sábado, 30 de novembro de 2013

Boy destroying a piano


Wales, Great Britain, 1961
Telefonaste para lembrar-me
de eu haver dito que o Nobel
devia ser recusado, porque
nem sempre é dado ao melhor.
Forgive me, aceito-o por medo.
Uma recompensa conspícua não ofende
ao contrário preserva das insídias
da desvalorização. Não esperes
um gesto de coragem de um velhote.
Os reconhecimentos chegam
sempre com atraso, quando parece
inútil até mesmo um título cobiçado.
O tempo dos eventos

é diverso do nosso. 


(Eugenio Montale - Diário Póstumo)


 

Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente onde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não onde penso.
Só me posso sentar onde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra cousa,
E somos vadios do nosso corpo.


- Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa], In Poemas Inconjuntos - In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001


Confissão


Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!


- Mario Quintana, in: Velório sem defunto, 1990.

O ofício de viver

O ofício de viver
Vou sempre além de mim mesmo
em teu dorso, ó verso.
O que não sou nasce em mim
e, máscara mais verdadeira
do que o rosto, toma conta
de meus símbolos terrestres.
Imaginação! teu véu
envolve humildes objetos
que na sombra resplandecem.
Vestíbulo do informulável,
poesia, és como a carne,
atrás de ti é que existes.
E as palavras são moedas.
Com elas, tudo compramos,
a árvore que nasce no espaço
e o mar que não escutamos,
formas tangíveis de um corpo
e a terra em que pisamos.

Se inventar é o meu destino,
invento e invento-me. Canto.

- Lêdo Ivo, in "Poesia Completa", 2004.
http://www.elfikurten.com.br/2013/04/ledo-ivo-uma-aventura-poetica.html