Ainda antes da abertura dos portões do cemitério, alguém já
acende uma nova vela para a Missa de Sétimo Dia do jornal impresso. Se ontem
foi o maior jornal do Paraná, mudando de formato e apostando no digital, no mês
passado o jornal da cidade em que moro deixou de circular duas vezes na semana
para investir em apenas uma edição semanal de “mais fôlego”. Nos últimos dez
anos, ao menos oito grandes esfinges do jornalismo impresso morreram, da Gazeta
Mercantil ao Jornal do Brasil. No ínterim, muitos amigos jornalistas foram
demitidos, estão desempregados ou sobrevivendo de freelancers. Outros estão em
segunda faculdade ou especializando-se em carreiras acadêmicas. O mundo muda,
as profissões mudam e a redação parece destinada a ser o museu do futuro, onde
crianças, acompanhadas dos professores, serão informadas sobre estranhas
práticas em espaço restrito. O cenário realmente não é animador. Os dados do
IVC apontam para uma queda progressiva da base de assinantes das principais
revistas em circulação do País. Mesmo quem muda ainda está longe da calmaria.
Os anunciantes estão evadindo-se para novas experiências de contato com seus
consumidores. A base de produção, sem receita, corta custos para a máquina não
emperrar. As ferramentas digitais não cobrem o antigo modelo. A conta não
fecha.
E onde está o RelevO neste processo? Somos um jornal de
papel, logo sentimos os efeitos da crise econômica, do aumento de custos
operacionais – dos Correios ao combustível –, da instabilidade de ser
contemporâneo em um segmento revirado e de nossa própria infraestrutura,
modesta. Ainda assim, a cada mês aumentamos um pouco a nossa base de assinantes
e não sentimos intensamente a fuga de anunciantes, até porque são poucos e
fieis a um certo propósito, que retratarei mais à frente. Podia ser pior, mas
confortável não é.
Para não fecharmos as portas, montamos um jornal sem fins
lucrativos. O que isso significa? Exatamente: ninguém na estrutura ganha
dinheiro com o jornal. (Prestamos contas públicas de nossos ganhos e gastos.)
Naturalmente, não é o ideal. Eu mesmo gostaria muito de me remunerar com o
jornal e pensar calmamente em estratégias de aprofundar as relações entre
leitores e a literatura, estudar melhor o mundo complexo em que acordamos. Mas
não: passo boa parte do mês fazendo malotes dos assinantes, distribuindo jornal
no Brasil, cobrando assinantes e pagando boletos. Desgosto? Também não. Sinto
um orgulho discreto de, em sete anos de turbulências, não abrirmos mão de
alguns valores. Não ganhamos dinheiro porque nunca batemos na porta do poder
público. Não ganhamos dinheiro porque não vendemos espaço editorial para
empresas que acreditam que conteúdo e publicidade são o mesmo saco. Fechamos
alguns meses no prejuízo porque não damos assinaturas para YouTubers, que se
travestem de interesse público para inocular ações de marketing. Em suma, somos
um case pronto de fracasso para os novos tempos.
O que, portanto, será de nós se o cemitério já tem uma
lápide com o nosso nome e nos convoca para o descanso em paz? Bem, acredito,
talvez de uma forma racionalista-mística, que o impresso ainda significará algo
para determinados grupos, sejam eles pequenos, sejam eles à margem, sejam ele
eu + cinco. Aos solavancos, encontramos um público cativo. E digo isso no
sentido que o termo carrega de necessidade/apreço de se relacionar com o papel.
Eu reconheço que sou da geração anterior, escrava do papel. Formei-me leitor
nos jornais de papel, comecei minha carreira na comunicação entregando jornal
de papel, aprendi a diagramar pensando no RelevO em páginas, entrego jornal até
hoje. Talvez seja a minha moira. O que vai acontecer se o RelevO tiver que
fechar? Não sei. Só sei de meu desconforto com os novos tempos, mas não quero
ser um velho nostálgico.
Por isso, quando encontro pessoas que se comprometem com a
reflexão sobre os rumos da Comunicação e da Cultura, digo que se trata da
construção de circuitos. Um jornal de literatura de papel ainda é importante no
processo de disseminação de um conjunto de ideias e de trabalhos. Representa,
ao seu modo, um recorte temporal, nem melhor ou pior do que qualquer outro,
apenas mais um – aquele que escolhemos. Não precisamos anular outras
plataformas para construir o nosso circuito.
Quando encontro pessoas que são meus amigos e se comprometem
com a reflexão sobre os rumos da Comunicação e Cultura, sou ainda mais franco.
Se trata, sobretudo, daqueles que gostam de cultura, principalmente amigos, de
investirem um pouco de seu tempo e dinheiro em projetos que não existirão sem
algum engajamento. Porque assistir a morte anunciada de grandes conglomerados de
comunicação é quase excitante. Contudo, logo um novo rei assume o lugar, se
duvidar com a mesma música. Agora, quando morrem iniciativas culturais fora da
curva, a próxima iniciativa precisará sair dos escombros para se erigir.
Portanto, não se trata de apelo, nem de defesa extrema de
causa própria. Se você gosta de cultura, pense com mais carinho nos jornais
impressos do setor, aqueles que você acha legal. O Brasil está cheio de
periódicos muito bons e que movimentam ao seu modo determinados circuitos.
Assine, divulgue, colabore, sugira. Se somos impessoais com a morte dos
jornalões, não custa ser menos duro com projetos de identidade mais clara. Até
custa, mas não muito.
Daniel Zanella