terça-feira, 31 de março de 2015

O PT de volta ao divã

André Castelo Branco Machado

Não posso aceitar que a nossa sociedade, cada vez mais violenta, superficial, competitiva e egoísta, queira estabelecer leis ainda mais severas para punir a agressividade e os crimes que ela própria produz. É apagar incêndio com pólvora. Estamos rumando para a barbárie e muitos estão aflitos para acelerar esse destino.
Poderíamos aproveitar esse momento de caos para efetivarmos mudanças radicais no metabolismo dessa sociedade e transformarmos as relações humanas.
Socialismo ou barbárie, cada vez mais atual.


O PT de volta ao divã
De tempos em tempos, assim como reforma política, reforma ministerial, reforma tributária, o destino do PT emerge como assunto de destaque. Com o 5º congresso marcado para junho e em meio a um tiroteio político generalizado, volta-se a falar em refundação, aliança com movimentos sociais e até a criação de “puxadinhos” tipo Frente Ampla do Uruguai.
Fala-se de tudo, menos do essencial. Com base em que propostas, em que projeto social vai repousar esta reformulação? Eis o ponto.
O problema do PT, decididamente, não é organizativo. Está longe dos movimentos sociais? Sim, está, mas é ilusão culpar erros administrativos. Deixou de dialogar com os setores trabalhistas e operários? Evidente, mas o motivo não é uma questão de comunicação. Afastou-se dos sem-teto, da juventude que saiu às ruas, da classe média? Basta olhar os fatos.
Pergunte aos militantes petistas qual programa seguem. “A favor dos pobres”, dirão –mesmo porque nem o dirigente mais aguerrido saberá descrever quatro ou cinco pontos específicos da plataforma do partido.
O certo é que não dá para defender a maioria recorrendo ao instrumental da minoria.
Concebido como representante de trabalhadores, o PT pouco a pouco tem abandonado sua essência. De bancário, arrisca-se a virar banqueiro, a ponto de hoje ocupar as manchetes como paladino do superávit primário, do corte de benefícios sociais, do encolhimento de recursos para a educação. Só falta imprimir as propostas em inglês. Isso para não citar os tentáculos expostos na área da corrupção.
A inapetência do PT, sem intenção de trocadilho, salta aos olhos. São Paulo sofre com a falta d’água, vive uma epidemia de dengue e assiste a uma nova greve de professores. Onde está o PT?
O máximo que se vê é sua principal figura no Estado, o prefeito paulistano, preocupado em travar uma batalha de morte por…ciclovias. Nada contra elas, assim como muitos poucos serão a favor da destruição da camada de ozônio ou da proibição de pasta de dente. Mas transformar isto em bandeira de governo numa capital de tamanhas carências revela, como diria o povo, falta de senso de noção.
No plano federal, a mesma coisa. Além do caso Petrobras, o partido submete-se a um papel secundário, de coadjuvante, também frente a escândalos como a lista do HSBC e a recente Operação Zelotes. Ambas provam que o Brasil, tido como um dos campeões de carga tributária, revela-se, na verdade, imbatível na sonegação de impostos.
Só na Zelotes, calcula-se um prejuízo de quase 6 bilhões de reais para o Tesouro –valor três vezes maior que o indicado pelo Ministério Público na Operação Lava Jato. Repita-se: três vezes maior.
Os jornalistas Fábio Fabrini e Andreza Matais, de “O Estado de S. Paulo”, deram a lista de alguns acusados: Santander, Bradesco, Ford, Gerdau, Safra, RBS, Camargo Corrêa e outros nomes de calibre parecido. Onde estão o governo do PT e o ministro da Fazenda que ele nomeou? Em vez de atacar os peixes graúdos, os emissários do Planalto mendigam votos no Congresso para encolher pensões de viúvas, cortar bolsas de universitários e onerar desempregados.
Para fazer este trabalho, convenhamos, já há legendas de sobra na paisagem nacional.

Artigo do jornalista Ricardo Melo publicado no jornal Folha de São Paulo de 30 de março de 2015.




"Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor por que passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno. Um pôr do sol, uma carta que recebemos de um amigo, os campos de capim-gordura brilhando ao sol nascente, o cheiro do jasmim, um único olhar de uma pessoa amada, a sopa borbulhante sobre o fogão de lenha, as árvores do outono, o banho da cachoeira, mãos que seguram, o abraço do filho: houve muitos momentos de tanta beleza em minha vida que eu disse: ‘Valeu a pena eu haver vivido toda a minha vida só para poder ter vivido esse momento. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida’."

- Rubem Alves, em “Do universo à jabuticaba”. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010, p. 144.
"A destruição do passado - ou melhor,dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem."

(Eric Hobsbawn, no Livro "A Era dos Extremos", 2ª edição, Companhia das Letras, p. 13)