domingo, 13 de outubro de 2013

PRISIONEIRO NA PEDRA



Na pedra,
ele espreita:
peixe, pássaro, lua.
Seu olho-flecha
nunca fere a presa.
Pois que tudo se move;
rio, céu, satélite
e até mesmo a pedra.
Não se move o homem,
cego à teia
que à sua volta cresce.


Donizete Galvão (do livro As faces do rio)

trecho do poema “Uma Arte”

"A arte de perder não é nenhum mistério.
Tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes."


- Elizabeth Bishop (1956).

Lições


Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trêmula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

- Mia Couto, no livro "Idades Cidades Divindades",

Lisboa, Caminho, 2007.

da solidão

"A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que
o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre."


- Vinicius de Moraes, da solidão.

Sapato Florido

Epílogo
Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.

- Mario Quintana, in: Sapato Florido, 1948., 

Vindima


Vamos colher as uvas molhadas pelo orvalho
e tapetar de folhas o ingênuo samburá.

Em cada cacho maduro há uma pupila.

Quem será que ensina a estas aranhas
a tecer o fio frágil do aranhol,
e movimenta à sombra escura da parreira
a dança loura do sol?

Vamos colher as uvas.

Vamos cortar os cachos de efêmero sabor.

As tuas mãos morenas são ágeis como aranhas
e têm carícias gulosas para os frutos.

Prova o sumo sanguíneo.
Tinge os teus lábios no sangue da videira.

No teu cabelo o sol floresce uma coroa.
mergulhando os braços na folhagem,
és uma árvore moça,
és uma vinha selvagem que oferece
cachos de beijos para a minha fome!


- Augusto Meyer, em “Giraluz”, Porto Alegre: Globo, 1928.

El Aromo

 (Romildo Risso/Atahualpa Yupanqui)

Hay un aromo nacido
en la grieta de una piedra.
Parece que la rompió
pa’ salir de adentro de ella.

Está en un alto pela’o,
no tiene ni un yuyo cerca,
Viéndolo solo y florido
Tuito el monte lo envidea.

Lo miran a la distancia
árboles y enredaderas,
diciéndose con rencor:
“¡Pa uno solo, cuánta tierra!”

En oro le ofrece al sol
pagar la luz que le presta.
Y como tiene de más,
puña’os por el suelo siembra.

Salud, plata y alegría,
tuito al aromo, la suebra
Asegún ven los demás
dende el lugar que lo observan.

Pero hay que dir y fijarse
como lo estruja la piedra.
Fijarse que es un martirio
la vida que le envidean.
Que en ese rajón, el árbol nació
por su mala estrella.
y en vez de morirse triste
se hace flores de sus penas…

Como no tiene reparo,
todos los vientos le pegan.
Las heladas lo castigan
L’agua pasa y no se queda.

Ansina vive el aromo
sin que ninguno lo sepa.
Con su poquito de orgullo
porque es justo que lo tenga.

Pero con l’alma tan linda
que no le brota una queja.
Que en vez de morirse triste
se hace flores de sus penas.

¡Eso habrían de envidiarle

los otros, si lo supieran!