domingo, 9 de abril de 2017

Ainda antes da abertura dos portões do cemitério, alguém já acende uma nova vela para a Missa de Sétimo Dia do jornal impresso. Se ontem foi o maior jornal do Paraná, mudando de formato e apostando no digital, no mês passado o jornal da cidade em que moro deixou de circular duas vezes na semana para investir em apenas uma edição semanal de “mais fôlego”. Nos últimos dez anos, ao menos oito grandes esfinges do jornalismo impresso morreram, da Gazeta Mercantil ao Jornal do Brasil. No ínterim, muitos amigos jornalistas foram demitidos, estão desempregados ou sobrevivendo de freelancers. Outros estão em segunda faculdade ou especializando-se em carreiras acadêmicas. O mundo muda, as profissões mudam e a redação parece destinada a ser o museu do futuro, onde crianças, acompanhadas dos professores, serão informadas sobre estranhas práticas em espaço restrito. O cenário realmente não é animador. Os dados do IVC apontam para uma queda progressiva da base de assinantes das principais revistas em circulação do País. Mesmo quem muda ainda está longe da calmaria. Os anunciantes estão evadindo-se para novas experiências de contato com seus consumidores. A base de produção, sem receita, corta custos para a máquina não emperrar. As ferramentas digitais não cobrem o antigo modelo. A conta não fecha.

E onde está o RelevO neste processo? Somos um jornal de papel, logo sentimos os efeitos da crise econômica, do aumento de custos operacionais – dos Correios ao combustível –, da instabilidade de ser contemporâneo em um segmento revirado e de nossa própria infraestrutura, modesta. Ainda assim, a cada mês aumentamos um pouco a nossa base de assinantes e não sentimos intensamente a fuga de anunciantes, até porque são poucos e fieis a um certo propósito, que retratarei mais à frente. Podia ser pior, mas confortável não é.
Para não fecharmos as portas, montamos um jornal sem fins lucrativos. O que isso significa? Exatamente: ninguém na estrutura ganha dinheiro com o jornal. (Prestamos contas públicas de nossos ganhos e gastos.) Naturalmente, não é o ideal. Eu mesmo gostaria muito de me remunerar com o jornal e pensar calmamente em estratégias de aprofundar as relações entre leitores e a literatura, estudar melhor o mundo complexo em que acordamos. Mas não: passo boa parte do mês fazendo malotes dos assinantes, distribuindo jornal no Brasil, cobrando assinantes e pagando boletos. Desgosto? Também não. Sinto um orgulho discreto de, em sete anos de turbulências, não abrirmos mão de alguns valores. Não ganhamos dinheiro porque nunca batemos na porta do poder público. Não ganhamos dinheiro porque não vendemos espaço editorial para empresas que acreditam que conteúdo e publicidade são o mesmo saco. Fechamos alguns meses no prejuízo porque não damos assinaturas para YouTubers, que se travestem de interesse público para inocular ações de marketing. Em suma, somos um case pronto de fracasso para os novos tempos.

O que, portanto, será de nós se o cemitério já tem uma lápide com o nosso nome e nos convoca para o descanso em paz? Bem, acredito, talvez de uma forma racionalista-mística, que o impresso ainda significará algo para determinados grupos, sejam eles pequenos, sejam eles à margem, sejam ele eu + cinco. Aos solavancos, encontramos um público cativo. E digo isso no sentido que o termo carrega de necessidade/apreço de se relacionar com o papel. Eu reconheço que sou da geração anterior, escrava do papel. Formei-me leitor nos jornais de papel, comecei minha carreira na comunicação entregando jornal de papel, aprendi a diagramar pensando no RelevO em páginas, entrego jornal até hoje. Talvez seja a minha moira. O que vai acontecer se o RelevO tiver que fechar? Não sei. Só sei de meu desconforto com os novos tempos, mas não quero ser um velho nostálgico.

Por isso, quando encontro pessoas que se comprometem com a reflexão sobre os rumos da Comunicação e da Cultura, digo que se trata da construção de circuitos. Um jornal de literatura de papel ainda é importante no processo de disseminação de um conjunto de ideias e de trabalhos. Representa, ao seu modo, um recorte temporal, nem melhor ou pior do que qualquer outro, apenas mais um – aquele que escolhemos. Não precisamos anular outras plataformas para construir o nosso circuito.

Quando encontro pessoas que são meus amigos e se comprometem com a reflexão sobre os rumos da Comunicação e Cultura, sou ainda mais franco. Se trata, sobretudo, daqueles que gostam de cultura, principalmente amigos, de investirem um pouco de seu tempo e dinheiro em projetos que não existirão sem algum engajamento. Porque assistir a morte anunciada de grandes conglomerados de comunicação é quase excitante. Contudo, logo um novo rei assume o lugar, se duvidar com a mesma música. Agora, quando morrem iniciativas culturais fora da curva, a próxima iniciativa precisará sair dos escombros para se erigir.
Portanto, não se trata de apelo, nem de defesa extrema de causa própria. Se você gosta de cultura, pense com mais carinho nos jornais impressos do setor, aqueles que você acha legal. O Brasil está cheio de periódicos muito bons e que movimentam ao seu modo determinados circuitos. Assine, divulgue, colabore, sugira. Se somos impessoais com a morte dos jornalões, não custa ser menos duro com projetos de identidade mais clara. Até custa, mas não muito.

Daniel Zanella


Nenhum comentário: