«O vaticínio
Dez anos antes da vinda dos Espanhóis,
o primeiro sinal. Era como uma língua de fogo
no céu, como uma chama, como qualquer coisa faiscando
no crepúsculo. Ardia, largo, e disparava afunilando
para as alturas. Foi visto durante um ano, de noite.
E sempre que se iluminava ouviam-se gritos,
todos gritavam, todos batiam com a palma da mão
na boca, todos tinham medo,
se assustavam, esperavam, ficavam apavorados.
(...)
O monte
É uma coisa alta, pontiaguda; afilada em cima,
no cume, em bico, eleva-se e sobressai;
torna-se cómico, redondo; um monte redondo, baixo;
com muitos rochedos, rochoso; escarpado, fendido, rochoso;
feito de terra; com árvores; pastagens; com ervas; com água;
seco; recortado; com gargantas; com cavernas;
e lá dentro há gargantas, blocos de pedra.
Eu subo, escalo o monte. Vivo
no monte. Nasci no monte. Ninguém
se pode tornar monte. Ninguém se transforma
num monte. Por fim, também o monte se desfaz.
(...)
A caverna
Ali estende-se, ali torna-se longa e funda,
abre-se, estreita. É um lugar apertado,
um lugar de angústia. Ali é intransitável, áspera.
É um lugar terrível, um lugar de morte,
um lugar de trevas. Ali é sombria,
escura. A sua boca está escancarada, fauces abertas.
Fauces, largas, fauces estreitas.
Eu vou ficar na caverna.
Entro. Estou aqui. Estou na caverna.»
Hans Magnus Enzensberger. Mausoléu. Trad. e prefácio de João Barrento. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p.43/45/47
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