É imprescindível que se desenvolva uma cultura da arbitragem
em nosso país, para que a lei também possa ser corretamente aplicada
Um dos objetivos do processo de modernização é a diminuição
da tutela do Estado e o consequente aumento dos poderes da cidadania.
Importante em termos de mudança social, embora pouco
percebida pela própria sociedade, essa transformação é essencial, pois trata de
criar mecanismos de proteção e garantias individuais que se conformem, não só
sob o ponto de vista jurídico mas também sob aspectos econômicos e sociais, com
o pleno exercício dos direitos humanos.
Exemplos significativos encontram-se no Código de Defesa do
Consumidor, nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e no Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Ademais, em 2004, foi promulgada a emenda constitucional nº
45, dispondo sobre a reforma do Judiciário e que ensejou, em consequência, a
aprovação de novas leis processuais que concorreram para o melhor funcionamento
de nosso poder judicante.
Agora, estamos comemorando o 15º aniversário da lei nº
9.307, que dispõe sobre arbitragem e cujo projeto tive a iniciativa de
apresentar ao Senado Federal em 1992.
Naquela ocasião, observei que o texto, caso aprovado, iria
significar o aparecimento de uma instância alternativa à prestação
jurisdicional por parte do Estado.
Há no Brasil uma demanda da sociedade direcionada no sentido
de tornar mais célere a prestação jurisdicional, pois, como ressaltou Rui
Barbosa, em sua sempre recordada "Oração aos Moços", "justiça
atrasada não é justiça, e sim injustiça qualificada e manifesta".
Se tal representa um estorvo para as partes, não deixa de
constituir, igualmente, um tormento para os advogados e uma preocupação para os
magistrados, que vivenciam o crescimento geométrico das lides. A arbitragem,
conquanto seja instituto que só agora está sendo exercitado entre nós, não é
algo novo em nosso Direito positivo legislado.
Basta lembrar o artigo 160 da Constituição de 1824, prevendo
que, em causas cíveis e penais, civilmente intentadas, poderiam as partes
"nomear juízes árbitros", cujas sentenças seriam "executadas sem
recursos, se assim o convencionarem ambas as partes".
Frise-se, ainda, o fato de a arbitragem ter permanecido
letra morta nas práticas jurídicas brasileiras, apesar de estar prevista no
Código Civil que vigorou de 1917 a 2002.
Esse hábito não pode ser imputado à falta de tradição do
instituto em nosso Direito, mas à disciplina da matéria, que subordinava a
arbitragem à homologação judicial.
Carecia-se, portanto, de provisão legal que desse a esse
instituto, tão amplamente usado em outros países e no Direito internacional
público, eficácia jurídica integral.
As vantagens que oferece sobrelevam de muito os processos
jurisdicionais estatais: quer pela celeridade do rito escolhido, quer pela
especialização dos árbitros, mediante a faculdade de se escolherem os experts
na referida matéria; quer pelo sigilo, quando tal se impõe; quer pela
flexibilidade dos atos procedimentais; quer pela menor onerosidade dos custos;
quer pela exequibilidade das decisões arbitrais, como títulos executivos que
são.
É de todo necessário, entretanto, que se continue a apoiar o
sistema de arbitragem em nosso país.
Para tal fim, é imprescindível que se desenvolva uma cultura
da arbitragem, para que a lei seja não apenas adequadamente apreendida pela
sociedade, mas também corretamente aplicada.
MARCO MACIEL é membro da Academia Brasileira de Letras. Foi
vice-presidente da República (1995-1998 e 1999-2002), ministro da Educação
(governo Sarney), senador e governador de Pernambuco (1978-1985).
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