segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Clarissa
"Fora, o luar cresce, tênue, inundando a
paisagem.
Clarissa infla as narinas. Parece-lhe que o luar tem um
perfume todo especial. Se ela pudesse pegar o luar, fechá-lo na palma da mão,
guardá-lo numa caixinha ou no fundo de uma gaveta para soltá-lo nas noites
escuras…"
- Érico Verissimo
"De onde eu tinha tirado essa ideia de que a
felicidade é que media a qualidade da vida de uma pessoa?" (1). A
felicidade da vida está na medida ou a medida está na felicidade? Por que esta
pergunta em torno da medida? Não podemos esquecer que era a hybris - desmedida
- que trazia a infelicidade e a desgraça, lançando a pessoa no mais profundo
sofrimento. Por isso, em nossa vida toda ação ética tem como fundo a justa
medida. Assim sendo, a medida se torna para o ser humano em seu agir e viver a
questão decisiva. A presença mais efetiva da medida está na morte. Esta, em
última e primeira instância, é a medida do sentido. Mas não há morte sem vida
(zoé). É nesse sentido que eros e thanatos são para nós, mortais, a fonte de
todas as grandes experienciações. "
Manuel Antônio de Castro.
Cantiga de Enganar
O mundo não vale o mundo, meu bem.
Eu plantei um pé-de-sono,
brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas
e se todas se tingiram
de um vago sangue jorrado
ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.
O mundo, meu bem, não vale
a pena, e a face serena
vale a face torturada.
Há muito aprendi a rir, de quê? de mim? ou de nada?
- Carlos Drummond de Andrade, in Cantiga de
Enganar, Claro Enigma, 1951 (Fotobiografia CDA, Edições Alumbramentos, 1998).
Arte poética
Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.
Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.
Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años
en una música, un rumor y un símbolo,
ver en la muerte el sueño, en el ocaso
un triste oro, tal es la poesía
que es inmortal y pobre. La poesía
vuelve como la aurora y el ocaso.
A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.
Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar su Itaca
verde y humilde. El arte es esa Itaca
de verde eternidad, no de prodigios.
También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable.
Arte poética
Fitar o rio feito de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como a água.
Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha não sonhar e que a morte
que teme nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sonho.
No dia ou no ano perceber um símbolo
dos dias de um homem e ainda de seus anos,
transformar o ultraje desses anos
em música, em rumor e em símbolo,
na morte ver o sonho, ver no ocaso
um triste ouro, tal é a poesia,
que é imortal e pobre. A poesia
retorna como a aurora e o ocaso.
Às vezes pelas tardes certo rosto
contempla-nos do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nosso próprio rosto.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
verde e humilde. A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, sem prodígios.
Também é como o rio interminável
que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
e é outro, como o rio interminável.
BORGES, Jorge Luis. O fazedor. Tradução de Josely
Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Assinar:
Postagens (Atom)