por Leão Serva
É comum ver nos discursos de empresários e políticos o
pensamento ufanista sobre as maravilhas de nosso agronegócio, dizendo que a
produção brasileira "alimenta o mundo" e que nosso gado é
"verde". É um discurso que lembra a propaganda do Brasil Grande, de
triste memória, e tenta pôr uma grande sujeira para baixo do tapete.
Os estrangeiros já sabem: nossa exploração agrícola, soja à
frente, já destruiu 4 de cada 10 hectares de cerrado. Nesse ritmo, esse
ecossistema estará extinto em 20 anos. Não é à toa, visto que o nosso gado tem
a pior produtividade do mundo: uma vaca ocupa, para engordar, um hectare de
terra, cada vez mais frequentemente roubado à Amazônia. Com os mesmos metros quadrados,
um agricultor europeu produz alimentos nobres e caros, para alimentar e
enriquecer seres humanos. Enquanto isso, nossa soja alimenta porcos na China.
Se computarmos o dano irreversível ao meio ambiente, bem
público que destrói com a devastação da terra, e o somarmos aos subsídios e às
generosas rolagens de dívidas dos grandes produtores, o cálculo revelará um
agronegócio insustentável. Em vez de alimentar o mundo e enriquecer os
brasileiros, ele se tornou uma destrutiva usina de insumo industrial barato.
É um modelo que ameaça (ao invés de garantir) o objetivo de
dobrar a produção mundial de alimentos em 35 anos para receber 2 bilhões de
novas bocas. Para fazer sua parte, alimentar os brasileiros e ganhar dinheiro
exportando comida de gente, não de suínos, é necessário mudar a escandalosa
cultura de desperdício do campo brasileiro.
Quando se trata de plantar para dar de comer a rebanhos, a
chamada "taxa de conversão" é muito baixa: uma vaca dá três calorias
de carne para cada cem calorias de grãos que come para engordar (sim, 3%); o
porco produz dez calorias, e o frango, 12, para cada cem que consome. É melhor
o aproveitamento da vaca leiteira (40 calorias no leite) e da galinha poedeira
(12 no ovo, para cada cem consumidas). Em outras palavras, gerar proteína
animal é sempre um péssimo negócio, e o boi é o pior de todos.
E como funciona o agronegócio brasileiro? Metade de nossa
produção agrícola é ração de animais a preços irrisórios. E a estrela de nossa
pecuária é exatamente a carne de vaca. Enquanto isso, importamos feijão e
outros alimentos pagando mais caro.
O Brasil viveu até hoje com a falsa impressão de que a água
e a terra eram bens infinitos. Essa visão está em xeque com a crise hídrica,
causada em parte pelo desmatamento da Amazônia e do cerrado. Num país em que a
água escasseia, quase 70% de seu consumo é para irrigação de áreas de cultivo.
A pecuária é um mata-borrão: suga 11% de nossa água -mesmo consumo dos 200
milhões de humanos do Brasil.
Com o desmatamento para abrir pastos, fontes de água são
destruídas e o regime de chuvas muda. O gado não somente consome verdadeiras
cachoeiras em seu processo de engorda, como já produz escassez antes mesmo de
ocupar os extensos hectares de floresta que destrói.
Gastamos água, que falta a humanos, para matar a sede
infinita das vacas e regar a soja que vai ser exportada a preços irrisórios.
Enquanto isso, continuamos a nos ufanar de uma opção econômica que está nos
consumindo a todos, com a água e a terra fartas que um dia este Brasil ganhou
de presente.
Leão Serva - ex-secretário de Redação da Folha, é
jornalista, escritor e coautor de “Como Viver em SP sem Carro”.
http://www1.folha.uol.com.br/…/1552073-agronegocio-e-a-mort…