Muitas vezes, vejo estudantes com talento e potencial
travarem na hora de escrever. Não estou falando da procrastinação inicial. A
pessoa já desligou o Netflix, já desistiu de organizar as canetas pela enésima
vez, já largou desse facebook, está pronta para trabalhar, mas tem um bloqueio
quando vê a tela em branco. Passa horas em frente a ela e, no final, não
batucou nenhuma tecla. Ou faz com que o trabalho funcione como forma de sempre
adiar este momento.
Não sei até que ponto dar “bons conselhos” ajuda a superar a
situação – sempre que vejo a expressão, lembro da frase de La Rochefoucauld,
“os velhos dão bons conselhos porque não conseguem mais dar maus exemplos”.
Mas, de qualquer maneira, alinhavei meia dúzia dicas que podem ser úteis:
1. Pare de ler. Colocar uma pilha de textos na sua frente e
pensar “antes tenho que ler isso” é a melhor maneira de nunca escrever. Cada
texto lido aponta para novos textos, num processo que nunca acaba. É necessário
dimensionar o mergulho na literatura existente, de acordo com o tempo para
realização do trabalho, estabelecendo prioridades e lembrando sempre que o
objetivo não é uma erudição vazia (saber “tudo” o que se escreveu sobre
determinado assunto), mas construir um argumento consistente. Aqui e ali, a
própria escrita vai eventualmente exigir uma leitura adicional (a palavra
crucial da frase é “eventualmente”).
2. Prepare um roteiro. O tempo que se gasta preparando um
“esqueleto” do texto a ser escrito é amplamente recuperado depois. Um roteiro
da construção do argumento solidifica a organização das ideias e dá direção à
escrita, já que sabemos para onde estamos indo. Quem tende a ser muito prolixo
ou se perder em caminho laterais pode, junto ao roteiro, indicar quantos
parágrafos ou quantas laudas vai dedicar a cada item.
3. Atropele os detalhes. Uma armadilha frequente é parar de
escrever para pesquisar uma informação secundária. Pode ser bacana saber qual é
a proporção de mulheres na câmara baixa do parlamento de Ruanda, em que data a
cidade da Paraíba mudou o nome para João Pessoa ou o nome do meio do agente
Ethan Hunt, mas isso é realmente crucial para o desenvolvimento do seu
argumento? Se não é, deixe marcado, prossiga e pesquise depois. (Em tempo: as
respostas são 63,8%, 4 de setembro de 1930 e Matthew. Eu parei aqui para
pesquisar...)
4. Abandone o perfeccionismo. Convém aceitar logo de cara
que seu texto não vai ficar perfeito. Se eu só vou escrever se estiver
perfeito, já estou assumindo que nunca vou escrever nada. A exigência de
perfeição leva à paralisia. Em geral, enquanto estamos escrevendo, temos alguns
momentos em que achamos que somos geniais e outros, mais frequentes, em que
tudo parece imprestável. Normalmente o resultado está em algum ponto entre os
dois extremos. A palavra escrita é menos maleável, mais definitiva do que a
fala, por isso nos expõe mais. São os ossos do ofício e o único consolo é
pensar que estamos bem acompanhados: não há nenhum autor que se livre da
imperfeição.
5. Seja claro. A escrita é uma forma de comunicação; nela, a
clareza é ainda mais necessária do que na expressão oral, uma vez que o
receptor não pode interromper e pedir esclarecimentos. Infelizmente, o ambiente
acadêmico muitas vezes estimula o discurso empolado, que parece profundo quando
é apenas obscuro e confuso. A obscuridade impede o debate de ideias, porque
impede o acesso às ideias que deveriam ser debatidas. (Um grande cientista
político, James Scott, escreveu certa vez: “Sou acusado com frequência de estar
errado, mas raras vezes de ser incompreensível”.) Na verdade, esse conselho tem
pouco a ver com ficar travado na hora de escrever, mas é tão importante que tem
que ser repetido sempre que possível.
6. Escreva. O melhor caminho para superar o bloqueio é
escrever: da forma que passar pela cabeça, mesmo que depois tenha que ser
refeito de cabo a rabo. Sente na frente do computador e comece a escrever,
imediatamente. Não precisa de “inspiração”, não precisa de nenhum estado de
espírito especial: é um trabalho. Uma alternativa é estabelecer metas diárias e
se obrigar a cumpri-las (metas realistas; não adiante dizer que vai produzir a
Crítica da razão pura no final de semana). Escrever, mesmo que de forma
insatisfatória, rompe com a mistificação sobre o ato da escrita que gera o
bloqueio.
Luis Felipe Miguel