Por Márcio José Tokars
A primeira lição que se espera de um sábio é a humildade,
por isto num tribunal onde juízes se digladiam, não ecoa o bom senso e quando
algum deles se julga vencedor de uma competição, pela truculência verbal, o
tribunal se torna uma vitrine de horrores e vaidades onde quem sai perdendo é a
sociedade.
Não existe serenidade onde a emoção supera a razão. Força se
mede nos ringues e não nos tribunais. A prepotência é a expressão máxima da
pessoalidade, por isto os juízes devem ser humildes e qualquer um que se julgue
acima dos outros, se coloca abaixo de todos.
O serviço público que o sistema judicial presta é o
equilíbrio. A fala do julgador deve ser mansa e segura, mostrando a maturidade
e a civilidade que ele faz valer. O juiz é um instrumento de controle, por isto
lhe são vedados o descontrole e a destemperança. É proibido ao juiz se
apaixonar pela causa, porque a origem grega da palavra “paixão” é “pathos”, que
significa doença, catástrofe ou excesso.
O juiz é o guardião maior dos valores mais sagrados da
educação. Quando um juiz se altera, sempre perde a razão, pois se entrega à
emoção, que é a expressão da pessoalidade e não do pensamento jurídico. A fala
do juiz deve expressar equilíbrio. A altercação, ao contrário é a expressão biológica
do medo. A alteração pública do estado de ânimo é transtorno que não se espera
dos magistrados. Sábios, líderes e autoridades legítimas não precisam pedir
para serem ouvidos, quando o fazem, confessam que não o são.
O magistrado que se deixa levar pela emoção desonra a toga,
pois coloca o homem acima dela, que simboliza a razão. Por isto a missão do
juiz não é fazer justiça, mas fazer o direito, honrar os pressupostos e
garantias processuais. É do processo, e não do homem que o conduz, que deve
emergir a justiça.
Saber discordar ou ficar vencido é uma arte reservada aos
sábios. Nada é mais revelador acerca de uma pessoa, que a forma dela expressar
uma divergência, por isto os debates nos julgamentos não comportam atitudes
incompatíveis com a dignidade da toga, mesmo quando evocadas a título de
retórica na defesa das boas causas. Ali só cabe a técnica, não são disputas
pessoais. Neles a força não está no tom de voz, nem na quantidade de palavras
ditas ou escritas, mas sim nos fundamentos jurídicos. Nos ringues impera a
técnica da força, mas nos tribunais deve imperar a força da técnica, ou seja, a
força da lei que todos juraram obedecer, e não a força dos indivíduos. Por isto
o voto do titular mais antigo ou do substituto mais moderno tem o mesmo valor.
É a força da ética; do decoro; da urbanidade e do respeito
mútuo que mantém a serenidade e a dignidade dos cargos públicos, que estão
acima das questões pessoais. O real poder do juiz está em não precisar
demonstrá-lo. A razão jurídica se sustenta por si, por isto os bons juízes não
levantam a voz. Quando um juiz se esforça para chamar à atenção, ele não é
digno dela. Apelar para ser ouvido o ridiculariza, fragiliza o cargo e
desmoraliza o órgão, por isto a ética exige serenidade dos julgadores,
assegurada pelo freio deontológico da suspeição. Tribunais não são locais de
confronto entre julgadores.
Sob o viés psicanalítico a exaltação é uma tentativa de
sublimar a frustração pela impotência. A rudeza é um grito desespero, na
esperança de recuperar a autoestima corroída pela intolerância aos próprios
limites.
Nos colegiados os relatores não se manifestam para convencer
seus pares, mas tão somente para expor o fundamento da sua convicção.
Magistrados não tem obrigação de conquistar o voto alheio, pois não são
políticos.
O direito de divergir é a base da democracia; construída
pela diferença entre os iguais, pelo livre pensamento e manifestação. A
liberdade de julgar conforme seus fundamentos é a garantia de todas as outras
liberdades do Estado de Direito. Sufocar divergências é a tática do
totalitarismo, que muitas vezes age com uma sutileza diabólica, sob os aplausos
efusivos da massa hipnotizada por abusos maquiavélicos muito sedutores, pois
são feitos solenemente em nome da lei.
Vanessa Fontana | 12 de julho de 2017 às 11:24 pm | Tags:
Ética nos Tribunais, blog da vanessa fontana, direito, Juiz de Direito Márcio
José Tokars | Categorias: ética, Ciência Política, Direito, Justiça | URL:
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