quarta-feira, 8 de junho de 2011

Aras

Inês estava a procura de seus pais pelas ruas entre o comércio, mendigos que mendigavam religiosamente e mulheres, homens e crianças que paravam para comprar frutos, farinhas e peixes. Procurava-os na redondeza.

No centro da rua uma peça de Gil Vicente era encenada. “Creio que quando nasci/ estava o sol eclipsado,/ o ar todo carregado/de tristeza para mi/pois tristeza sou tornado./ E o sino em que fui gerado / (olhai que desventura!) estava desconcertado,/e logo fui condenado/meu nascer para a tristura.”

Numa banca de carnes o cheiro quente de sangue misturado ao das especiarias irritou as narinas de Inês fazendo com que se apressasse. Foi perguntar para os homens se, por um acaso, viram seus pais passar por ali. Os comerciantes, num falatório sem fim, não deram a mínima atenção à Inês que ouviu de um mercador que conversava com outro que havia uma ovelha sendo carneada num barracão da esquina.
Inês caminhou até lá.

Chegando no barracão espiou por uma fresta e viu uma ovelha com os pés amarrados numa viga, a cabeça jogada para baixo, o sangue escorrendo pela boca; estrebuchava. Cinco homens e duas mulheres conversavam dando risadas enquanto cortavam e separavam a lã, o couro e a carne.

Duas bacias de alumínio: Uma com água e a outra a espera dos pedaços de carne. E, mais no canto, uma gamela onde a lã era depositada para depois ser tecida.

Os pais de Inês estavam presentes.

Inês enfeitada de anéis, pulseiras, colares e coroa inventadas com galhos de laranjeira entrou e saiu do barracão sem ser notada.

Inês era uma menina.


 Mara Paulina Arruda
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