terça-feira, 14 de fevereiro de 2017


Muitas vezes, vejo estudantes com talento e potencial travarem na hora de escrever. Não estou falando da procrastinação inicial. A pessoa já desligou o Netflix, já desistiu de organizar as canetas pela enésima vez, já largou desse facebook, está pronta para trabalhar, mas tem um bloqueio quando vê a tela em branco. Passa horas em frente a ela e, no final, não batucou nenhuma tecla. Ou faz com que o trabalho funcione como forma de sempre adiar este momento.

Não sei até que ponto dar “bons conselhos” ajuda a superar a situação – sempre que vejo a expressão, lembro da frase de La Rochefoucauld, “os velhos dão bons conselhos porque não conseguem mais dar maus exemplos”. Mas, de qualquer maneira, alinhavei meia dúzia dicas que podem ser úteis:

1. Pare de ler. Colocar uma pilha de textos na sua frente e pensar “antes tenho que ler isso” é a melhor maneira de nunca escrever. Cada texto lido aponta para novos textos, num processo que nunca acaba. É necessário dimensionar o mergulho na literatura existente, de acordo com o tempo para realização do trabalho, estabelecendo prioridades e lembrando sempre que o objetivo não é uma erudição vazia (saber “tudo” o que se escreveu sobre determinado assunto), mas construir um argumento consistente. Aqui e ali, a própria escrita vai eventualmente exigir uma leitura adicional (a palavra crucial da frase é “eventualmente”).

2. Prepare um roteiro. O tempo que se gasta preparando um “esqueleto” do texto a ser escrito é amplamente recuperado depois. Um roteiro da construção do argumento solidifica a organização das ideias e dá direção à escrita, já que sabemos para onde estamos indo. Quem tende a ser muito prolixo ou se perder em caminho laterais pode, junto ao roteiro, indicar quantos parágrafos ou quantas laudas vai dedicar a cada item.

3. Atropele os detalhes. Uma armadilha frequente é parar de escrever para pesquisar uma informação secundária. Pode ser bacana saber qual é a proporção de mulheres na câmara baixa do parlamento de Ruanda, em que data a cidade da Paraíba mudou o nome para João Pessoa ou o nome do meio do agente Ethan Hunt, mas isso é realmente crucial para o desenvolvimento do seu argumento? Se não é, deixe marcado, prossiga e pesquise depois. (Em tempo: as respostas são 63,8%, 4 de setembro de 1930 e Matthew. Eu parei aqui para pesquisar...)

4. Abandone o perfeccionismo. Convém aceitar logo de cara que seu texto não vai ficar perfeito. Se eu só vou escrever se estiver perfeito, já estou assumindo que nunca vou escrever nada. A exigência de perfeição leva à paralisia. Em geral, enquanto estamos escrevendo, temos alguns momentos em que achamos que somos geniais e outros, mais frequentes, em que tudo parece imprestável. Normalmente o resultado está em algum ponto entre os dois extremos. A palavra escrita é menos maleável, mais definitiva do que a fala, por isso nos expõe mais. São os ossos do ofício e o único consolo é pensar que estamos bem acompanhados: não há nenhum autor que se livre da imperfeição.

5. Seja claro. A escrita é uma forma de comunicação; nela, a clareza é ainda mais necessária do que na expressão oral, uma vez que o receptor não pode interromper e pedir esclarecimentos. Infelizmente, o ambiente acadêmico muitas vezes estimula o discurso empolado, que parece profundo quando é apenas obscuro e confuso. A obscuridade impede o debate de ideias, porque impede o acesso às ideias que deveriam ser debatidas. (Um grande cientista político, James Scott, escreveu certa vez: “Sou acusado com frequência de estar errado, mas raras vezes de ser incompreensível”.) Na verdade, esse conselho tem pouco a ver com ficar travado na hora de escrever, mas é tão importante que tem que ser repetido sempre que possível.


6. Escreva. O melhor caminho para superar o bloqueio é escrever: da forma que passar pela cabeça, mesmo que depois tenha que ser refeito de cabo a rabo. Sente na frente do computador e comece a escrever, imediatamente. Não precisa de “inspiração”, não precisa de nenhum estado de espírito especial: é um trabalho. Uma alternativa é estabelecer metas diárias e se obrigar a cumpri-las (metas realistas; não adiante dizer que vai produzir a Crítica da razão pura no final de semana). Escrever, mesmo que de forma insatisfatória, rompe com a mistificação sobre o ato da escrita que gera o bloqueio.

Luis Felipe Miguel