Embora as pessoas não reconheçam, a classe
dominante tem um projeto muito bem elaborado para o país (e o está aplicando
com bastante sucesso). Este projeto é o de acabar com a ideia de
desenvolvimentismo, ou seja, a ideia de que Estado deve induzir o
desenvolvimento, em detrimento de uma ideia de que o Estado deve garantir as
condições de funcionamento do mercado; acabar com a ideia de Estado de
bem-estar social, ou seja, que o Estado tem a função de garantir alguns
direitos sociais aos cidadãos - e, para isso, não estão preocupados com a
degradação da democracia -; e o retorno a um tipo de sociedade em que o Estado
tem a única função de garantir a segurança e o controle orçamentário. Esta
classe pretende acabar com a ideia de que os cidadãos têm qualquer direito a
ser garantido pelo Estado, para que o setor privado possa vir a suprir as
necessidades das pessoas e obter lucros com isso, e também que o Estado tem
qualquer função de administrar empresas públicas, que devem ser privatizadas.
Para que as pessoas possam adquirir planos de saúde, pagar pela educação e pela
previdência privada, enfim, tudo o que precisam, este projeto inclui o estímulo
à iniciativa privada, as pessoas devem abrir seus próprios negócios e assim se
dará a manutenção da economia. Os cortes dos gastos primários (sem contar os
juros da dívida) tem isso como objetivo, a única função do Estado é a segurança
e o pagamento dos juros da dívida pública, e, para pagá-los, o Estado deve
arrecadar impostos, que servirão apenas para isso, para o pagamento dos juros
para os detentores da dívida pública. Isso é o Consenso de Washington, uma
receita de desregulamentação financeira, em que é preconizado um conjunto de 10
medidas para o ajustamento econômico, e significa uma reconfiguração do
capital, que exige a disciplina fiscal, realinhamento dos gastos públicos, a liberalização
financeira, a liberalização comercial, a desregulamentação e a questão da
propriedade intelectual. Enfim, estamos em um momento em que os interesses
financeiros dominam todas as sociedades, que devem canalizar toda a arrecadação
para o sistema financeiro, e a sociedade acabar com toda a regulação e controle
do Estado para que os investidores privados possam atender às necessidades das
pessoas por meio da iniciativa privada. Por fim, não vemos resistência porque
para isso precisamos de uma classe trabalhadora forte, e a classe trabalhadora
se torna forte com a garantia e a proteção de direitos - sobretudo a garantia
de emprego, e com o crescimento da economia; com a política, ou seja, a disputa
do Estado através da organização de partidos políticos capazes de apresentar um
projeto e obter apoio de massa; e com a mobilização dos movimentos sociais. Não
há outro caminho para lidar com estas questões, mas a economia e as condições
de emprego estão degradadas, e a classe trabalhadora, frágil; e a política, e,
sobretudo, os partidos de origem popular, foi deliberadamente deslegitimada
pela classe dominante exatamente para impedir a resistência aos seus
interesses... Mais especificamente, acho que o objetivo é que o atual governo
aprove essas medidas duras e estruturais (o teto dos gastos, a reforma da
previdência, a flexibilização das leis trabalhistas, e, também, a privatização
das empresas públicas) já que ele não tem condições de disputar eleições e,
portanto, não tem problema em sofrer com o desgaste político, e depois o PSDB
deve entrar para controlar essa sociedade. Em geral, apenas os setores das
classes populares são prejudicados. O único setor da classe dominante que
também está sendo prejudicado é o da indústria, e não sei porquê eles aderem a
esse projeto. Mas, de qualquer forma, esse é um projeto do setor financeiro
internacional, que a mídia, a política, os poderes constitucionais, e a
sociedade em geral, entram de roldão... Enfim, houve um setor da classe
dominante, o setor financeiro internacional, que ascendeu ao domínio, e que
esta situação, embora ruim para a sociedade como um todo, e mesmo para a
manutenção do capitalismo e da democracia, é bom para esse setor, e, enquanto
for bom para esse setor, este continuará impondo os seus interesses sobre o
restante da sociedade.
Mauro Costa Assis