J. Carlos de Assis*
reprodução Em artigo anterior expus os vícios praticados
pelos noticiaristas e comentaristas da Globo na cobertura distorcida do
noticiário nacional. Agora vou acabar o serviço fazendo uma análise sumária do
noticiário internacional. Este é o campo preferido de William Waack, onde, com
seus esgares característicos, ele nada de braçadas, ora vocalizando os
interesses do Departamento de Estado americano, ora fulminando com a política de
integração sul americana iniciada na gestão de Lula e aprofundada no governo
Dilma.
As duas mais brilhantes conquistas da diplomacia brasileira
há décadas, a construção da Unasul e o apoio decidido à organização dos BRICS,
pareceram à Globo um passo insignificante ou nulo para os interesses
brasileiros objetivos. Por puro viés ideológico, ela desmereceu o momento
político mais positivo da região, em décadas, criado por afinidades
democráticas entre os presidentes da América do Sul. E relegou a Arnaldo Jabor
a tarefa de caracterizar a Unasul como uma entidade ideológica esquerdista e
insignificante.
A motivação óbvia é o descompasso potencial entre Unasul e
os interesses norte-americanos, defendidos diligentemente por Jabor, algo que
ficou ainda mais explícito com a organização dos BRICS. Neste caso, ao
interesse econômico concreto, a diplomacia brasileira adicionou um aspecto
adicional geoeconômico e geopolítico, tendo em vista a aproximação política do
Brasil com a China e, principalmente, com a Rússia – o grande rival nuclear
pós-Guerra Fria dos Estados Unidos no plano mundial. A atitude da Globo aqui
não foi principalmente de oposição mas de omissão ou desmerecimento.
Talvez o fato mais significativo em outro nível, a
subserviência da Globo à política racista americana pró-Israel e contra os
muçulmanos, tenha sido a cobertura pela tevê da iniciativa do Governo Lula no
sentido de uma solução para a questão nuclear iraniana. Com prévio conhecimento
de Obama, Brasil e Turquia propuseram um caminho ao Irã e aos Estados Unidos
para se chegar a um acordo aceitável para as partes. Israel ficou contra, e
obrigou os Estados Unidos a voltarem atrás e abortar a iniciativa. Obama se
comportou, portanto, como um mau-caráter servil aos belicistas, e o Jornal de
Waack tomou o lado dos belicistas.
A Globo regozijou-se com o mau resultado da legítima
tentativa do Brasil, como membro temporário do Conselho de Segurança da ONU, de
tentar ajudar no encaminhamento pacífico do mais prolongado e difícil conflito
no mundo contemporâneo. O comentarista Arnaldo Jabor festejou o que teria sido
um monumental fracasso brasileiro, condenando publicamente a interferência de
Lula num jogo político que lhe parecia ser destinado exclusivamente aos
“grandes”. Não houve uma única referência ao fato de que, pela primeira vez nas
negociações dos Estados Unidos (ou, como querem, do “ocidente”) com o Irã,
chegou-se muito próximo de um acordo por uma audaciosa e oportuna intervenção
brasileira e turca, quebrando o gelo das negociações.
Não posso imaginar nenhuma televisão no mundo que se coloque
tão abertamente contra iniciativas diplomáticas abertas de seu país, em
especial quando se trata de iniciativas de paz, como a rede Globo. Claro, para
Waack e Jabor mais vale uma gracinha na mão que um noticiário responsável
voando. A parcialidade em favor da direita anti-palestina de Israel, assim como
da direita norte-americana salta à vista. No caso do Irã, assim como foi
anteriormente no caso do Iraque, o interesse norte-americano vem descaradamente
coberto por um ente de razão chamado “ocidente”, como se houvesse uma real
coligação de países ocidentais coordenados pelo hegemon decadente. O que se
tem, hoje, na Europa é apenas medo da pressão diplomática e econômica
norte-americana.
Não fossem a internet e as redes sociais, jamais saberíamos
que o avião derrubado na Ucrânia o foi provavelmente por forças radicais do
governo de Kiev, e não pelos insurgentes russófilos; que o assassinato de
Allende foi orquestrado pelo Departamento de Estado; que o golpe brasileiro
teve o patrocínio direto americano; que a direita belicista israelense
sequestrou corações e mentes americanas; que o noticiário vindo dos Estados
Unidos está contaminado por uma visão parcial da história mediante o controle
direto pelo aparato de informação da notícia distribuída pelas agências.
Os repórteres da Globo enviados para o exterior, com
raríssimas exceções – posso citar Renato Machado, com medo de prejudicá-lo no
meio da mediocridade e da negatividade -, absorvem a cultura local pela ótica
norte-americana, e não pela brasileira. Em matéria de política e de economia o
que vale é o que agrada o Tio Sam. Em geral, são mal formados, porque a Globo
dá atenção máxima à forma, não ao conteúdo. De qualquer modo, as meninas
bonitas da Globo defendem suas promoções seguindo rigorosamente a cartilha de
direita extremada da emissora.
Conheci Waack décadas atrás, na cobertura de uma reunião dos
Sete Grandes em Bonn, na Alemanha. Na época, a cobertura política tinha total
precedência sobre a econômica, pois o neoliberalismo ainda não estava
plenamente instalado no mundo. Waack se revelou contente de me entregar a parte
econômica da cobertura porque, dizia ele, não sabia nada de economia. Fiz minha
parte. Testemunhei o que foi a completa capitulação da França e da Itália
socialistas ao credo neoliberal defendido por Reagan e Thatcher no comunicado
final. Claro, Waack e a maioria dos jornalistas políticos não tiveram ideia do
que estava acontecendo.
Como isso aconteceu em 1985, teria bons motivos para
acreditar que, desde então, aprendera alguma coisa de economia. Não é, porém, o
que revela nos comentários. Na verdade, ele trava uma tremenda guerra com
Jabor, outro fundamentalista da superficialidade, para saber qual dos dois é o
mais raivoso, mais insolente, mais anti-nacional. A propósito, Waack fez uma
longa pesquisa militar na Alemanha e na Itália para produzir um livro em que
pretendeu demonstrar cabalmente que a FEB fez verdadeiro fiasco na Segunda
Guerra, e que Monte Castelo foi um vexame. Bons, mesmo, verdadeiros heróis
foram os norte-americanos!
*Jornalista, economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ,
autor de mais de 20 livros sobre Economia Política, entre os quais “A Razão de
Deus”.