sábado, 27 de novembro de 2010

Micenas

Dá-me as tuas mãos, dá-me as tuas mãos,

dá-me as tuas mãos.



Vi dentro da noite

o cimo agudo do monte

vi além a planície inundada

com a luz de uma lua por aparecer

vi, ao voltar a cabeça

as pedras negras contraídas

e a minha vida tensa como corda

princípio e fim

o último momento;

as minhas mãos.



Afunda-se quem levanta as grandes pedras;

estas pedras levantei-as enquanto suportei

estas pedras amei-as enquanto suportei

estas pedras, o meu destino.

Ferido pelo meu solo

tiranizado pela minha túnica

condenado pelos meus próprios deuses,

estas pedras.



Sei que não sabem, porém eu

que segui tantas vezes

o caminho do assassino ao assassinado

do assassinado à paga

da paga ao outro assassínio,

a púrpura inesgotável

aquela tarde do regresso

quando as Solenes começaram a silvar

na erva escassa -

vi as serpentes em cruz com as víboras

entretecidas sobre a linguagem má

o nosso destino.



Vozes de pedra e do sono

mais fundas aqui onde o mundo escurece,

memória da fadiga enraizada no ritmo

que bateu na terra com pés

esquecidos.

Corpos afundados nos alicerces

do outro tempo, nus. Olhos

fixos fixos, num sinal

que por mais que queiras não distingues;

a alma

que luta por tornar-se tua alma.



Nem já sequer o silêncio é teu

aqui onde as mós pararam.



Outubro 1935


Yorgos Seferis. Poemas Escolhidos. Trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis. Relógio D'Água, Lisboa, 1993., p.49/51

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