"A obra de Lukács, em matéria estética, acolhe como
princípio fundamental a ideia de que aquilo que é social na obra de arte é a
forma.
As implicações imediatas dessa posição indicam com grande
clareza que as relações entre obras de arte e sociedade são concebidas de modo
analógico-estrutural e não pela presença, na obra, de 'elementos' ou
'conteúdos' sociais.
Por exemplo: o romance é definido, ou melhor, situado, como
gênero literário expressivo da burguesia não porque tantos romances contenham
tão numerosos personagens, situações e acontecimentos facilmente encontráveis
na sociedade burguesa - mas sim porque a estrutura básica da forma literária
'romance' possui linhas substancialmente homólogas (segundo Goldmann) ou
análogas (pela nossa opinião) às diretrizes da sociedade burguesa.
O entendimento da relação arte/sociedade como uma função
baseada na analogia de estruturas retira à velha dualidade forma/conteúdo
qualquer valor lógico.
O 'conteúdo' se dissolve. Arte é campo de formas
significativas, cuja significação vem da força com que se referem a formas
sociais, não porque a arte tenha de ser explicada 'de fora', mas, simplesmente,
porque sua função é ser linguagem, isto é, transposição ao nível do domínio, da
clarificação e da consciência - daquelas formas sociais que constituem a bruta
experiência do cotidiano. A arte, e especialmente a arte literária, realiza
nessa condição um trabalho filosófico: por ela, a sociedade se conhece a si
mesma.
O 'conteúdo' da obra de arte é uma ilusão elementarista, que
não resiste a uma visão estrutural. Consiste no engano de querer perceber a
obra em fragmentos, quando ela é antes de tudo uma unidade; e também em outro
engano, o de querer captar uma 'mensagem' dentro de um estilo e das palavras,
quando toda mensagem é a linguagem mesma: a ideia não está na palavra, não se
vestiu com ela; a ideia, a significação, a mensagem, é a linguagem.
Se Croce não tivesse esquecido tantas coisas, seria possível
dizer com ele (mas a terminologia já revela o que ele esqueceu) que toda
intuição é expressão. Que todo 'conteúdo' é linguagem - e portanto, que
separá-lo (tentar separá-lo) da sua linguagem, é apenas mutilação, apenas
perda, apenas dano."
- José Guilherme Merquior, "Notas Estéticas", em
"A Razão do Poema: ensaios de crítica e de estética" (1965). São
Paulo: É Realizações, 2013. pp. 222-223. Da página do Fabricio Gonçalves
Nenhum comentário:
Postar um comentário