terça-feira, 9 de novembro de 2010
Considerar alguém como culpado, porque pertence a uma coletividade á qual ele não "escolheu " pertencer , não é característica própria só do racismo.Todo nacionalismo mais intenso, e até mesmo qualquer bairrismo, consideram sempre os outros ( certos outros ) como culpados por serem o que são, por não pertencerem a uma coletividade à qual não escolheram pertencer.(...)
Cornelius Castoriadis
Cornelius Castoriadis
A crônica como espelho do mundo
A crônica sempre foi definida como uma forma brasileira de aparentemente jogar conversa fora, só que – dependendo de quem a escreve – resulta em algo de boa qualidade literária. É o caso de Antonio Prata, que reuniu um punhado delas para formar o livro Meio Intelectual, Meio de Esquerda (Editora 34), que será lançado hoje à noite, no Centro Cultural Rio Verde.
Boa parte do material foi publicado pelo Estado entre 2004 e este ano – primeiro no Guia, depois no caderno Metrópole. Uma constância que poderia levá-lo a acionar o piloto automático, ou seja, fisgar um assunto palpitante no noticiário de hoje para digeri-lo até transformá-lo na crônica de amanhã. Ou, pior: usar o já velho e rasteiro recurso de escrever sobre a falta de assunto quando a inspiração lhe falta. Prata, no entanto, é como Vinicius de Morais para quem escrever prosa é uma arte ingrata: ambos acreditam na crônica como um texto limpo, simples e com graça, sem prejuízo do interesse humano ou informativo.
Basta tomar o texto que inspira o título do livro, Bar Ruim É Lindo, Bicho. Ao se definir como meio intelectual, meio de esquerda, Prata aproveita para traçar o perfil da interessante dualidade da qual muitos se orgulham por acreditarem capazes de falar com desenvoltura tanto do cinema de Tarkovski como do golaço do corintiano Bruno César.
“Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos sobre literatura”, escreve ele, cujo faro para os bons assuntos é sempre temperado por um bom humor, como conta na seguinte entrevista.
Que tipo de assunto mais o interessa ao escrever crônicas?
Assuntos do cotidiano, aparentemente pequenos e desprezíveis. A partir deles, tento chegar a temas maiores. É pela beirada que se come a sopa da crônica.
Boa parte das crônicas reunidas em Meio Intelectual, Meio de Esquerda foi publicada no Estado. Seu interesse, portanto, é o de não confrontar com o noticiário, ou seja, focar em assuntos que não eram estavam nas páginas do jornal?
A crônica é um respiro. É o lugar onde o leitor, cansado de fichas limpas e arrastões, pode encontrar outro tema. Agora, dizer que os assuntos não são “jornalísticos” não significa que não sejam pertinentes e atuais. Ninguém vai escrever uma matéria sobre como os domingos são tristes, mas esse é um tema real, sobre o qual o cronista pode falar.
Que tipo de esboços você faz antes de escrever?
Até a hora que eu mando a crônica, ela é um grande esboço. Alguém já disse que escrever é reescrever: demoro muito tempo trabalhando e retrabalhando cada texto.
Você acredita que a literatura dá conta da realidade de hoje, que é tão complexa e acelerada?
Não sei se está dando conta da realidade, mas é nos momentos em que a realidade se torna complexa que surge a melhor literatura. Veja as tragédias gregas, quando aquelas pessoas passavam de um pensamento mítico e religioso para o racional e filosófico, veja Cervantes, no início do século 17, época em que o parafuso do pensamento dava uma segunda grande volta e surgia a ciência moderna, mandando os gigantes, a bruxaria, o geocentrismo e outras fábulas pra cucuia. Comparado a esses momentos, o mundo atual até parece bem simplezinho!
A solidão é fundamental para o escritor?
Fundamental. E hoje, com redes sociais, BlackBerries e outros cacarecos da comunicação, ficar sozinho é cada vez mais difícil. Cada texto terminado é uma vitória triunfal do Word contra o Twitter, o Facebook, o Outlook…
Você tem o hábito de mostrar o que escreve a outros escritores antes de publicar?
Crônicas, muito raramente. Como escrevo cerca de duas por semana, há muitos anos, já ia ter exaurido a paciência dos meus amigos faz tempo. Agora, quando estou escrevendo um conto ou romance e preciso de alguma ajuda, mostro trechos para amigos escritores e eles me ajudam bastante.
MEIO INTELECTUAL, MEIO DE ESQUERDA
Autor: Antonio Prata (Editora 34, 176 págs., R$ 30)
Fonte : O Estado de S.Paulo
Boa parte do material foi publicado pelo Estado entre 2004 e este ano – primeiro no Guia, depois no caderno Metrópole. Uma constância que poderia levá-lo a acionar o piloto automático, ou seja, fisgar um assunto palpitante no noticiário de hoje para digeri-lo até transformá-lo na crônica de amanhã. Ou, pior: usar o já velho e rasteiro recurso de escrever sobre a falta de assunto quando a inspiração lhe falta. Prata, no entanto, é como Vinicius de Morais para quem escrever prosa é uma arte ingrata: ambos acreditam na crônica como um texto limpo, simples e com graça, sem prejuízo do interesse humano ou informativo.
Basta tomar o texto que inspira o título do livro, Bar Ruim É Lindo, Bicho. Ao se definir como meio intelectual, meio de esquerda, Prata aproveita para traçar o perfil da interessante dualidade da qual muitos se orgulham por acreditarem capazes de falar com desenvoltura tanto do cinema de Tarkovski como do golaço do corintiano Bruno César.
“Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos sobre literatura”, escreve ele, cujo faro para os bons assuntos é sempre temperado por um bom humor, como conta na seguinte entrevista.
Que tipo de assunto mais o interessa ao escrever crônicas?
Assuntos do cotidiano, aparentemente pequenos e desprezíveis. A partir deles, tento chegar a temas maiores. É pela beirada que se come a sopa da crônica.
Boa parte das crônicas reunidas em Meio Intelectual, Meio de Esquerda foi publicada no Estado. Seu interesse, portanto, é o de não confrontar com o noticiário, ou seja, focar em assuntos que não eram estavam nas páginas do jornal?
A crônica é um respiro. É o lugar onde o leitor, cansado de fichas limpas e arrastões, pode encontrar outro tema. Agora, dizer que os assuntos não são “jornalísticos” não significa que não sejam pertinentes e atuais. Ninguém vai escrever uma matéria sobre como os domingos são tristes, mas esse é um tema real, sobre o qual o cronista pode falar.
Que tipo de esboços você faz antes de escrever?
Até a hora que eu mando a crônica, ela é um grande esboço. Alguém já disse que escrever é reescrever: demoro muito tempo trabalhando e retrabalhando cada texto.
Você acredita que a literatura dá conta da realidade de hoje, que é tão complexa e acelerada?
Não sei se está dando conta da realidade, mas é nos momentos em que a realidade se torna complexa que surge a melhor literatura. Veja as tragédias gregas, quando aquelas pessoas passavam de um pensamento mítico e religioso para o racional e filosófico, veja Cervantes, no início do século 17, época em que o parafuso do pensamento dava uma segunda grande volta e surgia a ciência moderna, mandando os gigantes, a bruxaria, o geocentrismo e outras fábulas pra cucuia. Comparado a esses momentos, o mundo atual até parece bem simplezinho!
A solidão é fundamental para o escritor?
Fundamental. E hoje, com redes sociais, BlackBerries e outros cacarecos da comunicação, ficar sozinho é cada vez mais difícil. Cada texto terminado é uma vitória triunfal do Word contra o Twitter, o Facebook, o Outlook…
Você tem o hábito de mostrar o que escreve a outros escritores antes de publicar?
Crônicas, muito raramente. Como escrevo cerca de duas por semana, há muitos anos, já ia ter exaurido a paciência dos meus amigos faz tempo. Agora, quando estou escrevendo um conto ou romance e preciso de alguma ajuda, mostro trechos para amigos escritores e eles me ajudam bastante.
MEIO INTELECTUAL, MEIO DE ESQUERDA
Autor: Antonio Prata (Editora 34, 176 págs., R$ 30)
Fonte : O Estado de S.Paulo
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