segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

TANGO BAR

(...)



A simpatia dele pelo diabo

é o ninho de minha antipatia.

Assusta-me e aborrece-me

tudo o que está mal

no bom sentido

da palavra. Pecado,

pecado seria então

segui-lo tão longe

quando jura e perjura

que estamos perto.

Mamãe, papai, fui

com este mauzinho crioulo

e na cruz de seu poncho

me dei por perdida.

Será possível que em minha religião

sozinha

atrás de um homem

eu sempre sinta frio?



(...)

Odeio Buenos Aires.

Sua luz débil engrandece

a vagueza

desses versos que sequer são

letras de tango.



Que fique como ódio

toda intenção de dizer

"minha cidade"

no condensado cansaço de sua luz

eu já não escrevo

nem me seduz

a pobre alma de seus bairros

vago sem nenhum tipo

de sentimento

passeio insensível

por esta noite de lápis

por esta umidade que me adormece

a resma de papel.



(Melhor em minha casa

E desligo o rádio.)

Que a música vá silenciosa

e as palavras não consigam

apagar o amargo.

É um dizer.

Durmo melhor

com a gravura na mão

a tenho como um postal na cabeça

toda iluminada

enrugo o obelisco no fundo

e rezo pra mim por você

minha Buenos Aires.

querida.



(...)

Outra vez no bar das mulheres

tomo o cálice do esquecimento.

"O tango é macho"

cantam minhas amigas

mas como o tango

elas são musas tristes

ou vêm

como bonecas murchas.

E a julgar por mim

(tão esquecida de mim!)

não sei se nós agora

formamos uma orquestra

de senhoritas

ou se são eles os rapazes de antes

o que agora tocam de ouvido

nosso repertório

enquanto nós

antes de esgotar o copo

já cantávamos mal.



(...)

Nesta agenda morta

com horas dispensadas

de sua própria obriga

releio o que não escrevi

as linhas de janeiro desertas

a ordem alfabética

1993 em uma filigrana dourada

até as margens da citação

caminho com vocês sentadas

esperando-me.



TAMARA KAMENSZAIN nasceu em Buenos Aires em 1947, onde vive. Publicou De este lado del Mediterráneo (1973), Los no (1977), La casa grande (1986), Vida de living (1991); Tango bar (1998) e El ghetto (2003); e os ensaios El texto silencioso (1976), La edad de la poesia (1996) e Historias de amor (2001).

Poema de Tamara Kamenszain
Tradução: Ronaldo Cagiano


Fonte:Jornal  O Rascunho.Agosto de 2010
Poema 5



Há dezessete meses grito,

chamando-te de volta para casa.

Já me atirei aos pés de teu carrasco.

És meu filho e meu terror.

As coisas se confundem para sempre

e não consigo mais distinguir, agora,

quem a fera, quem o homem,

e quanto terei de esperar até a tua execução.

Só o que me resta são flores empoeiradas

E o tilintar do turíbulo e pegadas

Que levam de lugar nenhum a parte alguma.

E bem nos olhos me olha,

com a ameaça de uma morte próxima,

uma estrela enorme.


Anna Akhmatova,
Lauro Machado Coelho