de provisão legal que desse a esse instituto, tão amplamente usado em outros países e no Direito internacional público, eficácia jurídica integral.

As vantagens que oferece sobrelevam de muito os processos jurisdicionais estatais: quer pela celeridade do rito escolhido, quer pela especialização dos árbitros, mediante a faculdade de se escolherem os experts na referida matéria; quer pelo sigilo, quando tal se impõe; quer pela flexibilidade dos atos procedimentais; quer pela menor onerosidade dos custos; quer pela exequibilidade das decisões arbitrais, como títulos executivos que são.

É de todo necessário, entretanto, que se continue a apoiar o sistema de arbitragem em nosso país.
Para tal fim, é imprescindível que se desenvolva uma cultura da arbitragem, para que a lei seja não apenas adequadamente apreendida pela sociedade, mas também corretamente aplicada.

MARCO MACIEL é membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (1995-1998 e 1999-2002), ministro da Educação (governo Sarney), senador e governador de Pernambuco (1978-1985).

 FSP.12 Oct 2011

Das peculiaridades




Li recentemente uma biografia de Serge Gainsbourg publicada no Brasil pela editora Barracuda (Um Punhado de Gitanes, da inglesa Sylvie Simmons). Serge Gainsbourg, estrela da canção francesa, ator, diretor, desenhista, escritor, compositor e figura carimbada dos anos 60, 70 e 80, era um cara pra lá de talentoso.

E peculiar, muito peculiar... Um sujeito tímido, cheio de manias, o feio-bonito que arrasou o coração das mulheres que valiam a pena na época (entre as suas conquistas famosas, Brigitte Bardot e a lindíssima Jane Birkin, com quem Serge viveu por 13 anos e teve uma filha).

Um Punhado de Gitanes é a história da trajetória musical de Gainsbourg; mas, também, é um arrazoado de narrativas incríveis, de aventuras e máximas que fazem a gente fechar o livro de bom humor, perguntando-se por que, afinal de contas, não se vive a vida com um grau a mais de maluquice. Talvez porque nos falte gênio – coisa que Serge tinha para dar e vender...

Ele, que fumou cada minuto da sua vida (andava sempre com um fortíssimo Gitane aceso), que aprendeu a beber no exército e encheu a cara até morrer, que foi apaixonado pela neta de Tolstói, sua colega num curso de artes, que via filmes pornográficos com Salvador Dalí, que comprou um Rolls-Royce prateado apenas para fumar seus Gitanes dentro do carro, pois Serge nunca aprendeu a dirigir – ele era um gênio que chegou a compor para todas as grandes cantoras da cena musical da época, enquanto lançava um ou dois discos próprios por ano.

De todas as doideiras de Gainsbourg, a que mais me impressionou foi o seu fanatismo estético. Tinha absoluta mania de arrumação, e na sua casa da Rue de Verneuil, cujas paredes pretas ele copiou da casa do próprio Dalí, nada nunca podia ser mudado de lugar. Habitava-se um cenário milimetricamente pensado por Serge, e eram proibidos os vestígios de vida humana nas salas, nos quartos e até mesmo no banheiro. Bilhetes, moedas, cabelo na escova, sapato ao lado da cama, bolsa sobre a cadeira?

Pecados que deixavam Serge absolutamente furioso. As crianças só podiam brincar num único cômodo, de portas fechadas. Serge dizia que a sua mente era tão atravancada, tão cheia de ideias, de notas musicais e de imagens, que o exterior obrigatoriamente precisava estar sempre em perfeita ordem. A família Gainsbourg sofreu um pouco com isso, imaginem... Mas, de fato, Serge podia dar-se às maiores maluquices: poucos artistas foram tão prolíficos quanto ele.

LETICIA WIERZCHOWSKI - FSP. 29 Sep 2011 

O som da época


 - LUIZ FERNANDO VERISSIMO



Desconfio que ainda nos lembraremos destes anos como a época em que vivemos com o acompanhamento dos alarmes de carro. Os alarmes de carro são a trilha sonora do nosso tempo: o som da
paranoia justificada.
O alarme é o grito da nossa propriedade de que alguém está querendo tirá-la de nós. É o som mais desesperado que um ser humano pode produzir – a palavra “Socorro!” –, mecanizado, padronizado e a todo volume. É “Socorro!” acrescentado ao vocabulário das coisas, como a buzina, a campainha, a música de elevador, o “ping” que avisa que o assado está pronto e todos os “pings” do computador. Também é um som típico porque tenta compensar a carência mais típica da época, a de segurança. Os carros pedem socorro porque a sua defesa natural – polícia por perto, boas fechaduras ou respeito de todo o mundo pelo que é dos outros – não funciona mais. Só lhes resta gritar.
Também é o som da época porque é o som da intimidação. Sua função principal é espantar e substituir todas as outras formas de dissuasão pelo simples terror do barulho. O som da época em que os decibéis substituíram a razão. Como os ouvidos são, de todos os canais dos sentidos, os mais difíceis de proteger, foram os escolhidos pela insensibilidade moderna para atacar nosso cérebro e apressar nossa imbecilização. Pois são tempos
literalmente do barulho.
O alarme contra roubo de carro também é próprio da época porque frequentemente não funciona. Ou funciona quando não deve.
Ouvem-se tantos alarmes a qualquer hora do dia ou da noite porque, talvez influenciados pela paranoia generalizada, eles disparam sozinhos. Basta alguém se aproximar do carro com uma cara suspeita e eles começam a berrar.
Decididamente, o som do nosso tempo.


 FSP.29 Sep 2011

Loucura peruana




Foi vendendo a comida que faziam em casa que conseguiram um lugar na sociedade de colonizadores


Como não fui ao festival do Peru, fiquei estudando por aqui, lendo sobre o mercado de Cuzco, suas tendas, geralmente tocadas por mulheres de geração em geração.
Foi vendendo a comida e a bebida que faziam em casa, saindo para a rua, é que conseguiram um lugar na nova sociedade dos colonizadores.

Assisti a um filme de 2006 de Claudia Llosa. Madeinusa. É o nome do filme e da protagonista, que mora num povoado andino fictício, Mayacuna. Um peruano citadino, Salvador, fica preso na cidade por causa de uma rocha que caiu na estrada. O povo desconfia dele e quer que volte para Lima. Só que, sem saída, é preso por Don Cavo, pai de Madeinusa no celeiro da família.
Os nativos não gostam de pessoas estranhas no seu festival de Tempo Santo na semana da Páscoa. Acontece que, nesse pequeno intervalo de tempo, Deus fica cego aos pecados do homem. Logo, todos caem na orgia mais maluca.

No meio dessa folia é que a adolescente e bela Madeinusa tem que aguentar o assédio sexual do pai.
Aparece o tema de comida e violência. Nos primeiros dias do festival, homens mulheres e crianças juntam-se para comer, para jogar pelos ares, para estragar comida feita com muito carinho e esforço.
As ruas ficam cheias de restos e de vômito, as cenas macabras começam. Forçam comida garganta abaixo de uma velha morrendo, roubam o porco de uma outra para comê-lo numa bacanal.

A comida também representa a divisão cultural profunda entre a provinciana Madeinusa e o branco e urbano Salvador, que não consegue entender a língua, os costumes, e as preferências da pequena vila.
Quando Madeinusa percebe que o pai trancou Salvador no celeiro faz para ele um dos pratos preferidos de sua região, um porquinho da Índia (o cuy) assado com batatas.

Doido de fome, Salvador avança na comida e, quando prova, cospe com nojo, furioso! Que asco!
O misterioso visitante de Lima é a encarnação viva do mundo que ela procura. Madeinusa, quando quer seduzir, usa os brincos da mãe, que também fugira, deixando-a só. Nos dias do festival, ela oferece sua virgindade a Salvador, esperando que a oferta do seu corpo fosse o bastante para que ele a levasse consigo. Ele se recusa. É, então, no papel de mulher cozinheira que ela trama sua fuga. Prepara uma sopa e sua vingança. Despeja veneno de ratos num caldo e chama: "Papá, papito, tu caldo de gallina!"

O pai não acorda, ela despeja a sopa pela sua goela. Acostumada com abandono e violência, Madeinusa defende a possibilidade de seu sonho do jeito que sabe.

Foge num caminhão, orgulhosa de si mesma e principal construtora de seu caminho. Interessante é que Madeinusa, ao contrário das peruanas reais que se ergueram socialmente por meio da cozinha, não soube usar a arte, técnica e dom para escapar da pobreza, do abuso.

E, como muitas outras mulheres andinas, ela não entende que o espaço da cozinha pode oferecer às mulheres um atalho para contestar o domínio patriarcal. E porque o delicioso nome de Madeinusa? Não sei.

Foi a mãe que batizou...

 NINA HORTA - FSP.29 Sep 2011 

Isolacionismo





O German Marshall Fund dos EUA (GMF) foi criado para celebrar o papel do Plano Marshall na reconstrução da Europa após a Segunda Guerra. Em um discurso na Universidade Harvard em 1947, o general George Marshall, então secretário de Estado americano, lançou o plano que proveria assistência crucial à reconstrução europeia.

Também em Harvard, 25 anos mais tarde, o chanceler alemão Willy Brandt anunciou o estabelecimento do GMF, com uma generosa dotação orçamentária alemã, para servir como organização de pesquisa e de fomento à educação nos EUA. Sediado em Washington, o instituto visa promover o bom relacionamento entre os EUA e a Europa.

Trabalhei como consultor informal para o presidente do GMF no final dos anos 1970, depois da Revolução dos Cravos (1974), quando ajudei a organizar duas grandes conferências internacionais em Lisboa sobre a economia de Portugal. Era um período difícil. Portugal estava tentando enfrentar as consequências de um longo período de ditadura de direita, seguido por anos de conflitos entre militares de esquerda e políticos civis.

O projeto era instigante. Do lado americano, conseguimos o envolvimento de alguns jovens e brilhantes economistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Muitos deles, a exemplo de Paul Krugman, hoje professor da Universidade Princeton, colunista do "New York Times" e da Folha e laureado com o Nobel de Economia de 2008, viriam a construir carreiras brilhantes posteriormente.

Bruce Stokes  se tornou pesquisador sênior no GMF. Acompanho seu trabalho já há anos. Ele era um dos meus colegas mais brilhantes no Conselho de Relações Exteriores de Nova York. Trabalhou por muitos anos no "National Journal", de Washington, publicando artigos sempre interessantes, com observações bastante aguçadas sobre a opinião pública e a política externa americanas.

Por isso, venho lendo com especial atenção os seus textos mais recentes. Em uma análise da mais recente pesquisa do GMF sobre a opinião pública dos dois lados do Atlântico, combinada a dados das pesquisas de opinião do instituto Pew, Stokes conclui que os jovens republicanos dos EUA perderam o interesse pela Europa, opõem-se cada vez mais a aventuras internacionais e veem a China como potencial inimigo.

Stokes acredita que isso represente a retomada de uma tradição muito antiga na política americana. Caso os republicanos reconquistem a Casa Branca e o controle do Senado no ano que vem, alerta Stokes, estejamos preparados para um retorno ao antigo isolacionismo dos EUA.



KENNETH MAXWELL . FSP.29 Sep 2011 

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Vírus provoca suicídio



Pais forçam filhos a lavar as mãos e governos levam pessoas a morrer pela pátria. São exemplos de como uma pessoa é capaz de determinar o comportamento de outra pessoa.

Normalmente, não pensamos que o comportamento do filho é resultado de genes no corpo do pai agindo sobre o corpo do filho. Preferimos falar em convencimento, autoridade ou persuasão. Mas, quando esse fenômeno é observado entre animais de diferentes espécies, fica difícil imaginar que o comportamento induzido não resulte da ação direta de genes.

A capacidade de um gene, localizado em um ser vivo, de agir sobre outro ser vivo foi proposta inicialmente por Richard Dawkins, que chamou o fenômeno de fenótipo estendido. Muitos duvidavam da existência desses genes. Agora, pela primeira vez, um desses genes foi isolado e caracterizado.

No final do século 19, cientistas alemães observaram um comportamento estranho nas lagartas de uma espécie de mariposa chamada Lymantria dispar. Lagartas normais passam a noite se alimentando de folhas na copa das árvores. Antes do amanhecer, elas descem e se escondem. Esse comportamento evita que sejam devoradas pelos pássaros.

Mas em algumas vezes as lagartas parecem enlouquecer. Antes do raiar do dia, vão para o topo das árvores, agarram-se às folhas e ficam imóveis, esperando a morte. Que chega pelo bico de um pássaro. Décadas mais tarde, foi descoberto que elas “enlouquecem” após serem infectadas por um baculovírus.

Do ponto de vista do vírus, o comportamento suicida das larvas é perfeito. Após o vírus ter se multiplicado no interior das larvas, elas rumam para o topo das árvores e esperam. As aves comem as larvas infectadas, levando o vírus para outras árvores. O vírus se espalha rapidamente pela floresta. Se a larva infectada morre no seu esconderijo diurno, a disseminação do vírus é lenta, pouco eficiente. O vírus parece “convencer” a larva a mudar seu comportamento. Mas como isso é possível? Seguramente não rola um papo entre vírus e larva.

Quando os cientistas sequenciaram o genoma do baculovírus, descobriram um gene estranho, que parecia não ser necessário para a sobrevivência do vírus. Esse gene, chamado de EGT, produzia uma enzima capaz de inativar o hormônio 20-hidroxiecdisona, que controla o desenvolvimento das larvas. Quando a quantidade desse hormônio aumenta, a larva se transforma em pupa, produzindo o casulo do qual emerge a mariposa adulta.

Cientistas imaginaram que talvez o aumento e a diminuição diária dos níveis desse hormônio, antes da pupação, seria o responsável pela migração da larva para a copa da arvore ao anoitecer e sua volta para o esconderijo ao amanhecer. Será que o vírus, destruindo o hormônio no hospedeiro, estaria manipulando seu comportamento, induzindo a larva ao suicídio?

Para testar essa hipótese, cientistas construíram baculovírus recombinantes em que o gene EGT foi inativado. O vírus modificado infectou a larva e se reproduziu normalmente. Mas as larvas infectadas acabavam morrendo, cheias de vírus, não no topo das árvores, mas em seu esconderijo, longe das aves.

Esse resultado demonstra que o baculovírus carrega em seu genoma um gene cuja única função é destruir o hormônio que controla o comportamento das larvas, forçando sua exposição às aves famintas. Esse gene não somente altera o comportamento das larvas, mas indiretamente induz as aves a comer as larvas e espalhar o vírus.

Nada mal para um vírus que não tem cérebro nem estudou estratégia de marketing em um MBA. Provavelmente, ocorreu que uma cópia do gene EGT acabou inserido acidentalmente no genoma de um baculovírus em algum momento do passado. Por se reproduzir mais rapidamente, o vírus com esse novo gene acabou se tornando o baculovírus predominante nas florestas europeias.

À medida que mais espécies tiverem seus genomas sequenciados, mais exemplos de genes com fenótipos estendidos serão descobertos. Será que os genes que permitem que o cérebro de um pai argumente com seu filho e o induza a lavar as mãos antes do almoço não podem ser considerados genes com fenótipos estendidos? E os genes que permitem a um recém-nascido emitir um choro capaz de fazer os pais correrem até o berço? Eles podem ser considerados genes com fenótipo estendido?


- FERNANDO REINACH

 27 Oct 2011 

Sabendo francês podemos ser mais felizes



  
Não me considerem esnobe, exibido. Mascarado, como se dizia na minha infância. Não usam mais a palavra? Tão atual. O que há de gente mascarada no mundo. Vou dizer o óbvio. Para desfrutar melhor Paris, a Provence celebrada, e outros, sabendo francês, os prazeres multiplicam-se por cem, o desfrute por duzentos, a alegria por quinhentos. Mesmo que você tenha ido apenas para fazer compras, como a maioria dos brasileiros, que pedem descontos em português mesmo e em altos brados (ou em brado retumbante), vale a pena aprender francês.

O parisiense muda quando você se dirige a ele na sua língua, ainda que precariamente, como eu. Quem não gosta de uma pessoa que chega e você percebe o esforço que ela faz para se expressar em sua língua natal? Assim, vale a pena aprender francês para poder caminhar à vontade em Paris deixando-se envolver por ela, sabendo um pouco mais.

Claro, o francês não é importante apenas por isso. Mas já é um enorme handicap. Há as revistas, os milhares de livros traduzidos do mundo inteiro, o cinema, a música, até a facilidade nas compras. Só poder ler a gigantesca coleção La Pléiade (projeto de uma vida) no original é uma bênção, raras vezes igualada. Ou os fólios, delicados, sensuais? Hoje estamos aprendendo apenas o que o mercado chama de línguas úteis, como o inglês, o japonês, o mandarim. Mandarim? (Eu lá quero falar chinês?) Para vencermos na vida? Nos tornarmos empreendedores? Sermos alguém? Mas o que é ser alguém? Tudo tem de ter aplicação prática? Se é assim, acabemos com o ensino brasileiro, ele não leva a nada, do jeito que está estruturado.

Há na nossa vida algo que é preciso preencher. Uma necessidade interior de espírito, contemplação do mundo, da vida, avaliação das coisas. Encarar a existência como algo que precisa de alimento. Foram eliminando as línguas de todos os cursos, a não ser alguns muito especializados. Tive no ginásio português, inglês, francês, latim e espanhol e posso dizer que isso me ajudou. Mas vieram deletando tudo, como se diz. E o francês se foi por meio de ministros que só pensam em política. O atual quer a Prefeitura de São Paulo, imaginem. Nem administrou direito o Enem.
A primeira palavra que aprendi em francês foi: nous. Estava no primeiro ano do ginásio. Tínhamos aulas de francês desde o primeiro dia com mademoiselle Fanny, uma graça de pessoa. Perguntamos: "Por que a senhora começou com o nous, que significa nós, e não com o je, que quer dizer eu?" Ela sacudiu o dedo: "O nous somos todos, é o coletivo, a classe. O je é muito individualista." Esses eram os professores que tínhamos. Jamais dona Fanny falou em português na aula. Nos virávamos para saber o que ela queria dizer. Ela sabia conduzir a lição, de maneira que descobríamos os significados e as pronúncias às vezes sutis do francês, língua tão poética, sensível, cheia de nuances, e ao mesmo tempo incisiva. Dificuldades terríveis para diferenciar Anne (Ana) de âne (asno). A professora insistia, queria a perfeição. Nesta minha idade, penso, dia desses entrar para a Aliança Francesa a fim de aperfeiçoar minha precariedade.

Donna Fanny ainda está lá em Araraquara. Até algum tempo atrás, quando eu a encontrava na rua, ela me dizia, como sempre disse ao entrar na classe:

- Bonjour, mon enfant!

- Bonjour, madame.

- Mademoiselle, mademoiselle...

Ria, afetuosa. Aos 14 anos estávamos lendo Alexandre Dumas no original. Não era fácil, mas a gente acabava gostando, se imaginava na França. Também Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand, depois Balzac, Flaubert, Stendhal. Hoje chegaríamos a Le Clézio, Houellebecq, Jonathan Littell, Georges Perec. Aos 16 tivemos acesso a Jaques Prévert, que deslumbramento! A poesia entrava em nós por meio de Aragon, Paul Valéry, Verlaine, e, claro Rimbaud e Baudelaire, o maldito. Também Céline, complicado, Camus, os romances de Sartre, um pouco de Proust (eu mantinha a tradução do Quintana do lado). Toda semana, nos anos 50, havia um filme francês no cinema. Fanny insistia para que fôssemos. Não era exigir muito, sabíamos que algumas estrelas francesas como Martine Carol, Claudine Dupuis e Françoise Arnoul mostravam os peitinhos, era um avanço na nossa vida sexual. Mas havia Arlety, Edwige Feuillère, Maria Casarés, soberbas. E Gerard Philippe, jamais substituído. Hoje minhas paixões são Juliette Binoche, Irene Jacob, Marion Cotillard. Por outro lado, descobrimos os filmes de Marcel Carné, de René Clair, André Cayatte, Jean Delannoy, Robert Bresson, clássicos. Depois, digerimos toda nouvelle vague, que mudou a linguagem do cinema.

Nós, que aprendemos francês, tivemos sempre algo mais dentro de nós. De coisas pequenas e grandes. Não estou aqui para fazer lista e apenas para insistir numa coisa muito simples: sabendo francês, sempre me senti um pouco mais feliz na vida. Uma delas foi ouvir, recentemente, do garçom de um bistrô; "Monsieur, vous êtes du quartier?" (O senhor é do bairro?) Que, como Eros Grau diz em um livrinho delicioso sobre Paris, é um sinal de que você está sendo aceito. Coisa nada fácil para um estrangeiro. Que volte o francês às escolas!




Ignácio de Loyola Brandão - O Estado de S.Paulo.04 de novembro de 2011 | 3h 06

La cosecha



Flannery O’Connor

La señorita Willerton siempre quitaba las migas de la mesa. Era su hazaña doméstica especial y lo hacía con gran esmero. Lucía y Bertha fregaban los platos y Garner se iba a la sala a hacer el crucigrama del Morning Press. Así dejaban sola en el comedor a la señorita Willerton y eso le gustaba a ella. ¡Uf! En aquella casa el desayuno era siempre un suplicio. Lucía insistía en seguir siempre el mismo horario en el desayuno y las demás comidas. Lucía decía que desayunar a la misma hora contribuía a adquirir otras prácticas regulares, y, con lo propenso que era Garner a sufrir molestias, era fundamental que estableciesen algún método en las comidas. De esa manera, también se aseguraba de que él le pusiera agaragar a su crema de trigo. «Como si después de llevar cincuenta años haciéndolo -pensó la señorita Willerton-, fuese capaz de hacer otra cosa.» La polémica del desayuno empezaba siempre con las gachas de harina de trigo de Garner y terminaba con las tres cucharadas de piña triturada de la señorita Willerton. «Ya sabes lo de tu acidez, Willie -le decía siempre la señorita Lucía-, ya sabes lo de tu acidez», y entonces Garner ponía los ojos en blanco y soltaba algún comentario desagradable, y Bertha pegaba un salto y Lucía se mostraba afligida y la señorita Willerton saboreaba la piña triturada que acababa de tragarse.

Era un alivio quitar las migas de la mesa. Quitar las migas de la mesa le daba tiempo para pensar, y, si la señorita Willerton debía escribir un relato, antes tenía que pensarlo. Casi siempre pensaba mejor sentada delante de la máquina de escribir, pero por el momento tendría que conformarse con lo que había. En primer lugar, debía pensar un tema para el relato que iba a escribir. Eran tantos los temas sobre los que se podía escribir un cuento que a la señorita Willerton nunca se le ocurría ninguno. Era siempre la parte más difícil de escribir un cuento, ella siempre lo decía. Dedicaba más tiempo a pensar en algo sobre lo que escribir que a la escritura en sí. A veces descartaba un tema tras otro y, a menudo, tardaba una o dos semanas en decidirse por alguno. La señorita Willerton sacó el recogedor y la escobilla de plata y se puso a limpiar la mesa. «¿Y un panadero -se preguntó-, será un buen tema?» «Los panaderos extranjeros eran muy pintorescos», pensó. La tía Myrtile Filmer había dejado sus cuatricromías de panaderos franceses estampadas en sombreros con forma de hongo. Eran hombres magníficos, altos… rubios y…

-¡Willie! -gritó la señorita Lucía, entrando en el comedor con los saleros-. Por el amor de Dios, pon el recogedor debajo de la escobilla o echarás todas las migas sobre la alfombra. En lo que va de la semana le he pasado la aspiradora cuatro veces y no pienso volver a pasarla.

-Si le has pasado la aspiradora no sería por las migas que se me caen a mí -le contestó la señorita Willerton, lacónica-. Siempre recojo las migas que se me caen. -Y aclaró-: Y a mí se me caen bien pocas.

-A ver si esta vez lavas el recogedor antes de guardarlo -le soltó la señorita Lucía.

La señorita Willerton se echó las migas en la mano y las arrojó por la ventana. Llevó el recogedor y la escobilla a la cocina y los metió debajo de un chorro de agua fría. Los secó y los volvió a guardar en el cajón. Misión cumplida. Ahora podía ponerse delante de la máquina de escribir. Y estarse allí hasta la hora del almuerzo.

La señorita Willerton se sentó delante de la máquina de escribir y lanzó un suspiro. ¡A ver! ¿En qué había estado pensando? Ah, sí. En los panaderos. Ummm. Los panaderos. No, los panaderos, mejor no. Tenían poco de originales. Los panaderos no producían tensión social. La señorita Willerton clavó la vista en la máquina de escribir. A S D F G… sus ojos recorrieron las teclas. Ummm. «¿Y los maestros?», se preguntó la señorita Willerton. No. Por Dios, no. Los maestros siempre hacían que la señorita Willerton se sintiera rara. Sus maestras del Seminario Femenino Willowpool estaban bien, pero eran todas mujeres. El Seminario Femenino de Willowpool, recordó la señorita Willerton. La frase no le gustaba nada: Seminario Femenino de Willowpool… sonaba a biología. Ella se limitaba a decir que se había graduado de Willowpool. Los maestros hacían que la señorita Willerton se sintiera como si estuviera a punto de pronunciar algo mal. Además, los maestros no eran oportunos. Ni siquiera representaban un problema social.

Problema social. Problema social. Ummm. ¡Los aparceros!

La señorita Willerton nunca había intimado con ningún aparcero pero, reflexionó, como tema tendría tanto arte como cualquier otro, ¡y le permitirían conseguir ese aire de trascendencia social que tan útil resultaba en los círculos que esperaba conocer en sus viajes! «Siempre puedo sacarle partido -refunfuñó-, al tema de la lombriz intestinal.» ¡Ya le iba saliendo! ¡Sin duda! Movió los dedos con nerviosismo sobre las teclas sin tocarlas. Después, de repente, empezó a escribir a gran velocidad.

«Lot Motun -registró la máquina- llamó a su perro.» Una pausa abrupta siguió a la palabra «perro». La señorita Willerton siempre se esmeraba en la primera oración. «La primera oración -decía siempre-, le venía como… ¡como un chispazo! ¡Tal cual! – decía, y chasqueaba los dedos-, ¡como un chispazo!» Y sobre la primera oración construía su relato. «Lot Motun llamó a su perro», le había salido automáticamente a la señorita Willerton, y al releer la frase, decidió no solo que «Lot Motun» era un nombre adecuado para un aparcero, sino que hacer que llamara a su perro era lo mejor que se podía esperar de un aparcero. «El perro levantó las orejas y, con el rabo entre las patas, se acercó a Lot.» La señorita Willerton había escrito la frase antes de que le diera tiempo a advertir su error: dos «Lot» en un mismo párrafo. Resultaba desagradable al oído. La máquina de escribir retrocedió chirriando y la señorita Willerton escribió tres X sobre «Lot». Entre líneas anotó a lápiz: «Su amo». Ahora ya estaba lista para continuar. «Lot Motun llamó a su perro. El perro levantó las orejas y, con el rabo entre las patas, se acercó a su amo.» «Y también tengo dos perros – pensó la señorita Willerton-. Ummm.» Pero decidió que eso no molestaría tanto al oído como los dos «Lot».

La señorita Willerton era muy partidaria de lo que denominaba «arte fonético». Según ella, el oído era tan lector como el ojo. Le gustaba expresarlo de ese modo. «El ojo forma un cuadro -le había dicho a un grupo en las Hijas Unidas de las Colonias- que puede pintarse en abstracto, y el éxito de la empresa literaria -a la señorita Willerton le gustaba la expresión empresa literaria- depende de esos elementos abstractos creados en la mente y de la naturaleza tonal -a la señorita Willerton también le gustaba eso de naturaleza tonal-, que registra el oído.» La oración «Lot Motun llamó a su perro» tenía un toque cáustico y seco que, seguido de «el perro levantó las orejas y, con el rabo entre las patas, se acercó a su amo», le daba al párrafo la salida que precisaba.

«Lot tiró de las orejas cortas y raquíticas del animal y se revolcó con él en el barro.» A lo mejor, reflexionó la señorita Willerton, eso era un poco exagerado. Pero, según le constaba, el que un aparcero se revolcara en el barro entraba dentro de lo razonablemente posible. En cierta ocasión había leído una novela que trataba de ese tipo de personas, en la que se había hecho algo tan feo como aquello y, a lo largo de tres cuartas partes de la narración, cosas mucho peores. Lucía la encontró mientras limpiaba uno de los cajones del escritorio de la señorita Willerton, y, después de hojear unas cuantas páginas al azar, sujetó el libro entre el pulgar y el índice, lo llevó hasta el horno y lo echó al fuego.

-Willie, esta mañana cuando limpiaba tu escritorio, me encontré un libro que Garner debió de dejar allí para hacerte una broma -le dijo la señorita Lucía más tarde-. Fue horrible, pero ya sabes cómo las gasta Garner. Lo he quemado. -Y luego, con una risita ahogada, añadió-: Estaba segura de que no podía ser tuyo.

La señorita Willerton estaba segura de que no podía ser de nadie más que de ella, pero no se atrevió a aclararlo. Lo había encargado directamente a la editorial porque no quería pedirlo en la biblioteca. Le había costado tres dólares con setenta y cinco centavos, envío postal incluido, y no había terminado los últimos cuatro capítulos. Eso sí, había leído lo suficiente para poder afirmar que era razonablemente posible que Lot Motun se revolcara en el barro con su perro. Al hacerle hacer tal cosa, lo de las lombrices intestinales tendría más sentido, decidió. «Lot Motun llamó a su perro. El perro levantó las orejas y, con el rabo entre las patas, se acercó a su amo. Lot tiró de las orejas cortas y raquíticas del animal y se revolcó con él en el barro.»

La señorita Willerton se apoyó en el respaldo. Era un buen comienzo. Ahora planificaría la acción. Había que incluir una mujer, claro. A lo mejor Lot podía matarla. Ese tipo de mujeres siempre sembraba cizaña. Incluso podía provocarlo para que acabara matándola por libertina y, después, quizá a él lo perseguiría la mala conciencia.

Si debía tomar ese rumbo, sería necesario dotarlo de principios, aunque no sería demasiado difícil dárselos. Se preguntó de qué manera introduciría ese aspecto, en vista de toda la atención que en el relato debía dedicarle al amor. Tendría que poner algunas escenas bastante violentas y naturalistas; el tipo de detalles sádicos que una leía en relación con esa clase de gente. Era un problema. Sin embargo, la señorita Willerton disfrutaba con esos problemas. Lo que más le gustaba era planificar las escenas pasionales, pero, cuando llegaba el momento de escribirlas, siempre empezaba a sentirse rara y a preguntarse qué diría su familia cuando las leyeran. Garner chasquearía los dedos y le haría un guiño a la menor oportunidad; Bertha la consideraría una persona horrible; y Lucía diría con esa vocecita tonta que la caracterizaba: «¿Qué nos has estado ocultando, Willie? ¿Qué nos has estado ocultando?», y lanzaría su risita ahogada, como hacía siempre. Pero la señorita Willerton no podía pensar en eso ahora; debía darle forma a sus personajes.

Lot sería alto, encorvado y desaliñado, pero sus ojos serían tristes y lo harían parecerse a un caballero pese a tener el cuello enrojecido y las manos enormes y torpes. Tendría los dientes rectos y, para indicar que era dueño de cierto espíritu, sería pelirrojo. Las prendas le colgarían sin gracia, pero las luciría con desenfado, como si fuesen una segunda piel; tal vez, reflexionó la señorita Willerton, sería mejor, después de todo, que no se revolcara con el perro. La mujer sería más o menos guapa, con el pelo rubio, los tobillos gruesos, los ojos turbios.

La mujer le serviría la cena en la cabaña y él comería la sémola llena de grumos a la que ella ni siquiera se habría molestado en ponerle sal y, allí sentado, pensaría en cosas grandiosas, lejos, muy lejos… en otra vaca, una casa pintada, un pozo limpio, incluso una granja propia. La mujer empezaría a dar alaridos porque él no había cortado suficiente leña para la cocina y se quejaría del dolor de espalda. Ella se sentaría a verlo comer la sémola rancia y le diría que no tenía suficientes agallas para robar comida.

-¡Eres un asqueroso pordiosero! -le diría con sorna. Y él la mandaría callar.

-¡Cierra la boca!-gritaría.

-Me tienes harta, más que harta. -Pondría los ojos en blanco y, burlándose y riéndose de él, le diría-: Los desgraciados como tú no me dan miedo.

Entonces él echaría la silla hacia atrás e iría hacia ella. Ella agarraría un cuchillo de la mesa -la señorita Willerton se preguntó cómo era posible que aquella mujer fuera tan corta-, y retrocedería manteniendo el cuchillo en alto. Él daría un salto hacia delante y ella se apartaría veloz, como un caballo salvaje. Luego volverían a estar cara a cara, los ojos rebosantes de odio, y avanzarían y retrocederían. La señorita Willerton alcanzó a oír cómo los segundos iban golpeando contra el tejado de lata. Él se abalanzaría otra vez sobre la mujer y ella, con el cuchillo dispuesto, se lo hincaría de un momento a otro… La señorita Willerton no pudo aguantar más. Golpeó a la mujer con fuerza en la cabeza, por detrás. La mujer soltó el cuchillo y una niebla la envolvió y se la llevó del cuarto. La señorita Willerton se volvió hacia Lot.

-Deja que te sirva un poco de sémola caliente -le dijo.

Se acercó a la cocina, en un plato limpio sirvió una ración de sémola blanca y tersa y un trozo de mantequilla.

-Caray, gracias -dijo Lot, y le sonrió con esos bonitos dientes-. Tú sí sabes cómo prepararla. Verás -le dijo-, estuve pensando… Podríamos marcharnos de esta granja arrendada y tener un lugar decente. Si este año conseguimos ganar algo, podríamos comprarnos una vaca y empezar a construirnos una casita. Imagínatelo, Willie, imagínate lo que sería.

Ella se sentó a su lado y le puso la mano en el hombro.

-Lo conseguiremos -aseguró-. Nos irá mejor que ningún otro año y en primavera tendremos esa vaca.

-Tú siempre sabes cómo me siento, Willie. Tú siempre lo has sabido.

Se quedaron sentados largo rato, pensando en lo bien que se entendían.

-Termina de comer -dijo ella al fin.

Cuando él hubo cenado, la ayudó a quitar la ceniza de la cocina y después, en el caluroso atardecer de julio, dieron un paseo por el prado, en dirección al arroyo, y hablaron de la casita de la que algún día serían dueños.

A finales de marzo, cuando la época de lluvias estaba cerca, habían conseguido más de lo esperado. A lo largo del mes anterior, Lot se había levantado a las cinco de la mañana, y Willie, una hora antes, para tratar de adelantar todo el trabajo posible aprovechando el buen tiempo. A la semana siguiente, comentó Lot, empezaría a llover y, si antes no levantaban la cosecha, la perderían… y con ella, cuanto habían ganado en los últimos meses. Sabían lo que aquello supondría, otro año de ir tirando sin mucho más de lo que habían tenido el anterior. Además, al año siguiente, en lugar de la vaca, llegaría un crío. Lot se había empeñado en comprar la vaca pese a todo.

-Alimentar a un crío tampoco cuesta tanto -había razonado-, y la vaca nos ayudaría a darle de comer…

Pero Willie se había mostrado firme, comprarían la vaca más adelante, el crío debía empezar con buen pie.

-A lo mejor -había concluido Lot-, vamos a tener suficiente para las dos cosas. -Y se había marchado a ver el campo recién arado como si pudiera calcular la cosecha por los surcos.

Pese a las estrecheces, había sido un buen año. Willie había limpiado la casucha y Lot había arreglado la chimenea. En la puerta había profusión de petunias, y en la ventana, una colonia de dragoncillos. Había sido un año pacífico. Pero ahora comenzaban a inquietarse por la cosecha. Debían recogerla antes de que llegaran las lluvias.

-Nos falta una semana más -rezongó Lot al regresar esa noche-. Una semana más y lo vamos a conseguir. ¿Tienes ganas de cosechar? No está bien que debas salir -suspiró-, pero no podemos pagar a nadie para que nos ayude.

-Me encuentro bien -dijo ella, y ocultó las manos temblorosas a su espalda-. Cosecharé.

-Esta noche está nublado -dijo Lot, sombrío.

Al día siguiente trabajaron hasta el anochecer, trabajaron hasta reventar, y después regresaron a trompicones a la cabaña y cayeron en la cama.

Willie se despertó por la noche, notando un dolor. Era un dolor suave y verde, recorrido de luces moradas. Se preguntó si estaría despierta. Movió la cabeza de lado a lado y dentro de ella notó unas siluetas que zumbaban y picaban piedras.

Lot se incorporó.

-¿Te sientes mal? -le preguntó temblando.

Ella se apoyó sobre el codo y luego se dejó caer otra vez.

Ve al arroyo y trae a Anna -jadeó. El zumbido se hizo más intenso y las siluetas más grises. Al principio, el dolor se entremezcló con aquellas siluetas durante unos segundos; luego, de forma ininterrumpida. Llegaba a ella una y otra vez. El zumbido se hizo más nítido y, a eso del alba, se dio cuenta de que estaba lloviendo. Más tarde preguntó con voz ronca:

-¿Cuánto hace que llueve?

-Dos días enteros -contestó Lot.

-Entonces hemos perdido. -Willie miró con desgana los árboles empapados-. Se acabó.

-No, no se acabó -dijo él en voz baja-. Tenemos una niña.

-Tú querías un niño.

-No. Tengo lo que quería, dos Willies en lugar de una, y eso es mucho mejor que una vaca -sonrió-. ¿Qué puedo hacer para merecerme todo lo que tengo, Willie? -Seinclinó y la besó en la frente.

-¿Qué puedo hacer yo? -preguntó ella en voz baja-. ¿Qué puedo hacer paraayudarte más?

-¿Qué tal si vas al mercado, Willie?

La señorita Willerton apartó de sí a Lot de un empujón.

-¿Qué… qué me decías, Lucía? -tartamudeó.

-Te decía que qué tal si esta vez vas tú al mercado. Esta semana meha tocado ir a mí todas las mañanas y ahora estoy ocupada.

La señorita Willerton dejó la máquina de escribir y dijo con brusquedad:

-Muy bien. ¿Qué quieres que te traiga?

-Una docena de huevos y dos libras de tomates, que sean maduros, y más te vale que empieces a curarte ese resfriado ahora mismo. Te lloran los ojos y tienes la voz ronca. En el cuarto de baño hay Empirin. Pide que anoten lo que gastes en nuestra cuenta. Yponte el abrigo. Hace frío.

La señorita Willerton elevó la vista al cielo.

-Tengo cuarenta y cuatro años -anunció-, sé muy bien cómo cuidarme.

-Y que los tomates sean maduros -le contestó la señorita Lucía.

Con el abrigo mal abrochado, la señorita Willerton avanzó pesadamente por la calle principal y entró en el supermercado.

-¿Qué venía yo a comprar? -refunfuñó-. Ah, sí, dos docenas de huevos y una libra de tomates.

Pasó delante de las estanterías de vegetales enlatados y de las galletas y fue a la caja donde tenían los huevos. Pero no había huevos.

-¿Dónde están los huevos? -le preguntó a un chico que pesaba frijoles.

-Solamente nos quedan huevos de pularda -dijo mientras cogía otro puñado de frijoles.

-Bien, ¿dónde están y qué diferencia hay? -exigió saber la señorita Willerton.

El chico echó los frijoles sobrantes al cubo, se agachó sobre la caja de los huevos y le entregó un paquete.

-Ninguna diferencia, la verdad -dijo al tiempo que mascaba el chicle con los dientes incisivos-. Son de gallinas adolescentes o algo así, no lo sé bien. ¿Se los pongo?

-Sí, y dos libras de tomates. Que estén maduros -precisó la señorita Willerton.

No le gustaba hacer la compra. No había motivo alguno para que los dependientes fuesen tan altaneros. Ese muchacho no se habría entretenido tanto con Lucía. Pagó los huevos y los tomates y salió apresuradamente. En cierta manera, aquel lugar la deprimía.

Vaya tontería que un supermercado pudiese deprimir… si allí dentro solo tenían lugar actividades domésticas sin importancia… mujeres que compraban frijoles… que llevaban a los niños en esos cochecitos… que regateaban por un octavo de libra de más o de menos de calabaza… «¿Qué ganaban con eso? -se preguntó la señorita Willerton-. ¿Dónde había allí ocasión para expresarse, para crear, para el arte?» A su alrededor todo era lo mismo: aceras llenas de gente que se afanaban de un lado a otro, con las manos cargadas de paquetitos y las mentes llenas de paquetitos, aquella mujer de allí que llevaba al niño de la cadena y tiraba de él, lo sacudía y lo arrastraba para alejarlo de un escaparate donde se exhibía una lámpara hecha con una calabaza ahuecada. Probablemente se pasaría el resto de la vida tirando de él y sacudiéndolo. Y allí iba otra, a la que se le caía la bolsa de la compra en plena calzada, y otra más, que le sonaba la nariz a un niño, y por la acera se acercaban una anciana con sus tres nietos saltándole alrededor, seguidos de un hombre y una mujer que caminaban demasiado juntos para ser refinados.

La señorita Willerton observó a la pareja con atención cuando se acercaron más y la adelantaron. La mujer era regordeta, de tobillos gruesos y ojos turbios. Llevaba unos zapatos de tacón, unas ajorcas azules, un vestido de algodón demasiado corto y una chaqueta de cuadros escoceses. Tenía la piel manchada y el cuello estirado hacia delante, como si quisiera oler una cosa que le alejaran continuamente de la nariz. En la cara lucía una mueca estúpida. Él era un hombre larguirucho, consumido y desaliñado. Iba encorvado, y el pelo rubio y enredado le caía hacia un lado del cuello largo y enrojecido. Sus manos jugueteaban tontamente con las de la muchacha mientras avanzaban desmañados, y en una o dos ocasiones le lanzó una sonrisa empalagosa, que permitió a la señorita Willerton comprobar que tenía los dientes rectos, los ojos tristes y una erupción en la frente.

-¡Aaah! -se estremeció.

La señorita Willerton dejó la compra encima de la mesa de la cocina y regresó junto a la máquina de escribir. Miró el papel que había en ella. «Lot Motun llamó a su perro – ponía-. El perro levantó las orejas y, con el rabo entre las patas, se acercó a su amo. Lot tiró de las orejas cortas y raquíticas del animal y se revolcó con él en el barro.»

-¡Suena fatal! -masculló la señorita Willerton-. De todos modos, el tema no es nada del otro mundo -decidió.

Necesitaba algo más pintoresco… con más arte. La señorita Willerton se quedó largo rato mirando la máquina de escribir. Después, de repente, con el puño asestó varios golpecitos extasiados sobre el escritorio.

-¡Los irlandeses!-chilló-. ¡Los irlandeses!

La señorita Willerton siempre había admirado a los irlandeses. «Su acento -pensó-, era muy musical, y su historia… ¡espléndida!» «¡Y las gentes -caviló-, las gentes de Irlanda! Llenas de temple… pelirrojas, de anchos hombros y enormes bigotes caídos.»

FIN

“The Crop”,
Mademoiselle, 1971

Biblioteca Digital Ciudad Seva