terça-feira, 20 de outubro de 2015

Freyre e Bastide Os dois lados da luneta


Fundação Memorial da América Latina .http://www.memorial.org.br

Fernanda Peixoto.Doutora em antropologia social pela USP, professora da UNESP/Araraquara e colaboradora do IDESP.

A formação protestante e a articulação dos enfoques antropológico e sociológico nas análises e pelo tom das narrativas que constrói

A obra de Gilberto Freyre quando das suas pesquisas sobre as religiões afro-brasileiras, que vão obrigar o intérprete a redimensionar suas análises sobre sincretismo e a enfrentar, de novos ângulos, as nossas “porções africanas “.A etnografia das ilhas africanas no Brasil é inseparável de uma sociologia dos contatos culturais que aqui se processam. Nesse sentido, africanista sui generis, ao mesmo tempo que escapa dela escapa devido à amplitude das reflexões que produziu.
O pensamento social brasileiro, em sua feição africanista- Nina Rodrigues, Manoel Querino, Arthur ramos, Edson Carneiro, etc

O mérito maior de Gilberto Freyre segundo Bastide é precisamente o seu hibridismo metodológico e expositivo. O estilo sociológico e narrativo ;a combinação de poesia e documentação, a técnica pontilhista do afresco gilbertiano, a importância dos pontos de vista subjetivo e das histórias de vida na apreensão da realidade social. Na sociologia “hibrida e anfíbia” de Freyre , Bastide encontrou um exemplo bem acabado de articulação dos pontos de vista histórico, antropológico e sociológico ,além de um casamento bem sucedido entre análise cientifica e narrativa literária: “ Obras cientificas, sem dúvida , estas do mestre pernambucano, pois para escrevê-las Gilberto Freyre criou métodos próprios, inventou uma forma especial de sociologia, que ele chama de proustiana. Mas também obras de um escritor, no sentido do mais completo do termo. Não uma prosa cartesiana, senão um estilo sensual, carnal, que exprime com admirável nitidez e relevo, todo o calor dos trópicos, todo o perfume da        cana-de-açúcar madura, toda a volúpia das negrinhas e das ameríndias, a grande cumplicidade dos homens com a natureza, as relações sexuais dos meninos da bagaceira com os bichos do engenho, os pesadelos dos monstros apocalípticos povoando as noites dos rudes habitantes do nordeste” (Bastide,Roger.Apresentação de Gilberto Freyre.  1953 )

A comprovação do valor da obra multifacetada de Freyre pode ser encontrada, segundo Bastide, nas contribuições que traz à sociologia – a partir de sua  estruturação teórica e do sistema conceitual que mobiliza- e também à literatura. Bastide destaca a importância de Casa Grande e Senzala como elemento de ligação entre o movimento modernista de São Paulo e a literatura regionalista de José Lins do Rego, por exemplo, contrariando assim algumas leituras que viam, e ainda veem, Gilberto Freyre como um tradicionalista, oponente do grupo de São Paulo "(Annales 13(1 ),1959,pp30-46 )
No que diz respeito à compreensão das relações entre negros e brancos na sociedade brasileira, a grandeza da contribuição de Freyre , foi ter demolido as explicações raciais, colocando o problema em chave sociológica e , fundamentalmente , em ter logrado articular na explicação os níveis micro e macro-sociológicoso”(Bastide,”État actuel des études afro-brésiliennes “, Anais do 31 Congresso Internacional de Americanistas, São Paulo, Anhembi, 1955, p. 554 (t. da A. ). )

“Gilberto Freyre estudou bem em Casa Grande e Senzala esses diversos fenômenos (do sincretismo ), mas estudou- os do ponto de vista da civilização brasileira, e não do ponto de vista que aqui nos preocupa, das civilizações africanas.”(Bastide , As religiões africanas no Brasil, Rio de Janeiro, Pioneira, 1971, 2 vols., p 103)

Nos dois livros de Freyre está presente a ideia de formação : da família patriarcal , no primeiro caso, da civilização africana , no segundo. Nos dois , a formação de uma nova civilização se dá a partir de materiais heteróclitos , de origens diversas . A civilização brasileira tem origem , no modelo de Freyre e de tantos outros , a partir das heranças portuguesas, indígena e africana .Portanto, a África brasileira não é decalque , cópia de um modelo original, mas reelaboração , produto também híbrido.

A discussão dos processos formativos está baseada no acompanhamento das condições históricas da formação da família patriarcal. em Gilberto Freyre encontra-se descrita uma sociedade de estrutura dual _ Casa Grande & Senzala, pretos e brancos, Sobrados e Mucambos, cujo dualismo não compromete a manutenção do todo; ao contrário, a totalidade é alimentada pelo “equilíbrio de antagonismos “. A caracterização do processo formativo brasileiro orientado por um principio de equilíbrio de antagonismos, emblemática da obra de Gilberto Freyre , mostra Ricardo Benzaquen (Guerra e Paz, Rio de Janeiro, Editora 34, 1994 ),

Gilberto Freyre está interessado em analisar o contato operado entre essas polaridades  que dá origem ao produto mestiço.  de contato que se trata e portanto de trocas materiais , culturais e simbólicas, de mestiçagem .Não há mistura entre os elementos em contato , mas de sobreposição, o que  permite justamente a retomada dos materiais originais que fazem parte do composto.

As controvertidas formulações luso-tropicais de Gilberto Freyre, que ganham corpo após a viagem do sociólogo brasileiro à  África   em 1951, teses que salientam, entre outras coisas , a adaptabilidade portuguesa aos trópicos e a miscigenação como marca do mundo que o português criou , com relativo otimismo.. O caso brasileiro, e a imagem da democracia racial, parecia  oferecer um alento para o contexto europeu do pós-guerra, atravessado por racismos dos mais diferentes tipos.

Os estudos sobre aculturação, mostra Bastide, detiveram-se de modo geral sobre o impacto da cultura considerada superior sobre a cultura modificada; raramente preocuparam-se com as com as modificações verificadas nas duas culturas em contato. Este foi o mérito das inferências de Freyre sobre a ação portuguesa nos trópicos. Ele mostra como os portugueses modificaram a sua cultura ocidental , deixando-se impregnar pelas culturas exóticas. O luso tropicalismo portanto sinaliza adaptação reciproca , relação de dupla mão.


A distinção feita em tempos de relações cordiais de Freyre com o Salazarismo . O alinhamento politico das teses  lusotropicais de Freyre com o ponto de vista do dominador branco .