domingo, 9 de abril de 2017

Notas Estéticas

"A obra de Lukács, em matéria estética, acolhe como princípio fundamental a ideia de que aquilo que é social na obra de arte é a forma.

As implicações imediatas dessa posição indicam com grande clareza que as relações entre obras de arte e sociedade são concebidas de modo analógico-estrutural e não pela presença, na obra, de 'elementos' ou 'conteúdos' sociais.

Por exemplo: o romance é definido, ou melhor, situado, como gênero literário expressivo da burguesia não porque tantos romances contenham tão numerosos personagens, situações e acontecimentos facilmente encontráveis na sociedade burguesa - mas sim porque a estrutura básica da forma literária 'romance' possui linhas substancialmente homólogas (segundo Goldmann) ou análogas (pela nossa opinião) às diretrizes da sociedade burguesa.

O entendimento da relação arte/sociedade como uma função baseada na analogia de estruturas retira à velha dualidade forma/conteúdo qualquer valor lógico.

O 'conteúdo' se dissolve. Arte é campo de formas significativas, cuja significação vem da força com que se referem a formas sociais, não porque a arte tenha de ser explicada 'de fora', mas, simplesmente, porque sua função é ser linguagem, isto é, transposição ao nível do domínio, da clarificação e da consciência - daquelas formas sociais que constituem a bruta experiência do cotidiano. A arte, e especialmente a arte literária, realiza nessa condição um trabalho filosófico: por ela, a sociedade se conhece a si mesma.

O 'conteúdo' da obra de arte é uma ilusão elementarista, que não resiste a uma visão estrutural. Consiste no engano de querer perceber a obra em fragmentos, quando ela é antes de tudo uma unidade; e também em outro engano, o de querer captar uma 'mensagem' dentro de um estilo e das palavras, quando toda mensagem é a linguagem mesma: a ideia não está na palavra, não se vestiu com ela; a ideia, a significação, a mensagem, é a linguagem.

Se Croce não tivesse esquecido tantas coisas, seria possível dizer com ele (mas a terminologia já revela o que ele esqueceu) que toda intuição é expressão. Que todo 'conteúdo' é linguagem - e portanto, que separá-lo (tentar separá-lo) da sua linguagem, é apenas mutilação, apenas perda, apenas dano."


- José Guilherme Merquior, "Notas Estéticas", em "A Razão do Poema: ensaios de crítica e de estética" (1965). São Paulo: É Realizações, 2013. pp. 222-223. Da página do Fabricio Gonçalves

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