domingo, 6 de novembro de 2016

Ricardo Costa de Oliveira

Como eu afirmo nas minhas aulas, nenhuma sociedade necessita mais de sociologia e de humanidades do que o Brasil, nenhuma sociedade precisará mais delas do que a sociedade do futuro. A série Black Mirror vale por um curso de tecnologia e sociedade, quase todas as principais questões estão lá: informática, computação, redes, biotecnologias, poder político, trabalho, desigualdade social, status, ideologias, interações e relações sociais, famílias, instituições, autoridades, punições, conceitos sociais de crimes, violências, lazer, reprodutibilidade, ambientes de realidades, alienação.. e por aí vai. A falta de sociologia e de humanidades é o pior desastre para uma sociedade que se quer moderna, com cidadania e direitos para todos. A falta de sociologia e de reflexões sociais sai mais cara do que a falta de tecnologia porque a destruição social será muito pior pelo mau uso das tecnologias acéfalas do futuro. Black Mirror serve como complementação para qualquer curso de sociedade e tecnologia, da mesma maneira que um House of Cards (ou House of Cunha) serve para a complementação da política como ela realmente é, em um bom curso sobre Maquiavel.



Há crises para muito tempo…



Outras constatação importante: os países ricos seguem padecendo de consequências do terremoto econômico-financeiro que foi a crise de 2008. Pela primeira vez, a União Europeia, (e o “Brexit” confirma), vê ameaçada sua coesão e até sua existência. Na Europa, a crise econômica durará ao menos mais uma década, até pelo menos 2025.
Há crise, em qualquer setor, quando algum mecanismo deixa de atuar, começa a ceder e acaba rompendo-se. Essa ruptura impede que o conjunto da maquinaria siga funcionando. É o que aconteceu com a economia mundial desde o estouro da crise das sub-primes em 2007-2008.
As consequências sociais desse cataclismo econômico foram brutalmente inéditas: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres… Os jovens, em particular, são as principais vítimas; gerações sem futuro. Mas as classes médias também estão assustadas porque o modelo neoliberal de crescimento abandonou-as à margem do caminho.
A velocidade da economia financeira de hoje é de relâmpago, enquanto que a velocidade da política, em comparação, é de caracol. Resulta que fica cada vez mais difícil conciliar tempo econômico e tempo político. E também crises globais e governos nacionais. Tudo isto provoca, nos cidadãos, frustração e angústia.
A crise global produz perdedores e ganhadores. Os ganhadores encontram-se, essencialmente, na Ásia e nos países emergentes, que não têm uma visão tão pessimista da situação, como os europeus. Também há muitos ganhadores no interior dos países ocidentais, cujas sociedades encontram-se fraturadas pela desigualdade entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

Na realidade, não estamos suportando uma crise, mas uma série de crises, uma soma de crises mescladas tão intimamente umas às outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas das outras, e assim até formar um verdadeiro sistema de crises. Ou seja, enfrentamos uma autêntica crise sistêmica do mundo ocidental, que afeta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a identidade, a guerra, o clima, o meio ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude etc.

Extraído de análise de Ignácio Ramonet em outraspalavras.net de 15/10/2016. 

Como começou... gato negro em campo de neve ...


(A motivação para contar essa história - que parece fantasiosa, mas que é real - veio da polêmica atual sobre as manifestações de rua e seus desdobramentos em violência. Desde os meus 15 anos acho – e continuo achando ainda hoje – que a violência é caminho para lugar nenhum. Quer mudar o mundo? Ótimo. Entre no grêmio estudantil, filie-se a um sindicato ou a um partido, funde uma banda de rock, participe de um cineclube e veja muitos filmes, leia muito livros, estude bastante. São várias as opções. Pense em projetos e programas que possam beneficiar muita gente. E, se a oportunidade aparecer, não a perca.)
A comemoração, na próxima segunda-feira, dos dez anos do programa “Luz para todos” instituído pelo Decreto 4.873, de 11/11/2003, do então presidente Lula e da ministra de Energia Dilma Rousseff, me traz algumas lembranças que quero compartilhar com os amigos.
Corria o ano de 2002, último ano do segundo governo de FHC e, em março de 2002, o Ministério do Planejamento lançou a concorrência para o Estudo de Atualização do Portfólio dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (2004-2011). Este visava renovar os projetos de infraestrutura que poderiam ser do interesse do setor privado e de parcerias público-privado na concepção desenvolvimentista do então governo federal. Continha também um esforço meritório de planejamento do país por meio de grandes projetos de infraestrutura e estudos de logística realizados por profissionais experientes.
Participamos da concorrência respondendo pelo portfólio de projetos de Energia (já tinha feito o portfólio de projetos de Energia para a Região Amazônica no estudo anterior) pelo Consórcio Monitor/Boucinhas. Ganhamos a licitação e começamos a trabalhar na seleção de projetos de usinas de geração, linhas de transmissão e gasodutos para o país.
Ao iniciar os trabalhos, tendo que produzir um texto sobre a situação nacional na perspectiva do setor elétrico, oferta & demanda, aparecia como uma nódoa gigantesca a borrar o mapa nacional o número de brasileiros ainda sem acesso à energia elétrica, em pleno século XXI: algo como 10 milhões de pessoas! Nas trevas, ou quase. Isso me incomodava e desviava a minha atenção do portfólio de projetos. Comecei a pensar se não havia uma forma de “driblar” o escopo do projeto que eu tinha sido contratado para fazer, introduzindo, de alguma forma, a questão da população não atendida pelos serviços de eletricidade nas áreas rurais do país.
Vinha de uma gratificante experiência quando, dez anos antes na CESP, em São Paulo, tinha sido um dos artífices de um programa de eletrificação rural que atendeu as populações carentes do Vale do Ribeira, Pontal do Paranapanema e do fundo do Vale do Paraíba.
A eletrificação rural no país estava se desenrolando, de forma lenta, por meio de programas das concessionárias federais e de algumas empresas estaduais, sendo o maior deles o Luz no Campo (Eletrobras e subsidiárias). Como responsável por um portfólio de projetos de Energia para o Brasil, se eu conseguisse transformar a questão da eletrificação das moradias nas áreas rurais em um programa de governo, uno e nacional, daria um enorme passo no sentido da verdadeira universalização do acesso à energia elétrica a todos os brasileiros. Um único programa! Passo fundamental que romperia o “dique” setorial e traria o assunto para a responsabilidade do governo federal! Um programa de governo e não de empresas!
Comecei a trabalhar. Consultei, em primeiro lugar, Lucia Pilla (parceira em muitos projetos!), economista brilhante, que também estava no Consórcio, e conhecida por resolver problemas complexos. Perguntei-lhe de forma objetiva: será que você consegue o número de moradias rurais brasileiras que não possuem acesso à eletricidade? E ela, que adora desafios, respondeu: de todos os municípios brasileiros? E eu: sim, de todos, só serve se for de todos! Ela retrucou: se os dados existirem, consigo! E lhe expliquei o que pretendia. Com a informação e com custos das obras de eletrificação rural em andamento no país, que eu tinha como obter, poderíamos fazer orçamentos médios regionalizados e obter o custo muito aproximado de quanto precisaríamos para um programa de UNIVERSALIZAÇÃO da energia elétrica para o país. Poderia ser viável!
Conseguimos os dados, todos. O projeto estava andando e, muito importante, identifiquei que poderíamos, a partir de uma ação do governo, usar os recursos da Reserva Global de Reversão (RGR), recursos abundantes do próprio setor elétrico, para executar o programa. Ou seja, tínhamos os dados e a fonte de recursos. Precisava, agora, dar o segundo passo: convencer o Consórcio que o programa de UNIVERSALIZAÇÃO de acesso à eletricidade que estávamos desenvolvendo, apesar de não fazer parte do escopo contratado, merecia estar no estudo pelo seu caráter “estruturante do ponto de vista social”. Batalha.
Estava no Consórcio, como um dos coordenadores, o sociólogo Carlos Alberto Doria e fui consultá-lo sobre o assunto. Doria, um consultor experiente na relação com governos, homem de grande inteligência e sensibilidade, poderia ajudar na viabilização do programa. Mostrei a ele o que pretendíamos. Ele achou a ideia excelente e disse que claro, claro que sim, ajudaria a colocar o programa no portfólio de projetos. E assim o fez. Na reunião de coordenadores e responsáveis pelos vários portfólios, apresentei a ideia e Doria foi decisivo no convencimento do Prof. Paulo Haddad - economista mineiro, ex-ministro da Fazenda, homem muito educado, gentil e coordenador-geral dos trabalhos - a apoiar a inclusão do programa no nosso estudo.
Próximo passo, Brasília. Restrições, pois o programa não era “novidade” e não tinha apelo para atrair o capital privado. Com paciência fui explicando que a “abordagem” era nova, que a execução do programa movimentaria dezenas de empresas privadas produtoras de postes, cabos elétricos e transformadores e inúmeros pequenos empreiteiros. E que os benefícios sociais seriam enormes. Fomos conquistando adeptos. No final, surgiram pequenos óbices formais, relacionados com a aventada, por técnicos do MP, possível necessidade de um aditivo ao contrato pela inclusão do novo trabalho. Afastamos o problema dizendo que não seria necessário qualquer acréscimo ao contrato, que os homens-hora gastos nos estudos do programa seriam absorvidos por nós sem custos para o contratante.
E assim concluímos o estudo. Cerca de 2.150.000 moradias sem energia elétrica existentes no país poderiam ser atendidas a um custo de R$ 6.297.780.000,00 (Reais de outubro de 2002). Sim, era possível. No texto de justificativa do programa, que encaminhamos para o Ministério do Planejamento, o batizei. LUZ PARA TODOS! Programa de universalização do acesso à energia elétrica.
FHC se despedia. Lula assumiria o governo em 1/1/2003. Dilma foi nomeada para o Ministério de Energia. A sensibilidade social de ambos tirou o programa da prateleira do Ministério do Planejamento e o transformou em plano de governo. Os últimos números que tive acesso mostram que cerca de 15 milhões de brasileiros foram beneficiados pelo programa até meados de 2013!
Pequena ironia da história: um dos maiores programas sociais da era Lula foi gestado nos estertores do governo de FHC. Não por tucanos, nem por petistas. E sim por consultores independentes. Pessoas que sempre estiveram no “campo” da esquerda democrática, ”três mosqueteiros” lutando aqui e ali, aproveitando os espaços existentes para ousar um pouquinho visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.Por Claudio Guedes

Lugar Lugares

Parece que sim, que tinha demasiada imaginação, e levaram-na ao médico e ele disse: aguente-se, e ela não se aguentou. Era uma criança. Não, não, nessa altura já tinha crescido, bebia pelo menos um litro de brandy por dia. Nada mau, para uma antiga criança. A verdade é que era uma criança, e não se aguentou quando o médico disse: aguente-se. E as ruas são tão tristes. Precisam de mais luz. Mas nesta, por exemplo, já puseram mais luz, e mesmo assim é triste. É até mais triste que as outras. Estou tão triste. Vamos para as férias, para o pequeno paraíso. Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia agarrar num copo: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos bolos que tu gostas tanto. E depois, e depois?


(Herberto Helder, trecho de Lugar Lugares, em "Os Passos em Volta")

Ensinamento - coisas que vamos descobrindo à medida que envelhecemos




As nossas experiências e insights mais profundos devem permanecer secretos e não falados, isto é, devemos manter sigilo pelas experiências esotéricas por quais passamos. Quando descobrimos coisas ou passamos por experiências místicas e começamos a falar poderemos ser rejeitados ou mal interpretados pelos outros. É inútil falar o que os outros não podem alcançar. Por isso, quando Cristo disse: “não se jogam pérolas aos porcos.”, ele quis dizer que algumas mensagens não chegam a algumas pessoas, e que nessas ocasiões é melhor não falar nada. Não devemos ultrapassar a capacidade de compreensão dos outros. O silêncio e o respeito muitas vezes são as atitudes mais corretas. Quando guardamos para nós nossas descobertas seremos aguilhoados com mais descobertas, quanto maior o nosso sigilo fazer, mais receberemos. O filme japonês “A Partida” trata de forma belíssima e pungente este assunto.

Eloi Beto Zanetti