sábado, 26 de novembro de 2016

AGRONEGÓCIO E A MORTE DA AMAZÔNIA


por Leão Serva

É comum ver nos discursos de empresários e políticos o pensamento ufanista sobre as maravilhas de nosso agronegócio, dizendo que a produção brasileira "alimenta o mundo" e que nosso gado é "verde". É um discurso que lembra a propaganda do Brasil Grande, de triste memória, e tenta pôr uma grande sujeira para baixo do tapete.
Os estrangeiros já sabem: nossa exploração agrícola, soja à frente, já destruiu 4 de cada 10 hectares de cerrado. Nesse ritmo, esse ecossistema estará extinto em 20 anos. Não é à toa, visto que o nosso gado tem a pior produtividade do mundo: uma vaca ocupa, para engordar, um hectare de terra, cada vez mais frequentemente roubado à Amazônia. Com os mesmos metros quadrados, um agricultor europeu produz alimentos nobres e caros, para alimentar e enriquecer seres humanos. Enquanto isso, nossa soja alimenta porcos na China.
Se computarmos o dano irreversível ao meio ambiente, bem público que destrói com a devastação da terra, e o somarmos aos subsídios e às generosas rolagens de dívidas dos grandes produtores, o cálculo revelará um agronegócio insustentável. Em vez de alimentar o mundo e enriquecer os brasileiros, ele se tornou uma destrutiva usina de insumo industrial barato.
É um modelo que ameaça (ao invés de garantir) o objetivo de dobrar a produção mundial de alimentos em 35 anos para receber 2 bilhões de novas bocas. Para fazer sua parte, alimentar os brasileiros e ganhar dinheiro exportando comida de gente, não de suínos, é necessário mudar a escandalosa cultura de desperdício do campo brasileiro.
Quando se trata de plantar para dar de comer a rebanhos, a chamada "taxa de conversão" é muito baixa: uma vaca dá três calorias de carne para cada cem calorias de grãos que come para engordar (sim, 3%); o porco produz dez calorias, e o frango, 12, para cada cem que consome. É melhor o aproveitamento da vaca leiteira (40 calorias no leite) e da galinha poedeira (12 no ovo, para cada cem consumidas). Em outras palavras, gerar proteína animal é sempre um péssimo negócio, e o boi é o pior de todos.
E como funciona o agronegócio brasileiro? Metade de nossa produção agrícola é ração de animais a preços irrisórios. E a estrela de nossa pecuária é exatamente a carne de vaca. Enquanto isso, importamos feijão e outros alimentos pagando mais caro.
O Brasil viveu até hoje com a falsa impressão de que a água e a terra eram bens infinitos. Essa visão está em xeque com a crise hídrica, causada em parte pelo desmatamento da Amazônia e do cerrado. Num país em que a água escasseia, quase 70% de seu consumo é para irrigação de áreas de cultivo. A pecuária é um mata-borrão: suga 11% de nossa água -mesmo consumo dos 200 milhões de humanos do Brasil.
Com o desmatamento para abrir pastos, fontes de água são destruídas e o regime de chuvas muda. O gado não somente consome verdadeiras cachoeiras em seu processo de engorda, como já produz escassez antes mesmo de ocupar os extensos hectares de floresta que destrói.
Gastamos água, que falta a humanos, para matar a sede infinita das vacas e regar a soja que vai ser exportada a preços irrisórios. Enquanto isso, continuamos a nos ufanar de uma opção econômica que está nos consumindo a todos, com a água e a terra fartas que um dia este Brasil ganhou de presente.
Leão Serva - ex-secretário de Redação da Folha, é jornalista, escritor e coautor de “Como Viver em SP sem Carro”.

http://www1.folha.uol.com.br/…/1552073-agronegocio-e-a-mort…
Só o facto de sonhar já é muito importante. Desejo-lhe sonhos a não mais acabar e inveja furiosa de realizar alguns. Desejo-lhe de amar o que é preciso amar, e esquecer o que é preciso esquecer. Desejo-lhe as paixões, desejo-lhe dos silêncios. Desejo-lhe o canto das aves ao acordar e risos de crianças. Desejo-lhe de respeitar as diferenças dos outros, porque o mérito e o valor de cada um são frequentemente a descobrir. Desejo-lhe de resistir à estagnação, a indiferença e às virtudes negativas da nossa época. Desejo-lhe, finalmente, de nunca desistir da busca, à aventura, à vida, ao amor, porque a vida é uma maravilhosa aventura e nulo de razoável não deve renunciar sem entregar uma dura batalha. Desejo-lhe, sobretudo, de ser você, orgulhoso e feliz, porque a felicidade é nosso destino verdadeiro.
 Jacques Brel

fonte : Passion des mots, passion de la vie

Fidel

 por Eduardo Galeano


"Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo. [...] E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta."

Fidel Castro presente


Admirado e odiado. Assim era Fidel Castro. Pode-se concordar ou não com suas posições, mas jamais ignorá-las. Isso porque Fidel não foi apenas o principal líder de uma das mais extraordinárias páginas da história do século XX – a Revolução Cubana. Ele se tornou uma referência mundial de rupturas revolucionárias com intensa participação popular e exemplo de libertação para povos oprimidos do mundo todo. E mostrou com sua longeva liderança que um povo pode resistir às investidas da maior potência bélica durante quase seis décadas sem abrir mão de sua soberania. Fidel tornou-se símbolo de um tempo: aquele em que homens e mulheres enfrentavam corajosamente a morte em busca da liberdade, como fizeram antes dele Martí e Bolívar, como fizeram depois dele milhares de revolucionários em todo o mundo. Mas Fidel é também um homem do nosso tempo. E por isso suas ideias continuaram ecoando. De um lado, com o controle mundial da mídia, os capitalistas e reacionários combatendo com todas as forças a revolução cubana, hostilizando-a e manipulando a realidade. De outro, essa revolução humanista e seu comandante continuaram sensibilizando milhões de lutadores por uma sociedades mais justa e igualitária, erguendo alto a bandeira do socialismo.

Minha geração aprendeu a admirar Fidel, sem deixar de criticar seus erros. Isso porque ele jamais abandonou seu compromisso com a humanidade e a igualdade social, na lógica de que o homem não pode ser o lobo do próprio homem. Para quem foi forjado na luta contra a Ditadura Militar, isso não era e não é pouca coisa.

Fidel nunca cedeu às tentações do voluntarismo ou da conciliação, como fizeram e fazem muitos outros líderes políticos de seu tempo. Da guerrilha de Sierra Maestra à resistência à invasão da Baía dos Porcos, da ameaça nuclear contra Cuba e o seu povo ao bloqueio imperialista, do internacionalismo socialista ao desaparecimento da União Soviética que tanto sacrificou o povo cubano, Fidel demonstrou coragem e liderança revolucionária. Demonstrou também que os valores da liberdade, da soberania nacional e da igualdade de direitos para ele não tinham preço. Incorruptível, manteve a unidade do povo e da revolução através do seu exemplo de vida e dedicação.

Mesmo sendo Cuba uma pobre ilha que teve que reorganizar completamente seu sistema econômico depois da revolução, Fidel apostou na transformação cultural do povo para construir o que Guevara chamou de “o novo homem e a nova mulher”. Com todas as dificuldades impostas pelo cerco imperialista, construiu um dos melhores sistemas de educação e saúde do planeta e conseguiu mostrar que mesmo sendo um país pobre, Cuba é exemplo de dignidade e altivez para o ser humano. E foi o bloqueio imperialista que acabou por contaminar a florescente democracia cubana, forçou a militarização da sociedade e a formação de uma burocracia forte. Os imperialistas e o capitalismo mundial cercam e oprimem Cuba durante décadas e querem exigir uma democracia liberal semelhante às suas. A pergunta que fica é: como obstinadamente o povo cubano conseguiu construir, na América Latina, a sociedade menos injusta?

Pode-se afirmar desse revolucionário que atravessou o século XX para chegar ao XXI que ele é um homem de seu tempo, mas que esteve vários passos à frente, elevou como ninguém essa condição de humano, portanto imperfeito, mas vocacionado a trazer a esperança de um mundo de iguais.


Por isso, neste dia triste para a esquerda mundial, lembrar da trajetória de Fidel e seu legado é a melhor forma de reafirmar nosso compromisso com a transformação social, a ética e a justiça também no Brasil.

Ivan Valente .



Fidel Castro foi homem do seu tempo e contradições. O vejo mais ou menos como o tardio Pai Fundador de Cuba independente no século XX, tipo Mandela, na África do Sul, Gandhi, na Índia, Nasser no Egito, Sukarno na Indonésia. Comparemos Cuba com o Haiti e sua imensa pobreza, Porto Rico, uma colônia de entreguistas, uma República Dominicana e podemos observar a igualdade social, a mortalidade infantil, a expectativa de vida, o número de centenários em Cuba, dados sociais desenvolvidos em uma ilha pobre, ultrapassando o Japão. Outra característica muito ibérica de Fidel, certo caudillismo, para o bem e para o mal, muitas vezes democrático, outras vezes autoritário, em uma ilha tão cercada, ameaçada e próxima de um buraco como Miami. Por último a lembrança de Maquiavel - Todos os profetas armados venceram, e os desarmados foram destruídos. Com Fidel termina o século XX na América Latina, mas suas contradições prosseguem.

Ricardo Costa de Oliveira
Leonardo Avritzer

A morte de Fidel Castro e as diferentes discussões que ela já está suscitando mostram a continuidade dos problemas da América Latina nos anos 60 e hoje. De um lado, qualquer avaliação das ações do líder cubano não pode deixar de ignorar os elementos não democráticos e as fortes violações dos direitos humanos em Cuba. Cuba não foi capaz de criar um modelo democrático e pluralista de socialismo. Na verdade, ela reproduziu os mesmos dilemas da ex-União Soviética, e Europa Oriental.

Mas a herança de Fidel tem que ser avaliada colocando os dilemas históricos da América Latina em perspectiva. Cuba foi capaz de quase erradicar a pobreza e diminuir a desigualdade, problema esse que a AL continua a enfrentar quase 60 anos depois da revolução cubana. Quando vemos o que o Macri fez nos últimos 12 meses na Argentina e o que o Temer está fazendo no Brasil percebemos o sentido no qual a revolução cubana foi capaz de atrair tantos apoiadores na região. As elites latino-americanas continuam pouco democráticas e absolutamente incapazes de lidar com o problema da desigualdade.