sábado, 27 de novembro de 2010

Les Feuilles Mortes_Yves Montand à l´Olympia

Les feuilles mortes

Yves Montand – Les feuilles mortes, Prévert/Kosma




Oh je voudrais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis

En ce temps là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu’aujourd’hui

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Tu vois je n’ai pas oublié

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du nord les emportet

Dans la nuit froide de l’oubli

Tu vois, je n’ai pas oublié

La chanson que tu me chantais



C’est une chanson, qui nous ressemble

Toi tu m’aimais, et je t’aimais

Et nous vivions tout les deux ensemble

Toi qui m’aimais, moi qui t’aimais

Mais la vie sépare ceux qui s’aiment

Tout doucement sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Le pas des amants désunis



C’est une chanson, qui nous ressemble

Toi tu m’aimais et je t’aimais

Et nous vivions, tous deux ensemble

Toi qui m’aimait, moi qui t’aimais

Mais la vie sépare ceux qui s’aime

Tout doucement sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Le pas des amants désunis

Serge Gainsbourg la chanson de Prévert

la chanson de Prévert

Serge Gainsbourg – la chanson de Prévert, de Serge Gainsbourg/Kosma






Oh je voudrais tant que tu te souviennes

Cette chanson était la tienne

C’était ta préféré je crois

Qu’elle est de Prévert et Kosma

Et chaque fois “Les feuilles mortes”

Te rappelle à mon souvenir

Jour après jour les amours mortes

N’en finissent pas de mourir.



Avec d’autres bien sur je m’abandonne

Mais leur chanson est monotone

Et peu à peu je m’indiffère

A cela il n’est rien à faire

Car chaque fois “Les feuilles mortes”

Te rappelle à mon souvenir

Jour après jour les amours mortes

N’en finissent pas de mourir.



Peut-on jamais savoir par où commence

Et quand finit l’indifférence

Passe l’automne vienne l’hiver

Et que la chanson de Prévert

Cette chanson “Les feuilles mortes”

S’efface de mon souvenir

Et ce jour là mes amours mortes

En auront fini de mourir

Et ce jour là mes amours mortes

En auront fini de mourir

Para pintar o retrato de um pássaro

Para pintar o retrato de um pássaro



Jacques Prévert

Para Elsa Henriquez



Primeiro pintar uma gaiola

com a porta aberta

pintar depois

algo de lindo

algo de simples

algo de belo

algo de útil

para o pássaro

depois dependurar a tela numa árvore

num jardim

num bosque

ou numa floresta

esconder-se atrás da árvore

sem nada dizer

sem se mexer…

Às vezes o pássaro chega logo

mas pode ser também que leve muitos anos

para se decidir

Não perder a esperança

esperar

esperar se preciso durante anos

a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro

nada tendo a ver

com o sucesso do quadro

Quando o pássaro chegar

se chegar

guardar o mais profundo silêncio

esperar que o pássaro entre na gaiola

e quando já estiver lá dentro

fechar lentamente a porta com o pincel

depois

apagar uma a uma todas as grades

tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro

Fazer depois o desenho da árvore

escolhendo o mais belo galho

para o pássaro

pintar também a folhagem verde e a frescura do vento

a poeira do sol

e o barulho dos insectos pelo capim no calor do verão

e depois esperar que o pássaro queira cantar

Se o pássaro não cantar

mau sinal

sinal de que o quadro é ruim

mas se cantar bom sinal

sinal de que pode assiná-lo

Então você arranca delicadamente

uma das penas do pássaro

e escreve seu nome num canto do quadro.



POUR FAIRE LE PORTAIT D’UN OISEAU



A Elsa Henriquez



Peindre d’abord une cage

avec une porte ouverte

pendre ensuite

quelque chose de joli

quelque chose de simple

quelque chose de beau

quelque chose d’utile

pour l’oiseau

placer ensuite la toile contre une arbre

dans un jardin

dans un bois

ou dans une forêt

se cacher derrière l’arbre

sans rien dire

sans bouger…

Parfois l’oiseau arrive vite

mais il peut aussi bien mettre de longues années

avant de se décider

Ne pás le décourager

attendre

attendre s’il le faut pendant des années

n’ayant accun rapport

avec la réussite du tableau

Quand l’oiseau arrive

s’il arrive

observer le plus profond silence

attrendre que l’oiseau entre dans la cage

et quand il est entré

fermer doucement la porte avec le pinceau

puis

effacer un a un tous les barreaux

en ayant soin de ne toucher aucune des plumes

de l’oiseau

Faire ensuite le portrait de l’arbre

en choisissant la plus belle de ses branches

pour l’oiseau

peindre aussi

le vert feuillage et la fraîcher du vent

la poussière du soleil

et le bruit des bêttes de l’herbe dans la chaleur de l’été

et puis attendre que l’oiseau se decide à chanter

Si l’oiseau ne chate pás

c’est mauvais signe

signe que le tableau est mauvais

mais s’il chante c’est bon signe

signe que vous pouvez signer

Alors vous arrachez tout doucement

une des plumes de l’oiseau

et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau



de “Paroles” (1945)

B. de S. (1499 - 1590)

«O vaticínio

Dez anos antes da vinda dos Espanhóis,

o primeiro sinal. Era como uma língua de fogo

no céu, como uma chama, como qualquer coisa faiscando

no crepúsculo. Ardia, largo, e disparava afunilando

para as alturas. Foi visto durante um ano, de noite.

E sempre que se iluminava ouviam-se gritos,

todos gritavam, todos batiam com a palma da mão

na boca, todos tinham medo,

se assustavam, esperavam, ficavam apavorados.





(...)



O monte

É uma coisa alta, pontiaguda; afilada em cima,

no cume, em bico, eleva-se e sobressai;

torna-se cómico, redondo; um monte redondo, baixo;

com muitos rochedos, rochoso; escarpado, fendido, rochoso;

feito de terra; com árvores; pastagens; com ervas; com água;

seco; recortado; com gargantas; com cavernas;

e lá dentro há gargantas, blocos de pedra.

Eu subo, escalo o monte. Vivo

no monte. Nasci no monte. Ninguém

se pode tornar monte. Ninguém se transforma

num monte. Por fim, também o monte se desfaz.



(...)



A caverna

Ali estende-se, ali torna-se longa e funda,

abre-se, estreita. É um lugar apertado,

um lugar de angústia. Ali é intransitável, áspera.

É um lugar terrível, um lugar de morte,

um lugar de trevas. Ali é sombria,

escura. A sua boca está escancarada, fauces abertas.

Fauces, largas, fauces estreitas.

Eu vou ficar na caverna.

Entro. Estou aqui. Estou na caverna.»



Hans Magnus Enzensberger. Mausoléu. Trad. e prefácio de João Barrento. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p.43/45/47

C. v. L. (1707 -1778)

Uma loucura diferente da nossa: a loucura de um clássico.

Claro, seco e lacónico. Naquele tempo era tudo mais pequeno.

Era quase um anão, nervoso, impaciente, rodopiante,

mas o olhar cor de âmbar sob a pesada cabeleira

era penetrante e frio: é preciso rejeitar tudo o que sejam

características acidentais. Coleccionar, definir, classificar.

Todas as parecenças obscuras foram apenas inventadas para

vergonha da ciência. Lâminas terminiológicas para extrair

o imutável da carne e de um mundo cego e trémulo.





Inventários, nomenclaturas, reportórios. A natureza,

um quadrado intemporal, uma quadrícula imóvel.

Gravuras coloridas à mão, árvores genealógicas, tabelas.

Na espuma dos fenómenos, esta linguagem não se mexe.

Uma gramática do mensurável: da espessura de um cabelo,

da fundura de um umbigo, com a forma de uma vulva,

espiralada como a concha de uma orelha. Classificando,

minuciosamente e «com sentido». Trabalhando dia e noite,

para não perder um minuto enquanto permanecesse em Upsala.





Num país pobre, no mais miserável dixhuitième:

juventude pedregosa, sem dinheiro para meias-solas, comendo

do prato alheio, uma cama sempre fria, subterfúgios

para obter títulos e táleres. Finalmente, a fuga para o inóspito.

Lá, onde quase nada mais vive, ele quase revive.





Lapónia, 1745: vi verão e inverno num só dia,

atravessei nuvens, busquei o fim do mundo,

os asilos nocturnos do Sol. No frio, floresce o seu

coração seco. Líquenes rangíferos, tundra, liberdade do Ártico.





Depois, regresso aos cortesãos, aos jardins e gabinetes.

Sonhos infernais, meditações, trevas «cheias de sentido».

Nos olhos âmbar o brilho da loucura. Estático.

Finalmente, professor, médico pessoal da rainha (a mão certa

para curar as doenças do peito), presidente da academia.

Condecorado: Estrela Polar com fita preta. Tudo tarde de mais.

Azedume, desconfiança, noites sombrias em estufas,

depois a apoplexia. Os últimos quatro anos com

paralisia parcial, numa triste fraqueza de corpo e espírito.





Ninguém sabia que ele, que tinha encontrado tantas provas

da providência divina entre as coisas naturais, há muitos anos

vinha coleccionando exemplos semelhantes nos destinos humanos;

e que também os milagres, os pecados, obedecem à taxonomia.

Mania das perseguições, alucinações. Paralelamente à histoire admirable

des plantes, a história natural de doenças e vícios:

Nemesis divina, o noctário, guardado num estojo,

cheio de premonições, augúrios, intuições, leitura para Strindberg.

Teologia empírica. O investigador como espião de Deus.





Tudo tem a sua ordem: fogo posto luxúria infanticídio traição

manha e envenenamento. Melander, professor de teologia,

tece intrigas no consistório, até que, às seis da tarde, a sua cabeça

se volta para as costas. Caí, é levado para casa, nunca mais

verá o dia da cura. Deus é um rectângulo intemporal,

a Sua retaliação uma quadrícula, imóvel: execução, fogo

defenestração cabeça cortada. A senhora Psilanderhjelm, leviana

deita-se com um cortesão em Estocolmo. Apanha uma doença do ventre,

morre em breve. Abrem-na, encontram uma pedra no lugar da criança.





E assim tudo se revela. O pecador apodrece em vida.

Um modo de vida bastante monótono. Os castigos

são coleccionados, definidos e classificados. Minuciosamente e «com sentido»,

como o mecanismo da reprodução: estame seco e pólen,

semente estilete e estigma. Systema sexualis: uma obsessão fatal.

A vida não existe; só existem seres vivos.

Cada vez mais pequeno, o grande ancião medita, imóvel,

sobre uma vingança divina que fosse lógica. «Com sentido».

Sem sentido. «Com sentido». «Nós» não fazemos parte da sua loucura.





A flor que traz o seu nome, linnaea borealis L.,

é insignificante, minúscula, e quase toda branca.







Hans Magnus Enzensberger. Mausoléu. Trad. e prefácio de João Barrento. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 73-77

Micenas

Dá-me as tuas mãos, dá-me as tuas mãos,

dá-me as tuas mãos.



Vi dentro da noite

o cimo agudo do monte

vi além a planície inundada

com a luz de uma lua por aparecer

vi, ao voltar a cabeça

as pedras negras contraídas

e a minha vida tensa como corda

princípio e fim

o último momento;

as minhas mãos.



Afunda-se quem levanta as grandes pedras;

estas pedras levantei-as enquanto suportei

estas pedras amei-as enquanto suportei

estas pedras, o meu destino.

Ferido pelo meu solo

tiranizado pela minha túnica

condenado pelos meus próprios deuses,

estas pedras.



Sei que não sabem, porém eu

que segui tantas vezes

o caminho do assassino ao assassinado

do assassinado à paga

da paga ao outro assassínio,

a púrpura inesgotável

aquela tarde do regresso

quando as Solenes começaram a silvar

na erva escassa -

vi as serpentes em cruz com as víboras

entretecidas sobre a linguagem má

o nosso destino.



Vozes de pedra e do sono

mais fundas aqui onde o mundo escurece,

memória da fadiga enraizada no ritmo

que bateu na terra com pés

esquecidos.

Corpos afundados nos alicerces

do outro tempo, nus. Olhos

fixos fixos, num sinal

que por mais que queiras não distingues;

a alma

que luta por tornar-se tua alma.



Nem já sequer o silêncio é teu

aqui onde as mós pararam.



Outubro 1935


Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.49/51

An Indian Washing the Baby (1906)

Poesia

I



por caminhos de lavanda e urze: raso,

o sangue sob a plaina dos dedos,



enquanto a mão aprende

toda a beatitude do mundo



a mão alçada sobre a lua dos olhos,

o gesto é conciso

como uma imagem impossível



II



depois, ameias entre os venenos,

os versos:



carótida, laringe, fuligem, falange



os versos: um secreto combate, os versos



tantas vezes não mais que sombras



entre a luz nocturna da lâmina

e a doçura da pálpebra



III



em verdade falo apenas do que há

dentro dos nomes



o que há dentro de um nome?



em verdade falo apenas de um imóvel caminho



um lentíssimo modo de rumar

ao silêncio.

Luís Felício




Fonte Clepsidra
http://luz-clepsidra.blogspot.com/