Lembrei-me da afirmação com que Aristóteles inicia a sua Metafísica:
“Todos os homens têm, por natureza, um desejo de conhecer: uma prova disso é o
prazer das sensações, pois, fora até de sua utilidade, elas nos agradam por si
mesmas e, mais que todas as outras, as visuais...”.
Acho que Aristóteles errou. Isso não é a verdade dos
adultos. Os adultos já foram deformados. Acho que ele estaria mais próximo da
verdade se tivesse dito: “Todos os homens, enquanto crianças, têm, por
natureza, desejo de conhecer...”.
Para as crianças o mundo é um vasto parque de diversões. As
coisas são fascinantes, provocações ao olhar. Cada coisa é um convite.
Aí a Dinéia sumiu. Pensei que ela tivesse voltado para a
mãe. Engano. Alguns minutos depois ela voltou. Estivera examinando uma coleção
de livros. “Sabe aqueles livros, todos de capa parecida? Os
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três primeiros livros estão de cabeça para baixo.”
Retruquei: “Pois
ponha os livros de cabeça para cima!”.
Ela saiu e logo depois voltou. “Já pus os livros de cabeça
para cima.” E acrescentou: “Sabe de uma coisa? O livro com o número 38 está
fora do lugar”. Aí aconteceu comigo: fui eu quem ficou estupi- dificado... Ela,
que não sabia escrever, já sabia os números. E sabia mais, que os números
indicam uma ordem.
Fiquei a imaginar o que vai acontecer com a Dinéia quando,
na escola, os seus olhinhos curiosos forem subtraídos do fascí- nio das coisas
do mundo que a cerca, e forem obrigados a seguir aquilo a que os programas
obrigam. Será possível aprender sem que os olhos estejam fascinados pelo objeto
misterioso que os desafia?
Pois sabe de uma coisa? Acho que vou fazer com a Dinéia
aquilo
que Joseph Knecht tinha vontade de fazer...
Teresa Oliveira