quinta-feira, 11 de julho de 2013
A colher de súbito cai no silêncio da língua.
Paro com a gelada imagem do tempo nos sentidos
puros. E sei que não é uma flor aberta
ou a noite cercada de águas extremas.
Paro por esta monstruosa
ingénua força da morte.
_ A colher envolvida pelo silêncio extenuante
da minha boca, da minha vida.
Herberto Helder
"É na poesia que se dá a múltipla ação guerrilheira do
Tet, quando, por baixo, o ícone invade o corpo verbal, baratinando-o com som e
música, fala e cor, tato e espaço e impedindo-o de discursar e de afirmar o que
quer que seja fora de si mesmo. A arte, ou melhor, o ícone, é aquele riso
rabelaisiano da praça pública que desierarquisa todas as formas, atraindo-as
para os baixos corporais da linguagem. Não pode pôr-se a serviço de uma
revolução, porque é a revolução; menos ainda a serviço do poder, pois é
antipoder por sua própria natureza: luta em seu próprio seio, perpetuamente,
contra as hipotaxes finalistas. É por isso que a arte não pode fazer discurso
ideológico. Não apenas porque não disponha de predicação lógica, mas por ser um
mundo naturalmente opositivo e sublevado contra o velho tirano logo-ideológico
que conhece desde e pela raiz, já que dá, a ele, nascimento contínuo... Esta, a
verdadeira resistência poética." ::: Décio Pignatari
PARA VIVER MAIS VIDAS
"Os livros acumulam a sabedoria
que os povos de toda a Terra adquiriram ao longo dos séculos. É improvável que
a minha vida individual, em tão poucos anos, possa ter tanta riqueza quanto a
soma de vidas representada pelos livros. Não se trata de substituir a
experiência pela literatura, mas multiplicar uma pela outra. Não lemos para nos
tornar especialistas em teoria literária, mas para aprender mais sobre a
existência humana. Quando lemos, nos tornamos antes de qualquer coisa
especialistas em vida. Adquirimos uma riqueza que não está apenas no acesso às
idéias, mas também no conhecimento do ser humano em toda a sua
diversidade." (TZVETAN
TODOROV)
Sozinho
"Sozinho" (Tradução de Adriano Nunes)
Sozinho
Do instante infante eu não fora
Como os outros - Não enxergara
Como os outros - Sequer trouxera
Paixões duma igual primavera -
Doutra origem eu conquistara
Minhas mágoas - Não despertara
Meu peito pra o prazer co' alinho -
Tudo amara e amara sozinho -
Portanto - na infância - na aurora
Da aflita vida desenhara
Do mal e bem a fossa infinda
O enigma que me atara ainda -
Dessa torrente, ou dessa fonte -
Do rubro báratro do monte -
Do sol que me houvera cercado
Pelo seu outono dourado -
Do relâmpago no céu alto
Quando por mim dera seu salto -
Do trovão e da tempestade -
Da nuvem que tomara de
(Quando o céu dera-se a brilhar)
Demônio a forma em meu olhar.
Edgar Allan
Poe: “Alone”
Alone
From
childhood’s hour I have not been
As others
were—I have not seen
As others
saw—I could not bring
My passions
from a common spring—
From the
same source I have not taken
My sorrow—I
could not awaken
My heart to
joy at the same tone—
And all I
lov’d—I lov’d alone—
Then—in my
childhood—in the dawn
Of a most
stormy life—was drawn
From ev’ry
depth of good and ill
The mystery
which binds me still—
From the
torrent, or the fountain—
From the
red cliff of the mountain—
From the
sun that ’round me roll’d
In its
autumn tint of gold—
From the
lightning in the sky
As it
pass’d me flying by—
From the
thunder, and the storm—
And the
cloud that took the form
(When the
rest of Heaven was blue)
Of a demon
in my view—
POE, Edgar Allan.
The Complete Poetry. With New Afterword by April Bernard. New York: Penguin,
2008, p. 65.
Enlouquecer.
Campos abanados pelo silêncio. Alguém como eu
mergulhando no que é o obscuro
das vacas dormindo.
Estrelas giradas, de repente mortas
sobre mim. Penso alterar tudo,
recuperar agora as colinas do mundo.
Falando de amor, eu falo
do génio destruidor. Falo que é preciso
criar a velocidade das coisas.
Que é preciso caçar flores, golpear estrelas,
meter o sono nas vacas, desentranhar-lhes
o sono,
dar o sono às estrelas.
Enlouquecer.
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