“O surpreendente princípio desse “moralista” acaba pelo
dizer: tudo é permitido [...]. Sim, na ordem da particularidade, tudo é
permitido, pois, se as diferenças constituem o material do mundo, é
simplesmente para que a singularidade do sujeito de verdade, ela própria
contida no devir do universal, cave trincheira nesse material. Não é necessário
por isso, muito pelo contrário, pretender julgá-lo ou reduzi-lo.
[...]
Evidentemente, Paulo combate todos aqueles que gostariam de
submeter a universalidade pós-acontecimento à particularidade judaica.
[...]
Judeu entre os judeus, e feliz de sê-lo, Paulo quer apenas
lembrar que é absurdo achar-se proprietário de deus e que um acontecimento, em que
a questão em pauta é o triunfo da vida sobre a morte, quaisquer que sejam as
formas comunitárias de uma e de outra, estimula o “para todos” em que o Um do
monoteísmo se sustenta.
[...]
A técnica de Paulo é, então, o que se poderia chamar a
simetrização segunda.
[...]
No fundo, o que Paulo tenta fazer e que é justo considerar
ser, afinal de contas, uma invenção progressista, é passar o igualitarismo
universalizante por meio da reversibilidade de uma regra desigualitária. O que
lhe permite, ao mesmo tempo, não entrar em controvérsias sem saída relativas à
regra (que ele assume inicialmente) e dispor a situação global de tal modo que
a universalidade possa ser recuperada nas diferenças particularizantes, na
circunstância da diferença dos sexos.” (Badiou, Universalidade e travessia das
diferenças, In: A fundação do universalismo, pp. 118-122).