quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Foxtrotando pela rua


Vai Fulaninha, seminua,

Tem movimentos de onda do mar.

O corpo moço, a pele fresca,

Futurista, bataclanesca,

Chi! Eu gosto! Nem é bom falar...

Pisa a calçada, toc... toc...

No seu encalço vão a reboque

Peralvilhos, gênios do mal.

E ela nem liga... Continua

Foxtrotando pela rua...

Gentes, Que coisa mais fatal!

Figurino de dia cálido!

O seu semblante moreno-pálido

A mão de um gênio foi que compôs.

Como se chama? Vera? Estefânia?

Meu Luluzinho da Pomerânia,

Meu Luluzinho número 2!

Aonde vais, lindo vagalume?

— Vou ao Bazin comprar perfume...

Guerlain, Houbigant, Coty?

Todo o perfume é o mesmo, ardente,

E alucinante, e estuante, e quente,

Quando o perfume vem de ti.

— Meu bizarro João da Avenida!

Já ficou bom daquela ferida

Que lhe abriram no coração?

— Há muito tempo estou curado.

Por que falar-me do Passado?

E ela pôs os olhos no chão.

E dizer que tu foste... Perdoa...

— Pr'a que dizer? A lembrança é boa

— Lembrar é falta de educação.

— Mas a saudade purifica...

O sofrimento é o único bem que fica

Para a volúpia do perdão!



©Olegário Mariano

In Ba-Ta-Clan, 1924

NO JARDIM DO MOSTEIRO

Poema integrante da série I: Da Morte.





No jardim do mosteiro

silêncios envolvem o monge

e seu livro de horas.

Ele sabe da sombra infinita

que espera lá fora.

É velho o monge

e morrerá com ele

alguma frase em latim

uma entonação gregoriana

seu rosário suas sandálias

e um pouco de mim

Autor: Neide Archanjo

O LIXO

plásticos voando baixo

cacos de uma garrafa

pétalas

sobre o asfalto



aquilo

que não mais

se considera útil

ou propício



há um balde

naquela lixeira

está nos sacos

jogados na esquina



caixas de madeira

está nos sacos

ao lado da cabine

telefônica



o lixo está contido

em outro saco

restos de comida e cigarros

no canteiro, sem a árvore,



lixo consentido

agora sob o viaduto

onde se confunde

com mendigos




Régis Bonvicino

AGONIA

uma gaivota rente ao mar

voa entre os barcos

no pôr-do-sol

toca



asas na água

sem o peixe

voando em círculos

perto da árvore



em bando barcos parados

a voz da gaivota,

aguda, ecoa

rumo ao mar



fechado, mergulha

imersa, agora, como ostra

destroça o peixe

entre as patas gaivotas a lua?



na água que apagou

nuvens sobre a montanha

onde já é quase noite

acima um céu azul ainda



horizonte uma gaivota voa

luz acesa da ponte

silêncio íntimo da baía

cor no entanto a onda




Régis Bonvicino




Régis Bonvicino é autor de vários livros de poesia, entre eles: Bicho papel (SP, Groove, 1975); Régis Hotel (SP, Groove, 1978); Sósia da cópia (SP, Max Limonad, 1983); Más companhias (SP, Olavobrás, 1987); 33 poemas (SP, Iluminuras, 1990); Outros poemas (SP, Iluminuras, 1993); Ossos de borboleta (SP, 34, 1996); Céu-eclipse (SP, 34, 1999); Remorso do cosmos (SP, Ateliê, 2003).