(...)
A simpatia dele pelo diabo
é o ninho de minha antipatia.
Assusta-me e aborrece-me
tudo o que está mal
no bom sentido
da palavra. Pecado,
pecado seria então
segui-lo tão longe
quando jura e perjura
que estamos perto.
Mamãe, papai, fui
com este mauzinho crioulo
e na cruz de seu poncho
me dei por perdida.
Será possível que em minha religião
sozinha
atrás de um homem
eu sempre sinta frio?
(...)
Odeio Buenos Aires.
Sua luz débil engrandece
a vagueza
desses versos que sequer são
letras de tango.
Que fique como ódio
toda intenção de dizer
"minha cidade"
no condensado cansaço de sua luz
eu já não escrevo
nem me seduz
a pobre alma de seus bairros
vago sem nenhum tipo
de sentimento
passeio insensível
por esta noite de lápis
por esta umidade que me adormece
a resma de papel.
(Melhor em minha casa
E desligo o rádio.)
Que a música vá silenciosa
e as palavras não consigam
apagar o amargo.
É um dizer.
Durmo melhor
com a gravura na mão
a tenho como um postal na cabeça
toda iluminada
enrugo o obelisco no fundo
e rezo pra mim por você
minha Buenos Aires.
querida.
(...)
Outra vez no bar das mulheres
tomo o cálice do esquecimento.
"O tango é macho"
cantam minhas amigas
mas como o tango
elas são musas tristes
ou vêm
como bonecas murchas.
E a julgar por mim
(tão esquecida de mim!)
não sei se nós agora
formamos uma orquestra
de senhoritas
ou se são eles os rapazes de antes
o que agora tocam de ouvido
nosso repertório
enquanto nós
antes de esgotar o copo
já cantávamos mal.
(...)
Nesta agenda morta
com horas dispensadas
de sua própria obriga
releio o que não escrevi
as linhas de janeiro desertas
a ordem alfabética
1993 em uma filigrana dourada
até as margens da citação
caminho com vocês sentadas
esperando-me.
TAMARA KAMENSZAIN nasceu em Buenos Aires em 1947, onde vive. Publicou De este lado del Mediterráneo (1973), Los no (1977), La casa grande (1986), Vida de living (1991); Tango bar (1998) e El ghetto (2003); e os ensaios El texto silencioso (1976), La edad de la poesia (1996) e Historias de amor (2001).
Poema de Tamara Kamenszain
Tradução: Ronaldo Cagiano
Fonte:Jornal O Rascunho.Agosto de 2010
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Poema 5
Há dezessete meses grito,
chamando-te de volta para casa.
Já me atirei aos pés de teu carrasco.
És meu filho e meu terror.
As coisas se confundem para sempre
e não consigo mais distinguir, agora,
quem a fera, quem o homem,
e quanto terei de esperar até a tua execução.
Só o que me resta são flores empoeiradas
E o tilintar do turíbulo e pegadas
Que levam de lugar nenhum a parte alguma.
E bem nos olhos me olha,
com a ameaça de uma morte próxima,
uma estrela enorme.
Anna Akhmatova,
Lauro Machado Coelho
Há dezessete meses grito,
chamando-te de volta para casa.
Já me atirei aos pés de teu carrasco.
És meu filho e meu terror.
As coisas se confundem para sempre
e não consigo mais distinguir, agora,
quem a fera, quem o homem,
e quanto terei de esperar até a tua execução.
Só o que me resta são flores empoeiradas
E o tilintar do turíbulo e pegadas
Que levam de lugar nenhum a parte alguma.
E bem nos olhos me olha,
com a ameaça de uma morte próxima,
uma estrela enorme.
Anna Akhmatova,
Lauro Machado Coelho
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