Soberana, mas agressiva quando provocada: a vaidade é lâmina
afiada, pronta para o combate. Um colega, cuja postura política é distinta de
minha, comentou que jamais aceitaria um convite destes. Respondi que ele
deveria esperar primeiro que o convite fosse formulado a ele para saber se
aceitaria ou não. Até lá, comentei sardônico, seria lícito supor que a
imaginada negativa pudesse ser filha mais da inveja do que da consciência
política. Orgulhosos não se toleram refletidos: rompemos.
Guiado pelos cavalos do triunfo, segui no meu deleite
interno por alguns dias. Depois, como o servo que sussurrava aos generais
romanos, fui ouvindo a voz da consciência prudente, que nada mais é do que a
voz do medo. Lembra-te de que és apenas um homem. Será que eu conseguiria?
Tenho algo a dizer toda semana? Artigos esporádicos? Criei-os às grosas. Mas...
toda semana? Ser bom num texto é mais fácil do que ser bom sempre. O triunfo
empacou no medo. Tal temor também é fruto da vaidade: vou me expor a um mundo
gigantesco, como jamais fiz. Teria sonhado alto demais?
Piorou minha angústia: lembrei-me de que estaria ao lado de
um homem que leio há anos e considero genial: Luis Fernando Verissimo, filho de
outro homem que admiro desde a infância. Fico apenas nesse nome, mas há muitos
outros. Minha vaidade é enorme, mas não é patológica. Reconheço qualidades em
Luis Fernando Verissimo que nunca existirão em mim. O lago no qual Narciso se
admira viu o reflexo da queda de Ícaro... Suas asas de cera não poderiam ter
tocado na luz de Apolo. Poderei estar ao lado de Luis Fernando Verissimo?
A reunião com o diretor de Jornalismo João Caminoto trouxe,
além do encontro agradável, uma certeza clara. Perguntei sobre ponto nevrálgico
para toda pessoa com aspiração a escrever e pensar. Serei livre? Terei carta
branca? Intelectuais toleram quase tudo, até festa de formatura, mas temos uma
ojeriza ancestral à censura. João foi enfático. Sim, eu seria inteiramente
livre. O Estadão apenas oferecia o patíbulo: a tipologia do nó da forca e a
liberdade do salto para a morte seriam, inexoravelmente, meus. O terrível,
pensei, era que a censura e a repressão fizeram brotar pérolas como As Moscas,
de Sartre; ou O Bêbado e a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc.
Curiosamente, a liberdade não parecia ser um fermento tão poderoso para o pão
da criatividade.Quando entrei na Unicamp, há duas décadas, foi um dos dias mais
felizes da minha vida. Era o zênite de anos de bancos escolares, livros,
arquivos, viagens e pesquisas. Senti, naquele dia, que eu estava ingressando em
algo muito maior. A Unicamp era uma galáxia e eu estava muito feliz com isso.
Continuo satisfeito.
A sensação voltou agora. Um veículo como o Estadão é maior
do que as tiragens dos meus livros, do que o número de alunos regulares ou de
seguidores virtuais. Não me deram uma gaveta maior: trocaram o armário e
redefiniram a própria concepção de espaço.
Com esta coluna, entrarei nas casas todos os domingos e
centenas de milhares de famílias irão me receber. Também serei acessado via
internet e lido de forma randômica. Abro espaço para ser conhecido, e,
consequência inevitável, mal interpretado.
Com medo e com orgulho, assino esta primeira coluna. Nela,
há uma fórmula que tem sido a minha em textos não acadêmicos e palestras. Se o
leitor atento percebeu, sob a prosa despretensiosa existe uma reflexão sobre a
vaidade, sobre mídia, censura e conhecimento de si. Com fios de cultura formal
e observações do mundo ao meu redor, teço estas palavras na minha Ítaca da Rua
Cotoxó. Busco dizer coisas com humor e inteligência (só busco, oh, meus
incipientes patrulheiros).
Sem humor e sem inteligência, a vida fica insuportavelmente
monótona. Tenho um misto de medo e de entusiasmo. Toda partida tem um Velho do
Restelo, venerando e aziago. Quase sempre ele tem razão, mas não haveria
epopeia se o medo nos guiasse. Também não haveria naufrágios. Minha felicidade
nunca esteve nas ondas rasas. Sempre aceitei o jogo ambíguo do risco e do
desafio. Um bom domingo a todos vocês!