quarta-feira, 1 de março de 2017

confissão

confissão
esperando pela morte
como um gato
que vai pular
na cama
sinto muita pena de
minha mulher
ela vai ver este
corpo
rijo e
branco
vai sacudi-lo
talvez
sacudi-lo de novo:
hank!
e hank não vai
responder
não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.
no entanto
eu quero que ela
saiba
que dormir
todas as noites
a seu lado
e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas
e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora
ser ditas:
eu te
amo.
.
confession
waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed
I am so very sorry for
my wife
she will see this
stiff
white
body
shake it once, then
maybe
again
“Hank!”
Hank won’t
answer.
it’s not my death that
worries me, it’s my wife
left with this
pile of
nothing.
I want to
let her know
though
that all the nights
sleeping
beside her
even the useless
arguments
were things
ever splendid
and the hard
words
I ever feared to
say
can now be
said:
I love
you.
– Charles Bukowski, em “Os 25 Melhores Poemas de Charles Bukowski”. [tradução Jorge Wanderley]. Edição Bilíngüe, 2ªed., Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2003.

.revistaprosaversoearte.com
"Os romances retratam o indivíduo na sociedade, seja por meio de Balzac ou Dostoiévski, e transmitem conhecimentos sobre sentimentos, paixões e contradições humanas. A poesia é também importante, nos ajuda a reconhecer e a viver a qualidade poética da vida. As grandes obras de arte, como a música de Beethoven, desenvolvem em nós um sentimento vital, que é a emoção estética, que nos possibilita reconhecer a beleza, a bondade e a harmonia. Literatura e artes não podem ser tratadas no currículo escolar como conhecimento secundário."
.
- Edgar Morin

Templo cultural delfos

A MUSA DOENTE



Que manhã trazes, ó musa em mágoas?
Teus olhos fundos de visões macabras
em teu rosto emergem das negras águas
a fria doida dor na qual, só, te acabas.

Que duende obsessor ou exu de encosto
te seduziu para a euforia infame de tua turma?
Que pesadelo ainda se repete no teu rosto,
como se tragada em lodos de promíscua furna?

Tomara Deus que, voltando à boa velha forma,
teu pensamento batuque outro ritmo
e que, nele, Jesus Cristo toque teu íntimo

com o primitivo poema da magnânima norma,
que no eco dos anjos soa dulcíssima cantiga
e nos campos do senhor te estende a mão amiga.

Charles Baudelaire (França, 1821/1867)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


TRÊS PALAVRAS ESTRANHAS DEMAIS


Quando digo a palavra FUTURO,
a primeira sílaba já é passado.
Quando peço SILÊNCIO,
eu faço muito barulho.
Quando eu falo NADA,
nenhum não-ser pode reter esse bagulho.
.
WISLAWA SZYMBORSKA

Por antonio thadeu wojciechowski

ALEGRIA DE ESCREVER



Aonde vai com tanta pressa o cervo escrito
na floresta que escrevi?
Beber da água escrita,
com as letras de seu focinho?
Por que a cabeça se ergue? Escutou algo?
Firme nas quatro patas da verossimilhança,
ele é todo ouvidos em suas orelhas sob meus dedos.
Silêncio – essa palavra ecoa na textura do papel,
fazendo brotar galhos-letras da palavra floresta.
Sobre a folha em branco há outras à espreita
que podem ir pelo mau caminho
formando ameaças com sílabas em riste
às quais nada escapa.
Em cada letra há um estoque considerável
de caçadores com o dedo no cão,
basta um pouco de ação
para cercar o cervo e armar o olho na mira.
Nunca esqueçam que aqui não há vida de verdade.
O preto no branco tem outras leis.
Num piscar de olhos tenho o tempo que eu quiser
e posso dividi-lo em imedíveis eternidades,
cada qual com seu chumbo grosso em pleno voo.
Aqui nada acontece sem meu aval.
Contra minha vontade, nem uma folha cai
e grama alguma se curva sob o casco do cervo.
Mas então existe um mundo
onde eu posso impor o destino?
Um tempo que obedece uma corrente de sinais?
Vidas, sob minhas ordens, sem finais?

Oh! Alegria de escrever!
O poder imortal do criador:
vingança de minha mão por ser mortal.

WISLAWA SZYMBORSKA

Por antonio thadeu wojciechowski