A relação entre literatura e guerra é tão antiga quanto a
história de cada uma destas manifestações humanas. Um dos textos fundadores da
Literatura Ocidental é o relato de uma guerra: A Ilíada, de Homero. Em textos
ainda mais antigos que sobreviveram a guerras posteriores – nas quais tudo se
queimou, de casas a bibliotecas – escritores celebraram vitórias ou lamentaram
derrotas. É o caso de Lamento pela Destruição de Ur, escrito há quatro mil anos
e que descreve a devastação de uma das mais antigas cidades do mundo durante
uma invasão estrangeira.
O papel do poeta épico era cantar as glórias de sua nação.
São conhecidas as histórias de reis que levavam poetas a guerras para que seus
feitos fossem imortalizados. No caso de derrotas, os poetas muitas vezes
transformavam os acontecimentos em mitos de coragem e bravura, propagandas
militaristas de caráter patriótico. No poema The Charge of the Light Brigade,
de Alfred Tennyson, por exemplo, o massacre da cavalaria britânica numa batalha
da Guerra da Crimeia é alçado a mito.
Essa relação cultural com o caráter bélico de impérios ainda
era muito forte no início do século 20, e não foram poucos os autores que se
lançaram à Primeira Guerra Mundial com fervor literário e patriótico. É o caso
dos poetas britânicos Rupert Brooke e Siegfried Sassoon, do francês Guillaume
Apollinaire e do alemão Ernst Stadler, que morreriam no conflito ou por
ferimentos decorrentes dele. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, então em
Oxford, partiria para as trincheiras acreditando que elas "fariam dele um
homem". Era o tempo dos futuristas, que celebravam a guerra como a grande
higiene do mundo.
Escrevendo em plena guerra
Nos poemas de Siegfried Sassoon, há uma transformação clara.
Seus versos, que foram, desde o princípio, contra a percepção pública do
conflito, influenciaram o grande poeta britânico da Primeira Guerra Wilfred
Owen. Poemas seus como Dulce et Decorum Est e Anthem for Doomed Youth
permanecem como monumentos contra aqueles crimes de megalomania imperial. Owen
morreu em novembro de 1918, apenas uma semana antes do armistício.
Outros autores ingleses importantes foram Isaac Rosenberg –
que morreu numa batalha também em 1918 e nos deixou textos assombrosos sobre a
vida nas trincheiras –, e também Yvor Gurney e David Jones. Uma figura nem sempre
associada ao conflito, por ter lutado na África, fez, no entanto, de parte de
suas memórias da Primeira Guerra um dos mais conhecidos livros que relatam
acontecimentos do período: T.E. Lawrence, o Lawrence da Arábia, e seu Sete
Pilares da Sabedoria, publicado em 1922.
Entre os escritores germânicos, a guerra tornou-se a
confirmação das profecias de destruição e apocalipse que os autores
expressionistas vinham compondo há alguns anos. Gottfried Benn, que serviu na
guerra como médico, havia publicado em 1912 seu primeiro livro, intitulado
Morgue (Necrotério).
poetas que lutaram e
escreveram de forma desiludida durante o conflito
o austríaco Georg Trakl, também médico e que se suicidou em
1914, e ainda os alemães Ernst Stadler, Alfred Lichtenstein, August Stramm e
Kurd Adler, todos mortos entre 1914 e 1916. Dos romances alemães sobre a
Primeira Guerra Mundial, o mais conhecido é sem dúvida Im Westen nichts Neues
(Nada de novo no front, 1929), de Erich Maria Remarque, que captura a
transformação do entusiasmo juvenil de muitos soldados desiludidos com a
realidade da guerra.
Em Zurique, os alemães Hugo Ball, Emmy Hennings, Walter
Serner e Hans Arp lançaram sua campanha antimilitarista e suas críticas
veementes à cultura bélica alemã em meio ao Cabaret Voltaire e ao Dadaísmo.
Ludwig Wittgenstein levou à batalha o manuscrito de seu Tractatus
Logico-Philosophicus. O texto, projetado inicialmente como um ensaio sobre
lógica, ganharia seus questionamentos sobre a natureza do místico e de Deus
durante a guerra e seus horrores, escreve a crítica norte-americana Marjorie
Perloff no livro Wittgenstein´s Ladder, baseado na biografia monumental de Ray
Monk para o pensador austríaco.
Também neste clima de destruição, mesmo que
longe dos campos de batalha, um dos maiores escritores do século 20 produziria
textos como A metamorfose e O Processo: Franz Kafka.
O impacto pós-guerra e sua literatura
Muitos historiadores argumentam hoje que não se pode mais
falar em Primeira e Segunda Guerra Mundial, mas numa única Grande Guerra. As
consequências do conflito entre 1914 e 1918 foram sentidas para além dele. Na
Guerra Civil decorrente da Revolução Russa de 1917, por exemplo, um batalhão de
refugiados entraria, em muitos casos, numa Alemanha devastada pela guerra e
pelas reparações impostas pelo Tratado de Versalhes.
As conturbações políticas da República de Weimar, que logo
desembocariam no Regime Nazista e na Segunda Guerra, foram muito bem retratadas
no grande romance alemão do período, Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred
Döblin, e no trabalho de expressionistas que sobreviveram à Primeira Guerra,
como Bertolt Brecht. A morte de vários expoentes das vanguardas europeias
durante o conflito teria consequências drásticas para a arte do período
entreguerras.
Deutsche Welle